Renegociar a dívida só com “política orçamental responsável”, avisa Teodora Cardoso

Orçamento não tem espaço para reagir a choques externos, adverte a presidente do Conselho das Finanças Públicas. Ao Governo, aconselha a clarificar no Plano de Estabilidade qual é a estratégia de médio prazo para a economia.

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Economista Teodora Cardoso cautelosa face à renegociação da dívida Rui Gaudêncio/Arquivo

Se Portugal discutir as regras europeias sem as cumprir, ficará fragilizado. Por isso, a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Teodora Cardoso, avisa que uma discussão sobre a reestruturação da dívida pública só surtiria efeitos se Portugal tiver na retaguarda uma política orçamental credível.

Ouvida na manhã desta quinta-feira no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2016, não rejeitou que uma reestruturação da dívida venha a colocar-se em cima da mesa. Mas aconselha o Governo a não ir por esse caminho. “É evidentemente possível mas [só] acontecerá se tivermos uma política orçamental responsável”, advertiu, insistindo na ideia de que só com uma estratégia credível qualquer país terá voz para discutir o tema a nível europeu.

A questão foi trazido ao debate pelo deputado do PS Paulo Trigo Pereira, quando lembrou que o Governo já garantiu que não vai suscitar o assunto unilateralmente, mas se e quando o debate se colocar a nível europeu.

Ter uma estratégia credível “também nos dará muito mais voz e capacidade de discutir a nível europeu”. Se o Governo discutir as regras europeias sem as cumprir, isso é uma fragilidade, considerou. Se um país suscita a questão, por exemplo, para “poupar 5% nos juros da dívida” com o objectivo de “os gastar noutras coisas”, a estratégia é errada, sustentou.

Questionada à saída da audição pelos jornalistas sobre a sua posição, Teodora Cardoso fez a distinção entre aquilo que é uma reestruturação da dívida – que se faz “normalmente” e que resulta da gestão corrente para obter “melhores condições de financiamento, juros mais baixos, prazos mais alongados, menor susceptibilidade às flutuações de mercado” – e um pedido de renegociação junto dos credores, aquilo a que chama um “repúdio da dívida”.

“É dizer: ‘Não queremos pagar a dívida e, por consequência, vamos querer negociar com os credores que só pagamos uma parte da dívida ou queremos um corte de juros de um determinado montante’. Isso aí é que, a ser feito, sem haver uma política por trás que convença os credores de que efectivamente estamos a corrigir as coisas, em vez de resolver os problemas, agrava-os, porque aí começamos a ter piores condições de acesso ao mercado – ou até a não ter nenhumas e como nós continuamos a precisar dos mercados, é melhor não ir por esse caminho”, reforçou.

Na audição na comissão de Orçamento e Finanças, a presidente do CFP advertiu para as dificuldades que Portugal ainda enfrenta. Se a conjuntura externa se degradar e houver variações nas taxas de juro da dívida, o país terá dificuldade em reagir, porque o Orçamento do Estado para este ano não tem espaço para responder a “essas evoluções futuras”, avisou. Para diminuir a vulnerabilidades em relação ao exterior, o caminho passa por “ganhar credibilidade”, considerou a economista.

A melhoria prevista na correcção do défice este ano, para 2,2%, “resulta quase exclusivamente do contributo positivo do ciclo económico e da evolução favorável da despesa com juros” e, advertiu a presidente do CFP, não há verdadeiramente um efeito estrutural que proteja o país. Se houver flutuações económicas e variações das taxas de juro, as finanças públicas “continuarão a não ter espaço para responder a essas evoluções”, advertiu. Riscos que foram sublinhados também pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

Para Teodora Cardoso, “falta sobretudo neste orçamento – e pode ser resolvido com o Plano de Estabilidade – um quadro plurianual, um quadro económico em geral, que justifique e dê apoio a um conjunto de objectivos que estão aqui expressos mas que na situação actual” a economista considera não estarem bem fundamentados.

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