Textura Wines: dois brasileiros e o vinho que nasce numa antiga fábrica de têxteis

Marcelo e Patrícia encantaram-se com o Dão e iniciaram há seis anos um projecto que continua a crescer, com vinhas biológicas, economia circular e agora também um belo espaço de enoturismo.

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O Dão "tem a ver com o tipo de vinhos de que a gente gosta, mais elegantes", diz Marcelo Villela de Araújo PAULO PIMENTA
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Seria sempre o Dão. Marcelo Villela de Araújo e Patrícia Berardi, ele nascido no Rio de Janeiro, ela em São Paulo, já viviam no Porto desde 2015 quando começaram à procura de um lugar para fazer vinho. “Cheguei a ver, com uns amigos, alguma coisa no Douro mas sempre achei que o investimento no Dão tinha mais a ver com o estilo de vinhos que a gente gosta, mais elegantes, por isso quando avancei decidi que tinha de ser o Dão”, conta Marcelo, explicando como deixou uma vida na alta finança para se dedicar a este projecto, que o levou, em primeiro lugar, a fazer uma pós-graduação em enologia no Porto.

Patrícia, professora ligada à Fundação Getúlio Vargas no Brasil e à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Portugal, traz o outro grande pilar do Textura Wines: a preocupação em trabalhar a economia circular. “Muito do que são os nossos conceitos e valores tem a mão dela”, diz Marcelo.

E isso começa logo no local em que estamos e que, de certa forma, inspirou o nome Textura: a adega, a bonita sala de provas e espaço de enoturismo de paredes de granito, chão de cortiça, um magnífico tecto de madeira e decoração de burel (e também a casa dos proprietários) ficam numa antiga fábrica de têxteis junto a Gouveia, à beira do Parque Natural da Serra da Estrela.

A gama do Textura Wines Paulo Pimenta
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A gama do Textura Wines Paulo Pimenta

“Devo ter olhado inúmeras destas fábricas abandonadas entre Gouveia, Seia, Viseu. Olhava estas ruínas e pensava que não fazia sentido construir algo do zero com tantos espaços magníficos que podem ser reaproveitados”, afirma Marcelo. Compraram esta antiga fábrica em 2019, as obras demoraram cinco anos (fizeram questão de só trabalhar com fornecedores locais), mas o projecto foi fazendo o seu caminho.

Patrícia e Marcelo convidam-nos a irmos conhecer as vinhas, divididas em parcelas distintas, algumas das quais ficam a uns dez minutos de distância de carro, em Vila Nova de Tazem. Sobre uma pequena formação rochosa que imerge do terreno temos uma vista privilegiada para o que nos rodeia. As ervas e flores selvagens crescem livremente no meio da vinha, já convertida para biológico e certificada desde 2023.

A filosofia percorre todo o projecto: reaproveitamento, respeito pela natureza, auto-suficiência na água, tratamento de resíduos e, no final, vinhos de baixa intervenção, que “expressam o terroir”, feitos mais na vinha do que na adega, sob a responsabilidade dos enólogos Luís Seabra e Mariana Salvador.

A ideia, sublinham, é que cada vinho exprima o terroir de onde vem e que as características de cada parcela sejam valorizadas nas suas diferenças – têm ao todo 28 hectares de vinhas com idades entre os 18 e os 50 anos, divididos em oito parcelas, em Vila Nova de Tazem (18 hectares, solos graníticos) e Penalva do Castelo, sub-região de Castendo (mais dez, solos argilo-graníticos com algum quartzo), com castas tradicionais do Dão, 80% tintas. A par disso, compram algumas vinhas a proprietários de vinhas velhas que não as queriam alugar. “Preferimos tratar nós da vinha e depois comprar as uvas”, explicam.

As vinhas estão divididas em várias parcelas - na foto, uma das vinhas em Vila Nova de Tazem Paulo Pimenta
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As vinhas estão divididas em várias parcelas - na foto, uma das vinhas em Vila Nova de Tazem Paulo Pimenta

Em Penalva, plantaram cinco hectares de vinhas novas numa área de maior altitude, entre os 500 e os 600 metros, “que em geral é o limite para o Dão”. Assim, estão “no limite de altitude e no mais continental, zonas limítrofes que dão ao vinho um carácter diferente”.

Com a experiência – o projecto está a entrar no sexto ano – já sabem identificar em cada parcela as castas mais interessantes. “Começámos a reenxertar em algumas variedades que nos interessam menos castas de que gostamos mais, como a Baga, o Alforcheiro ou o Bastardo. Jaen já temos muito.”

Optaram por fazer “as monocastas que aqui na serra têm um perfil diferente de outras regiões do Dão ou do país” e para isso escolheram o Jaen, a Tinta Pinheira e o Bastardo. “A serra traz uma elegância que associamos ao tipo de solo, que é mais pobre, de granito, com a rocha em decomposição, e a influência do clima, a frescura que a serra traz nas noites de Verão permite que essas castas mais delicadas tenham uma maturação mais lenta e equilibrada”.

Marcelo e Patrícia, os proprietários do Textura Wines
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Marcelo e Patrícia, os proprietários do Textura Wines

O solo aqui em Tazem, onde nos encontramos a olhar a vinha, é granítico e pobre (em Penalva, no meio da floresta, é mais fértil), mas por baixo corre bastante água e a serra da Estrela recorta-se no horizonte com a mesma linha levemente ondulada reproduzida nos rótulos do vinho Textura da Estrela.

O portefólio do Textura Wines – que exporta já para 15 países, vendendo cerca de um terço da produção em Portugal – inclui o entrada de gama Pretexto (branco, tinto, rosé e palhete), ao qual se segue o Textura da Estrela (com dois monovarietais, um Jaen e um Tinta Pinheira), o topo de gama Pura e ainda o Encoberta, o Constructo, o Vinha Negrosa e o D. Áurea (100% Bastardo), que é uma homenagem à avó Áurea, “a ligação à família com raízes portuguesas”.

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