Catarina Martins: “Sem um programa para o emprego não haverá um orçamento de esquerda”

Para a líder do Bloco, é ao Governo que cabe criar condições para a viabilização do Orçamento do Estado para 2022.

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Catarina Martins (Bloco de Esquerda) Nuno Ferreira Santos

Em entrevista à agência Lusa, a coordenadora do Bloco de Esquerda deixa pistas ao Governo sobre o orçamento e fala ainda sobre a colagem “incompreensível” de Rui Rio à extrema-direita, as “desastradas” ministras do Trabalho e Cultura e a saída “ajustada” do deputado Luís Monteiro da corrida autárquica. Catarina Martins lança, assim, alguns temas que deverão marcar a XII Convenção Nacional do Bloco, que se realiza neste fim-de-semana, em Matosinhos.

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“No nosso ponto de vista, a questão de como é que se vai criar emprego, e que emprego, tem de estar no centro de negociações do Orçamento do Estado [OE2022]. Sem um programa para o emprego não haverá um orçamento de esquerda.”

A líder bloquista deixa muito claro que “sem um programa para o emprego não haverá um orçamento de esquerda”. Desta forma, o Bloco coloca as questões laborais no centro das negociações (Novo Banco e Saúde também farão parte), apesar de, segundo diz, ainda não haver qualquer negociação ou reunião prevista com o Governo.

A esse propósito, deixa uma crítica. “O Governo português tem estado muito centrado na Presidência da União Europeia. Achamos que é tempo de olhar um pouco mais para a situação do país e eu diria mesmo que mesmo para a União Europeia não seria mau se Portugal tivesse um projecto que devia ser o posicionamento da União Europeia.”

Para a coordenadora do BE, que nunca fala em aprovação do OE (apenas em viabilização), “não há nenhuma razão para o Orçamento do Estado não ser viabilizado”, a menos que o Governo socialista liderado por António Costa “não o queira viabilizar”.

“Seria uma irresponsabilidade um Governo não encontrar as condições de viabilização do Orçamento do Estado num momento em que o país atravessa uma crise tão forte e que há toda a disponibilidade negocial no Parlamento para constituir maiorias”, considera.

Questionada sobre se o voto contra no último orçamento foi a decisão mais difícil que teve de tomar enquanto líder do partido, Catarina Martins respondeu: “Diria que a decisão mais complicada foi a decisão de propor ao PS apoiá-lo para poder ser Governo mesmo não tendo ganhado as eleições porque havia uma maioria à esquerda. Porque essa fez uma alteração na forma como normalmente se desenhavam as maiorias no Parlamento. Acho que são qualitativamente decisões bastante diferentes.”

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“Rui Rio aparece colado à extrema-direita num desespero incompreensível o que significa que desistiu sequer de disputar a maioria no país.”

A bloquista acusa o presidente do PSD, Rui Rio, de estar “colado à extrema-direita num desespero incompreensível”, considerando que a direita está “muito longe” da possibilidade de chegar ao Governo e que o facto de estar “em processo de reconfiguração” está a impedi-la de dialogar com o país.

Para a líder do BE, é “claramente perigoso” para uma democracia que cresça o discurso violento, antidemocrático e de ódio como está a acontecer em Portugal, avisando, no entanto, que “uma maioria social não se disputa nesse campo”, mas sim “com soluções para o país”.

“A direita está fora dessa disputa e, neste momento, está muito longe de ter qualquer maioria no país, qualquer solução de chegar ao Governo. Portanto a esquerda, sim, tem essa responsabilidade de desenhar o programa”, defende.

A líder do BE lamenta que não se reconheça o perigo da direita tradicional abrir “a porta ao discurso antidemocrático” e deixa claro que “Rui Rio não faz favor nenhum a ninguém” quando opta por esta aproximação à extrema-direita.

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“Julgo que [Marcelo Rebelo de Sousa] teve um papel institucional de normalização de relações institucionais depois de Cavaco Silva ter deixado uma situação de crispação que era absurda e que não ajudava ninguém no país, não ajudava a democracia.”

Catarina Martins foi questionada sobre o arranque do segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, admitindo que viu “com alguma apreensão algumas decisões recentes” como a visita à Guiné-Bissau num momento em que “a situação democrática não é reconhecida internacionalmente nem pode ser”.

“Espero que possa haver um diálogo institucional que respeite os princípios da democracia, dos direitos humanos em Portugal e fora de Portugal porque acho que o Presidente da República assumiu nalgumas matérias essas obrigações e quando o faz, faz bem. Não deve abdicar desses princípios”, apela.

Para a coordenadora bloquista, Marcelo Rebelo de Sousa é e sempre foi um presidente de direita. “Julgo que teve um papel institucional de normalização de relações institucionais depois de Cavaco Silva ter deixado uma situação de crispação que era absurda e que não ajudava ninguém no país, não ajudava a democracia”, admite.

No entanto, para Catarina Martins é evidente que o Presidente da República “manteve sempre a sua agenda de direita” e, desse ponto de vista, entende que “um Governo que não negoceie à esquerda acaba por ser mais próximo de Marcelo Rebelo de Sousa”.

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“Não cabe ao partido tomar uma decisão sobre uma matéria [de] que o partido não tem nenhum conhecimento e não consegue ter e que não tem nada a ver com o exercício da função directamente e, portanto, tem de haver o respeito pela decisão pessoal também.”

Sobre a decisão pessoal do deputado Luís Monteiro abandonar a corrida autárquica, mas manter-se na Assembleia da República, depois das acusações de violência doméstica negadas pelo próprio, Catarina Martins considerou-a ajustada. A coordenadora do BE já tinha afirmado esta semana, em entrevista à Antena 1, que estas denúncias nunca devem ser desvalorizadas, considerando, no entanto, que “uma acusação numa rede social não acaba com a presunção de inocência”.

Sem querer falar do caso em particular, Catarina Martins considera que a “decisão pessoal” de Luís Monteiro — abandonou a corrida a qualquer cargo político, incluindo como cabeça de lista à Câmara de Gaia, e mantém-se como deputado — lhe parece “ajustada tendo em conta os factos” que se conhecem.

Em relação à reunião magna, na eleição dos delegados que decorreu esta semana — reduzidos a 343, metade do que seria previsto, devido à pandemia — a moção A, da actual liderança, teve uma queda em percentagem de eleitos em relação à última reunião magna do partido.

“Acho que temos feito um trabalho colectivo muito interessante no Bloco de Esquerda. Acho que nos orgulhamos de ter um partido em que a diversidade e a pluralidade de opinião têm muito espaço e muito lugar. É normal as oposições terem de 20 a 30%. Isso tem acontecido em várias convenções”, responde.

Sobre as críticas vindas principalmente da moção E, promovida pelo movimento da Convergência, e sobre se antecipa uma reunião mais crispada do que as anteriores da sua liderança, Catarina Martins é peremptória: “O Bloco teve convenções com vários estilos e nunca faltou combatividade nas convenções do Bloco de Esquerda.”

Já em relação às eleições autárquicas deste ano, a coordenadora do BE antecipa que o partido “tem condições de aumentar a sua presença nas autarquias”.

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“Eu não creio que debater quem está em cada ministério no momento nos ajude a centrar nos problemas políticos. Agora, é óbvio que há áreas em que a intervenção tem sido para lá de politicamente desajustada, eu diria mesmo desastrada.”

Catarina Martins critica as ministras do Trabalho e da Cultura por uma intervenção “politicamente desajustada e desastrada”, apesar de considerar que uma troca de governantes não resolve a falta de direcção política.

Na entrevista, Catarina Martins foi questionada sobre quais são os outros ministros do actual Governo socialista, além de Eduardo Cabrita (Administração Interna), que estão numa “situação insustentável” e indicou algumas “áreas em que a intervenção tem sido para lá de politicamente desajustada”.

“Nós temos um problema grande no Ministério do Trabalho e da Segurança Social, com uma grande incapacidade de ter proposta, de resolver problemas, com uma série de propostas que são feitas e que depois estão mal feitas pois não funcionam”, lamenta. Segundo Catarina Martins, tem havido “vários momentos às vezes até tristemente caricatos”.

Outro “alvo” da coordenadora do BE é a ministra da Cultura, Graça Fonseca. “Neste momento não consegue ter nenhum interlocutor na sua área porque, enfim, a sua medida mais emblemática foi uma raspadinha para o património”, ironiza.

Quando em Portugal há um “problema grave de vício do jogo” o que era preciso era controlar essa mesma dependência e não promover mecanismos que a estimulem, defende.

No entanto, para Catarina Martins, “não será propriamente trocar ministros que resolve o problema”, sendo preciso “haver uma direcção política para o que se está a fazer”.

No caso concreto de Eduardo Cabrita, a dirigente bloquista recordou o caso de “um cidadão torturado até à morte por uma força de segurança”. “É óbvio que, do ponto de vista simbólico, da própria democracia, o ministro que tutela essa força de segurança fica numa situação insustentável”, referiu.

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