“Um dia negro para o ambiente e os agricultores”: redução do uso de pesticidas chumbada no Parlamento Europeu

Mais um diploma do Pacto Ecológico Europeu travado. Eurodeputados rejeitam posição do Parlamento Europeu para a reforma do regulamento sobre uso de pesticidas. Proposta teve a oposição da direita.

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Tem havido esforços para encontrar novas soluções, mais sustentáveis ambientalmente, para combater doenças nas plantações sem usar pesticidas GettyImages
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O Parlamento Europeu rejeitou esta quarta-feira um relatório sobre a proposta da Comissão Europeia para reduzir para metade o risco e a utilização de pesticidas até 2030. Com uma votação final renhida - 299 votos contra, 207 a favor e 121 abstenções -, os relatores da comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar não receberam luz verde para negociar o diploma com os governos da União Europeia (UE).

A longa votação de emendas fez lembrar a votação da Lei do Restauro da Natureza, só que, ao contrário do que aconteceu em Julho, desta vez os eurodeputados acabaram mesmo por bloquear as propostas para a revisão do Regulamento de Utilização Sustentável de Pesticidas (SUR, na sigla em inglês), rejeitando também que o diploma volte a ser analisado pela comissão de Ambiente do Parlamento Europeu.

O relatório da comissão do Ambiente sobre a proposta da Comissão Europeia para limitar o uso de pesticidas químicos começou por ser alvo de uma série de emendas, que retiraram força à proposta. O texto final, muito alterado em relação ao que tinha sido aprovado na especialidade - em particular devido às alterações propostas pelos partidos mais à direita do Parlamento Europeu, assim como eurodeputados do grupo liberal Renew -, acabou por ser rejeitado com votos dos próprios partidos à esquerda, assim como da extrema-direita no PE. Por fim, foi também rejeitado um pedido para que o texto voltasse a ser analisado pela comissão de Ambiente, pondo fim à possibilidade de o Parlamento Europeu ter uma palavra nas negociações sobre o dossier.

O Conselho da UE, que reúne os ministros dos Estados-membros, ainda tem que definir a sua posição conjunta sobre a proposta da Comissão. Esta irá determinar se o dossier será definitivamente chumbado ou se voltará, eventualmente, ao Parlamento Europeu - já numa versão bastante menos ambiciosa do que a que tinha sido acordada pelos eurodeputados na especialidade.

Para esta legislatura, o SUR está morto”, lamentou a eurodeputada Sara Wiener, relatora da proposta da comissão de Ambiente, numa conferência de imprensa logo depois da votação. “É um dia muito negro para o ambiente e para os agricultores.”

Também o eurodeputado liberal Pascal Canfin, presidente da comissão de Ambiente, lamentou o resultado. “Não haverá uma lei europeia para reduzir os pesticidas”, anunciou na rede social X (antigo Twitter). “Depois de ter destruído completamente o texto, a aliança da direita e da extrema-direita votou contra a continuação dos trabalhos em comissão, vencendo por 30 votos. Os eleitores europeus é que irão julgar.”

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Sara Wiener, relatora do parecer da comissão de Ambiente do PE sobre uso sustentável de pesticidas, lamentou o bloqueio da proposta Emilie Gomez / Parlamento Europeu

Resistência do agro-negócio

A posição acordada pelos eurodeputados na especialidade procurava reforçar a proposta da Comissão Europeia, pretendendo não apenas reduzir em 50% a utilização de pesticidas químicos, mas também reduzir a utilização dos chamados “produtos mais perigosos” em 65%, em comparação com a média de 2013-2017 (a Comissão tinha proposto o objectivo de 50% para ambos, com base na média de 2015-2017).

Os eurodeputados defendiam ainda a proibição de todos os pesticidas químicos em determinadas áreas, como as zonas Natura 2000 e espaços verdes urbanos, e uma nova meta da UE para aumentar as vendas de pesticidas de baixo risco até 2030.

As propostas de redução em 50% da utilização de pesticidas, contudo, têm incomodado o lobby agrícola desde o início. A Copa-Cogeca, organização que agrega associações de produtores de toda a UE, aplaude a rejeição da posição da comissão de Ambiente e classifica como “ideológica” a abordagem da Comissão Europeia relativamente aos produtos fitofarmacêuticos.

“Os eurodeputados enviaram uma mensagem decisiva: a falta de diálogo, a imposição de objectivos a partir de cima, a recusa de avaliar o impacto e a falta de financiamento das propostas agrícolas têm de acabar já”, defende o grupo de interesse em comunicado enviado logo após a votação.

“Papão” da soberania alimentar

Em comunicado da Pesticide Action Network (PAN) Europa, o director executivo, Martin Dermine, recorda que “milhares de cientistas e milhões de cidadãos exigiram a redução dos pesticidas para proteger a saúde e o ambiente”. “Ao não dar resposta a estas exigências, o Parlamento Europeu está a enviar um sinal negativo aos eleitores sobre a sua capacidade de lidar com questões sociais importantes. É evidente que o lobby do agro-negócio tomou o controlo da nossa Casa da Democracia”, lamentou ainda.

Um dos grandes motivos alegados contra o regulamento dos pesticidas, assim como aconteceu com a lei do restauro da natureza, é a ameaça à soberania alimentar europeia — um “papão” que foi desmistificado por milhares de investigadores europeus (incluindo quase 100 portugueses) que subscrevem um artigo científico, publicado em Julho, onde são desmontados, com base em investigação científica, vários argumentos usados contra as propostas relacionadas com o Pacto Ecológico Europeu.

No início da semana, a ONG Corporate Europe Observatory (CEO) publicou um relatório onde relata como as negociações do SUR foram fortemente influenciadas pelos lobbies da indústria com possíveis custos tanto para a saúde humana como para o ambiente. O CEO analisou centenas de documentos da Comissão Europeia e das 27 representações permanentes dos Estados-membros, documentos submetidos a consultas públicas, eventos de lobby, conteúdos patrocinados publicados na comunicação social, e ainda questões colocadas aos actores envolvidos.

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