Directora do fisco diz que não leu plano que previa operações stop

Helena Borges reconhece que acção no Porto não correu bem. Dirigente diz ter a indicação de que os contribuintes penhorados à beira da estrada já tinham sido citados.

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Helena Borges, aqui numa ida anterior ao Parlamento, dirige a AT desde 2015 Enric Vives-Rubio (Arquivo)

Um mês depois da controversa operação stop do fisco para cobrar dívidas e penhorar carros à beira da estrada em Valongo, a directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Helena Borges, foi ao Parlamento reafirmar que teve conhecimento da Acção sobre Rodas pela imprensa e revela que, embora a Direcção de Finanças do Porto tenha enviado o plano de actividades da área da justiça tributária para o seu gabinete, não leu o documento onde já se previam “operações stop”​. Borges considera que, mesmo assim, nada do que ali estava escrito fazia antecipar a dimensão do que se passou em Valongo.

A prestar esclarecimentos na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, Helena Borges disse que, ao ver as imagens dos cidadãos a serem interpelados pelo fisco, não se sentiu identificada com a actuação da instituição que lidera. “Também sou cidadã e também não senti a administração [fiscal] que eu projecto [interna e externamente]”, afirmou a dirigente pública, admitindo que esta foi uma iniciativa que “correu menos bem”, porque houve uma “desproporção de meios” para cobrar dívidas. “Reconhecidamente não terá corrido bem” porque, caso contrário, não teria “gerado este tipo de indignação”.

De acordo com a informação que lhe foi transmitida, os contribuintes visados pelas penhoras já tinham sido citados pelo fisco no âmbito de uma execução fiscal e nos casos em que já tinham decorrido os 30 dias para o pagamento da dívida ou para manifestarem a oposição. Ao revelar esta informação aos deputados, Borges fez questão de sublinhar que essa é a informação que tem (“tal como me foi transmitido…”), mas é algo que terá de ser confirmado no inquérito que está a decorrer sobre este episódio.

A responsável máxima do fisco disse que não teve conhecimento prévio da operação, embora tivesse revelado que o plano de actividades da área da justiça tributária da Direcção de Finanças do Porto foi enviado por e-mail para o seu gabinete. No entanto, a directora considerou que da descrição que constava do plano não se conseguia deslindar o que aconteceu no terreno. Do documento, “tal como estava descrito”, disse, não se podia antever o que “se ia traduzir naquela acção prática”. O que diz o documento?

Borges leu um excerto, já noticiado pelo PÚBLICO, no qual a direcção de Finanças já previa realizar “em todo o distrito ‘operações stop’ em estradas com grande fluxo de trânsito de forma a identificar veículos automóveis de devedores com vista à sua penhora ou apreensão no caso de já se encontrarem penhorados, quando estes não regularizem de imediato a sua situação”.

Penhorar electronicamente

Borges revelou agora no Parlamento que o relatório foi dado a “conhecer centralmente ao gabinete do director-geral”, mas garante que não teve conhecimento. “Há-de compreender que eu não posso ler todos [os documentos enviados para o gabinete da directora-geral]”, afirmou Helena Borges, justificando que, havendo 12 subdirectores com competências delegadas, seria “natural” que não o fosse ler.

A questão, garantiu, também não foi falada nem discutida no Conselho de Administração da AT, no qual tem assento o director do Porto. Borges disse não querer estar a fugir às responsabilidades e deixou uma palavra de reconhecimento ao ex-director de Finanças do Porto, José Oliveira e Castro, com quem trabalhou em Lisboa (foi sua superior hierárquica) e por quem disse ter “muita estima pessoal”.

Ao PÚBLICO, a dirigente já tinha dito em Maio que não teve conhecimento do plano. No Parlamento, Borges surgiu com um discurso alinhado com as declarações públicas do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, colocando a tónica na desproporção de meios, para dizer que podem existir situações em que a única forma de evitar que um determinado contribuinte continue a gerar dívida é “imobilizar a viatura”. “Apenas se parte para essa acção [direccionada a um contribuinte específico] quando não se encontra outra forma de chegar às viaturas”, afirmou.

Para Helena Borges, o episódio desgasta a relação da AT com o cidadão, acabando por dar azo a generalizações sobre o trabalho da AT, instituição que, sublinhou, “é composta por pessoas que todos os dias servem o país” e que faz dez milhões de atendimentos ao público por ano.

Acções generalizadas como a de Valongo e as quatro que já tinham decorrido no distrito do Porto nas semanas anteriores “não são” o modo de “actuação regra” – foi esta a mensagem que quis passar, lembrando que o próprio fisco tem “a possibilidade de penhorar os carros electronicamente” e pedir a apreensão das viaturas. 

Nas semanas antes da acção de Valongo a 28 de Maio já tinham decorrido operações idênticas em Lousada (a 7 desse mês), Felgueiras (dia 10), Trofa (dia 14) e Santo Tirso (dia 21).

Na mesma comissão deverão ainda ser ouvidos o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, e o presidente da Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária e Aduaneira (APIT), Nuno Barroso.

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