O espectro do pró-putinismo continua a assombrar a Europa

O espetro do pró-putinismo continua a assombrar a Europa – e a Hungria, em particular. O mais importante é que a UE – que provou ser mais resistente e eficiente do que muitos julgavam – reconhece e age contra esta ameaça.

No dia 15 de Março, a Hungria celebrou o aniversário da sua luta pela soberania. Esta luta pela liberdade foi iniciada contra os Habsburgos, mas acabou por ser derrubada em 1849, pelas forças conjuntas dos Habsburgos e do Império Russo.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, proferiu um discurso que não reflectiu o espírito desta importante celebração, mas salientou a importância de manter uma distância suficiente da Rússia, da Ucrânia, da União Europeia e dos EUA. Disse também que a Hungria precisa de manter os preços baixos da energia, com a energia nuclear e o gás provenientes da Rússia a serem essenciais. Evitando condenar o ataque brutal da Rússia à soberania da Ucrânia, limitou-se a sublinhar a importância de manter a paz, dizendo que “a Hungria não deve intrometer-se entre o martelo russo e a bigorna ucraniana”. Em resposta à posição unida do país, que apelou a uma resposta ocidental unida ao conflito, chamou-os de “belicistas”.

Quando os jornalistas perguntaram a Viktor Orbán porque é que ele não se tinha juntado a uma visita dos primeiros-ministros polaco, checo e esloveno à cidade cercada de Kiev, o assessor de imprensa de Orbán respondeu: “O primeiro-ministro está ciente da visita, mas de momento não está a planear ir a Kiev.” Embora a Polónia e a Eslovénia tenham sido vistas como aliadas de Orbán nos últimos anos, esta situação revela o quão isolado Orbán tem vindo a ficar. Embora Orbán siga, de modo geral, a onda de sanções da UE e da NATO, fá-lo com relutância. Isto deve-se sobretudo a três razões.

A primeira é económica. Nos últimos 12 anos, Orbán reforçou os laços da Hungria com a Rússia de Vladimir Putin e outras ditaduras orientais, defendendo o pragmatismo no comércio e nos negócios estrangeiros. Entre os negócios com a Rússia, incluem-se a extensão da Central Nuclear de Paks pela poderosa empresa estatal russa de energia nuclear Rosatom, a compra de novos vagões de metro da Rússia, o apoio à empresa de engenharia russa Metrovagonmash contra um candidato húngaro num concurso egípcio, e a mudança da sede do IIB, o Banco dos “Espiões de Putin”, para Budapeste. No entanto, estes projectos tenderam a beneficiar mais os interesses privados do que os públicos. Orbán foi o único líder de um Estado-membro da UE e da NATO a visitar Moscovo (sem ir a Kiev) em Fevereiro, naquilo a que chamou uma “missão de paz”.

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Viktor Orbán no comício das celebrações do Dia Nacional da Hungria, a 15 de Março REUTERS/Marton Monus

A segunda razão é ideológica. Enquanto Orbán citou razões pragmáticas e “interesses nacionais”, a proximidade ideológica entre a Hungria de Orbán e a Rússia de Putin tem-se tornado cada vez mais clara. Desde 2014, quando o primeiro-ministro húngaro mencionou pela primeira vez a Rússia como um “modelo a seguir”, Orbán tem vindo a criticar as democracias liberais ocidentais pela sua alegada fraqueza, diversidade e falta de “valores tradicionais”. Muitos dos seus passos foram inspirados por Putin. Centralizou a comunicação social, como Putin fez após a catástrofe do submarino Kursk, utilizando o mesmos métodos do Kremlin – através de aquisições por oligarcas simpatizantes do Fidesz e tentativas determinadas de eliminar a comunicação social independente e crítica, como ficou evidenciado com a tomada hostil do site de notícias Index e a perseguição ao Klubrádió de Budapeste. Orbán procurou criar uma “Fortaleza Hungria”, baseada em teorias de conspiração antiocidental, como o modelo que está agora em vigor na Rússia. Aprovou legislação que diaboliza as ONG financiadas por estrangeiros e criminalizou a “promoção da homossexualidade” sob a bandeira da luta contra a pedofilia.

A terceira razão é geoestratégica: Orbán esperava que as suas políticas dos últimos 12 anos se enquadrassem na Nova Ordem Mundial, que ele prevê como o fim do Ocidente e a ascensão do Oriente. Este desejo levou a um fracasso total da previsão estratégica: a sua estreita relação com Putin cegou Orbán das ameaças óbvias que a Rússia representava, não só para a Ucrânia, mas também para a democracia ocidental.

Orbán tinha a certeza de que Putin não iria atacar a Ucrânia. Quando o fez, a comunicação governamental esteve num caos durante cerca de uma semana. O governo enviou praticamente todas as mensagens possíveis aos eleitores, desde as mais aguerridas teorias pró-atlanticistas até às teorias da conspiração pró-russas. Orbán apoiou as sanções, falou com Zelensky ao telefone e deixou entrar refugiados ucranianos. A Hungria parou, num instante, de bloquear os esforços de adesão da Ucrânia à UE e à NATO – parecia que a diplomacia húngara poderia regressar a um estado de normalidade.

No entanto, após apenas uma semana de planeamento e sondagens, o governo do Fidesz decidiu-se por uma mensagem “vitoriosa”, que se sobreporia a ambos os lados do debate e estimularia um comício à volta do momento nacional na Hungria. As duas vertentes desta mensagem foram repetidas por Orbán no seu discurso de 15 de Março: paz e energia barata. Orbán sentiu as preocupações de segurança da sua base eleitoral e está a procurar manter a continuidade com a sua retórica “putinófila” do período pré-guerra.

Se Orbán permanecer no poder após as eleições de 3 de Abril, ameaçará o Ocidente ao quebrar a unidade em torno das sanções e utilizando-as como moeda de troca nas futuras decisões do Conselho Europeu, chantageando os seus supostos aliados com vetos. Os fundos de recuperação são extremamente importantes para a Hungria e Emmanuel Macron parece estar disposto a libertá-los para manter a unidade da UE e alcançar os seus objectivos durante a presidência francesa.

O espectro do pró-putinismo continua a assombrar a Europa – e a Hungria, em particular. O mais importante é que a UE – que provou ser mais resistente e eficiente do que muitos julgavam – reconhece e age contra esta ameaça. Duas medidas imediatas necessárias seriam: 1) colocar a Hungria sob o regime de sanções, e 2) contrariar a desinformação pró-russa proveniente dos governos da UE e da NATO, que é apoiada pelo Estado húngaro e que procura minar a unidade destas alianças.

Péter Krekó é director do Political Capital Institute, investigador principal no Center for European Policy Analysis (CEPA) e investigador no projecto POPBACK da Universidade de Cambridge

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