Bactérias: saúde ou doença?

Se hoje somos munidos de tecidos, órgãos e sistemas que resultam num organismo altamente complexo, devemos às bactérias o oxigénio que alimenta as nossas células, para citar um exemplo.

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Durante toda a história da humanidade, as doenças infeciosas influenciaram a saúde humana em grande medida. Assim se compreende que, desde as origens da microbiologia no século XVII, a exploração do mundo microbiano tenha sido foco de grande atenção, assistindo-se a sucessivas mudanças de paradigma. A microscopia levou à descoberta de um mundo novo, até então desconhecido, permitindo a identificação dos microrganismos. Os postulados de Koch e a sua explicação da relação entre microrganismo e doença humana e animal são um importante marco na microbiologia. No entanto, esta visão assente na patogenicidade definiu os microrganismos como agentes causadores de doença e que, como tal, deviam ser eliminados.

O último século assistiu a grandes desenvolvimentos tecnológicos que abriram os olhos e as mentes dos investigadores. De facto, os microrganismos têm uma importância vital para o funcionamento dos ecossistemas. A enfase recai numa perspetiva evolucionista do Homem e na relação de dois sentidos deste com o meio envolvente, onde se insere a panóplia de seres vivos que habitam o planeta desde o tempo da “sopa primitiva” de Oparin, constituindo um conjunto de unidades funcionais que se influenciam mutuamente e coevoluem neste planeta. Se hoje somos munidos de tecidos, órgãos e sistemas que resultam num organismo altamente complexo, devemos às bactérias o oxigénio que alimenta as nossas células, para citar um exemplo.

É com esta perspetiva integradora que devemos olhar o mundo microbiano que nos rodeia, que nos envolve, pois só assim o podemos compreender. Exemplo disso é o impacto dos antibióticos no meio ambiente, devido à sua utilização pouco racional e exagerada, levando a profundos desequilíbrios no ecossistema que culminam na evolução de bactérias patogénicas e multirresistentes.

Tendo por base este modelo de interação, facilmente compreendemos o porquê de cerca de três quartos das doenças infeciosas emergentes ter origem no mundo animal, fruto da intervenção disruptiva humana. A invasão de habitats e a destruição de ecossistemas abre novas oportunidades de contacto com microrganismos que até então permaneciam em equilíbrio. Assim, um ecossistema saudável pode caracterizar-se por uma multiplicidade de organismos com relações benéficas de cooperação entre si. A sua disrupção levará a novas interações competitivas de parasitismo, o que está na base da emergência de novos microrganismos patogénicos para o ser humano e, como tal, de novas doenças.

Este equilíbrio essencial ao funcionamento dos ecossistemas traduz-se no organismo humano, ele mesmo o resultado de interações entre as nossas células e as bactérias e outros microrganismos que partilham o nosso nicho, o corpo humano. Esta comunidade que connosco vive e coopera, à qual chamamos “microbiota”, sofre múltiplas influências externas ao longo da vida que promovem o seu desequilíbrio, designado por “disbiose”. Entre os diversos fatores promotores de disbiose, a utilização de antibióticos é o mais determinante. Hoje é claro que mesmo a utilização racional de antibióticos promove consequências a longo prazo relacionadas com a destruição das bactérias necessárias ao funcionamento harmonioso e saudável do organismo.

Num futuro próximo, deixaremos de olhar para as bactérias meramente como potenciais agentes causadores de doença, centrando o foco na possibilidade de se constituírem como uma garantia da nossa saúde e bem-estar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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