Europa mais perto da estagnação e Portugal não evita tendência negativa

FMI passa previsão de crescimento para Portugal de 1,2% para 1%, o mesmo nível esperado pelo Governo. Mais uma vítima da caminhada da zona euro para a estagnação e deflação.

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Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças, apresentou o segundo rectificativo.
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Maria Luís Albuquerque Enric Vives-Rubio

As expectativas de uma retoma forte da economia europeia que ajude Portugal a sair da crise estão a tornar-se na segunda metade deste ano cada vez mais reduzidas. As previsões publicadas ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) vieram dar ainda mais força a este cenário mais negativo.

O Fundo, no relatório sobre a economia mundial que apresenta todos os semestres, reviu em baixa as previsões de crescimento e de inflação para a zona euro, com especial dureza para a maiores economias, como a Alemanha, França e Itália. Portugal foi uma excepção entre os países que já foram sujeitos a um programa da troika e também viu o seu crescimento e inflação ficarem a níveis mais baixos do que o inicialmente previsto.

Relatório após relatório, os avisos do FMI em relação aos riscos que a Europa corre de cair numa situação grave de recessão e deflação vão subindo de tom. Ontem, a entidade liderada por Christine Lagarde destacou esta região como aquela que apresenta mais dificuldades em concretizar uma retoma em todo o Globo e deixou conselhos aos responsáveis políticos europeus para agirem com mais determinação se quiserem evitar um cenário ainda mais negativo.

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No passado mês de Julho, nas previsões intercalares, o Fundo apontava para um crescimento de 1,1% na zona euro em 2014. Agora, passados três meses, a estimativa passou para 0,8%. Foi nas maiores economias da zona euro que se registaram as mais significativas revisões em baixa. Alemanha (ainda assim a crescer 1,4%), França (cada vez mais perto da estagnação com 0,4%) e Itália (em recessão em 2014, com uma quebra de 0,2%) ficaram agora com previsões mais pessimistas, tornando inevitável um abrandamento do total da economia da zona euro.

“O cenário é de uma recuperação modesta e de uma inflação baixa”, diz o FMI no seu relatório, assinalando que “o produto e o investimento continuam bem abaixo os níveis de antes da crise”. As causas para este problema são identificadas: “os legados da crise – procura inadequada, dívida elevada e desemprego – continuam a colocar desafios a um crescimento mais robusto e mais sustentado”. A previsão para a taxa de inflação na zona euro é agora de 0,5% em 2014 (antes era de 0,9%) e de 0,9% em 2015 (antes 1,2%).

O FMI avisa ainda que há o risco de as novas previsões para a zona euro pecarem por serem demasiado optimistas. “O risco de crescimento lento prolongado e de uma inflação baixa persistente são altos. E se estes riscos se materializarem, os seus efeitos far-se-ão sentir por toda a Europa”, afirma.

No relatório, o FMI evita usar a palavra deflação, mas é esse cenário - que levou por exemplo o Japão a duas décadas de estagnação económica – que o Fundo tenta agora evitar quando dá conselhos aos responsáveis políticos europeus.
As recomendações são muito diferentes daquelas que têm sido dadas a Portugal durante os últimos anos. Ao BCE, o Fundo diz que “se o cenário não melhorar, tem de estar disposto a fazer mais, incluindo compras de dívida pública”. Aos governos diz que a política orçamental “não deve ser novamente apertada no caso de surpresas negativas no crescimento”, especificando que “na Alemanha há fortes argumentos para que exista um aumento do investimento público”.

Especificamente para os países endividados como Portugal, o Fundo repete uma mensagem muitas vezes transmitida nos últimos anos: reformas estruturais. “Maior flexibilidade nos mercados de trabalho e de produto nos países endividados e mais investimento privado e em infra-estruturas nos países credores devem aumentar a produtividade, o emprego e o crescimento, ajudando a reequilibrar a zona euro”, afirma o relatório.

Portugal afectado
Portugal também não escapa a uma revisão em baixa das suas previsões de crescimento, sendo mesmo o único país entre os que foram sujeitos a um programa da troika a ficar agora com uma projecção de crescimento mais baixa do que a que tinha em Abril.

O FMI estima que o PIB português irá crescer 1% durante o ano de 2014. Em Abril, quando tinha apresentado a sua última previsão, o Fundo apontava para um crescimento económico de 1,2%. O abrandamento da zona euro, onde estão os principais clientes das exportações portuguesas, é o principal motivo para a deterioração das estimativas para Portugal.
Mas se é verdade que, entre Abril e Outubro, a revisão em baixa feita em relação a Portugal é mais suave do que a que é feita para o total da zona euro, quando a análise é realizada apenas entre os cinco países que estiveram sujeitos a um programa da troika, o desempenho de Portugal é bastante menos positivo.

Na Irlanda e Espanha (que teve a troika a fiscalizar um programa de apoio ao seu sistema bancário) o FMI reviu em alta as projecções de crescimento. A Irlanda vai crescer 3,6% em vez dos 1,7% previstos em Abril e a Espanha 1,3% em vez de 0,9%. No caso de Chipre, o último país onde a troika entrou, vive-se ainda uma situação grave de contracção da economia. Mesmo assim, em Abril previa-se uma recessão de 4,8% este ano, enquanto agora a queda esperada é de 3,2%. No caso da Grécia, o FMI manteve a mesma previsão de crescimento para este ano: 0,6%.

O Governo português já tinha assumido que a economia cresceria a um ritmo mais lento. A previsão de crescimento feita pelo FMI fica agora exactamente ao mesmo nível da nova estimativa do Governo apresentada com a proposta de orçamento rectificativo e fica ligeiramente abaixo dos 1,1% projectados pelo Banco de Portugal. Para 2015, o Fundo manteve a previsão de crescimento de 1,5%.

Outro sinal de que o FMI vê uma evolução da actividade mais moderada em Portugal é o facto de estar a antecipar uma estagnação dos preços no país. O Fundo prevê agora que, no decorrer de 2014, a taxa de inflação fique a zero. Em Abril previa 0,7%.

Onde as previsões melhoraram significativamente face a Abril foi no mercado de trabalho. Da mesma forma como a troika foi surpreendida, no início do programa, com uma subida do desemprego acima do previsto, agora falha sucessivas previsões para a sua descida. A taxa de desemprego prevista pelo FMI é agora de 14,2% em 2014 e de 13,5% em 2015, uma revisão em baixa face às anteriores projecções de 15,7% e 15%,  respectivamente. Para 2014, o Governo está a apontar para um valor idêntico ao do FMI.

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