Portugal arrisca-se a não beneficiar na íntegra das compras do BCE

BCE já tem níveis elevados de dívida pública portuguesa nos seus cofres, podendo o limite permitido pelas suas regras ser atingido antes de concluído o programa.

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AFP PHOTO / DANIEL ROLAND

Com o BCE com os cofres já bastante carregados de dívida portuguesa e com um montante reduzido de emissões de obrigações de empresas nacionais que sejam elegíveis para as compras do banco central, Portugal arrisca-se a ficar impossibilitado de beneficiar na íntegra dos novos estímulos a autoridade monetária europeia irá lançar durante os próximos doze meses.

O Banco Central Europeu irá, para além de reduzir as taxas de juro para novos mínimos históricos, reforçar o seu programa de compra de activos. Desde Março do ano passado, que a entidade liderada por Mario Draghi está activa nos mercados a comprar dívida pública dos países da zona euro e dívida privada titularizada pelo sector financeiro, num montante mensal de 60 mil milhões de euros.

O objectivo do BCE é fazer subir a inflação na zona euro, mas outro efeito importante, especialmente para países como Portugal, tem sido o contributo para a contenção das taxas de juro da dívida pública.

Agora, o banco central anunciou que irá reforçar estas compras de 60 para 80 mil milhões de euros ao mês, o que será feito através de mais aquisição de dívida pública e do alargamento dos activos elegíveis para os títulos de dívida emitidos pelas empresas não financeiras da zona euro.

Para Portugal, uma vez que o BCE procura fazer as suas compras de acordo com a quota que cada país da zona euro tem no capital do banco central, isto poderia significar potencialmente um acréscimo das compras em cerca de 500 milhões de euros ao mês até pelo menos Março de 2017, a data prevista para o final do programa. No entanto, outras regras estabelecidas pelo BCE podem limitar o montante total de compras de dívida (pública e privada) de que Portugal poderá beneficiar.

No caso da dívida pública, o problema para Portugal é que as regras do BCE determinam que o banco central não pode passar a ser detentor de mais de um terço do total dos títulos elegíveis de cada um dos países.

A dívida elegível, de acordo com o banco central, é aquela que pode ser alvo das compras do BCE: isto é, têm de ser títulos de dívida a taxa fixa com um prazo entre 2 e 30 anos e que esteja disponível para vender e comprar nos mercados. Na prática, para Portugal, são as obrigações de tesouro já emitidas pelo país, ficando de fora, por exemplo, toda a dívida detida pela troika ou a dívida de curto prazo.

No final do passado mês de Janeiro, Portugal tinha um stock de obrigações de tesouro emitidas de 107 mil milhões de euros. Um terço deste valor são cerca de 35,5 mil milhões de euros, que é assim o montante máximo que neste momento o BCE pode ambicionar deter de dívida portuguesa.

Durante os primeiros doze meses do programa de compra de activos (entre Março de 2015 e Fevereiro de 2016, o BCE comprou títulos de dívida pública portuguesa com o valor nominal de 13,6 mil milhões de euros. O problema para Portugal é que, antes de se dar início a este programa, o BCE já tinha efectuado, no auge da crise da dívida soberana da zona euro, compras de dívida pública portuguesa, no programa de aquisições que visava reduzir os problemas de acesso aos mercados dos países da periferia da zona euro (para além de Portugal, foi adquirida dívida da Grécia, Irlanda, Espanha e Itália). Isto significa que o BCE, para além das compras agora efectuadas, tem nos seus cofres mais cerca de 12,4 mil milhões de euros de dívida portuguesa, de acordo com os dados publicados com referência ao final do ano passado.

No total, o BCE tem assim neste momento cerca de 26 mil milhões de dívida pública portuguesa. Um valor que ainda está 9,5 mil milhões de euros abaixo do limite de 35,5 mil milhões de euros, mas que mostra a existência de um espaço de manobra relativamente reduzido.

Durante o último ano, o ritmo de compras de dívida pública portuguesa foi de 1133 milhões de euros ao mês. O que significa que, se mantivesse este ritmo, acabaria por realizar mais 13,6 mil milhões de euros de compras até Março de 2017 (data em que é previsto acabar o programa do BCE), arriscando-se a atingir antes disso o limite estabelecido pelas regras do BCE.

Nestes cálculos, é preciso ainda levar em conta outros factores, como a data de amortização da dívida actualmente detida pelo BCE, o reforço de compras que resulta do aumento das compras totais mensais anunciado pelo bano central e a aplicação ou não de cláusulas de acção colectiva (CAC) nas emissões de dívida (o que altera o limite que pode ser detido pelo BCE num título em particular).

Um estudo publicado pelo think-tank europeu Bruegel em Fevereiro com base no ritmo de compra de dívida vigente antes da última decisão do BCE, estima que, caso todas as emissões de dívida portuguesa contenham CAC, o limite de compra de emissões portuguesas é atingido já em Outubro deste ano. Caso existam CAC apenas nas emissões realizadas a partir de 2013, o limite chega em Abril de 2017.

Do lado português haveria portanto interesse em que o BCE alargasse o limite de um terço para a detenção de dívida de um determinado país emissor. É pouco provável que isso aconteça, porque uma maioria dos responsáveis do BCE não querem que o banco central assuma níveis de risco tão elevados com um Estado membro.

Em relação à compra de títulos de dívida emitidos por empresas não financeiras – uma das formas encontradas pelo BCE para aumentar o seu volume de compra de activos – o problema de Portugal é de outro tipo. O que acontece é que o banco central apenas irá comprar títulos que tenham um rating acima de “lixo” e isso limita fortemente a possibilidade das empresas portuguesas poderem beneficiar das compras do BCE.

Apenas três empresas apresentam rating acima de “lixo” nas principais agências internacionais: EDP, REN e Brisa Concessões Rodoviárias. No total, estas três empresas têm títulos a ser transaccionados no mercado num valor próximo de 9250 milhões de euros.

Este montante é muito pequeno quando comparado com o universo total de dívida de empresas não financeiras em toda a zona euro com rating acima de “lixo”, que supera os 1600 mil milhões de euros e está concentrada principalmente na França e na Alemanha.

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