Lei do Restauro da Natureza sobrevive no Parlamento Europeu

Votação renhida não impediu Lei do Restauro da Natureza de sobreviver na votação final em plenário do Parlamento Europeu. Houve 336 votos a favor da aprovação da lei, 300 votos contra e 13 abstenções.

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Activistas manifestaram-se esta terça e quarta-feira junto ao Parlamento Europeu em defesa deste lei de protecção da natureza Reuters/GREENS/EFA GROUP
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O plenário do Parlamento Europeu aprovou esta quarta-feira a Lei do Restauro da Natureza com 336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções. O texto final aprovado, com emendas que retiraram parte da sua capacidade transformadora, fica muito aquém do que tinha sido negociado pelos co-relatores do dossier na comissão de Ambiente do PE, antes do boicote dos grupos mais à direita. Caíram medidas sobre a gestão de áreas agrícolas e também os pontos relativos a madeira morta, contestados pelos eurodeputados do PSD.

Para o eurodeputado socialista César Luena, relator da proposta, trata-se de “uma grande vitória social” que responde ao envolvimento da sociedade civil, da comunidade científica e dos jovens. Luena espera que seja possível “começar a negociar já”, afirmando que “a presidência espanhola [do Conselho da União Europeia] está preparada”.

“Os Estados membros precisavam de uma lei da natureza organizada, que tivesse objectivos”, sublinhou o eurodeputado, acrescentando que “esta é uma boa lei”, que vai trazer “tranquilidade e confiança”. “É uma boa lei para o sector primário, para agricultores e pescadores, para os sectores económicos que dependem destes ecossistemas e funcionam melhor se estes ecossistemas estiverem sãos.”

Questionado por jornalistas, Luena reconhece que esta não é a lei que o grupo dos socialistas e democratas (S&D) queria. “Se estamos satisfeitos? Não. Porque foi preciso encontrar um consenso” - mas “é isto a política em estado puro”, sublinha. “É pedir o que se quer e aceitar o que é preciso negociar. Há agora que trabalhar e negociá-lo”, continuou, reforçando que o “trílogo” com a Comissão e o Conselho será lugar para que “as emendas boas se consolidem” e se encontrem soluções de consenso para as emendas que a direita conseguiu passar.

O alemão Manfred Weber, “arquitecto” da estratégia de bloqueio do PPE, reforçou que “a máquina vai continuar a funcionar e no final entregaremos o resultado”. Em conferência de imprensa logo depois da aprovação da proposta do PE, reforçou que o interesse do seu grupo é que “todos os diplomas sejam aceitáveis para as economias”.

À entrada do hemiciclo, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, não se deu por vencido face à posição do PE que retira grande parte da ambição da proposta da Comissão. “Foi mesmo por pouco, mas isso é a democracia. A democracia parlamentar tem um só vencedor [it’s not winner takes all]”. Agora, no trílogo, a comissão tentará encontrar um compromisso entre as posições do Conselho e do Parlamento - que, no final das contas, acabaram por ser mais próximas do que da proposta inicial da Comissão - e chegar a uma conclusão “dentro de poucos meses”.

A incógnita será a postura do PPE no trílogo. “Estarei lá para negociar com eles se quiserem negociar”, alfinetou o vice-presidente da Comissão.

Timmermans reconheceu as “enormes diferenças entre a situação nos estados-membros”, que motivaram várias propostas de emendas que retiraram força à lei, mas reforçou a importância de uma natureza saudável não apenas para atingir os objectivos climáticos do Pacto Ecológico Europeu, mas também para o futuro de sectores como a agricultura. É preciso, afirma, “encontrar uma combinação entre restaurar a natureza e manter a actividade económica”.

“Quando falamos do Pacto Ecológico Europeu e da Lei da Natureza, não vamos pensar nas próximas eleições. Vamos pensar nas próximas gerações”, concluiu.

Manta de retalhos

Dezenas de cidadãos que encheram as galerias do hemiciclo - entre eles, a activista Greta Thunberg e outros jovens do movimento Fridays for Future - aplaudiram os eurodeputados depois do primeiro voto, que garantiu que a proposta viveria para ver mais emendas. A Comissão de Ambiente do PE tinha recomendado que a proposta fosse rejeitada, mas uma primeira votação não aceitou essa opção: houve 324 votos contra a rejeição (ou seja, a favor da aprovação da lei), 312 votos a favor e 12 abstenções.

Seguiu-se a votação da proposta do grupo liberal Renew, que sob a batuta do eurodeputado Pascal Canfin (presidente da comissão de Ambiente do PE) conseguiu orquestrar uma posição de compromisso. Esta solução, baseada na proposta que o Conselho da UE aprovou a 21 de Junho, é bastante menos ambiciosa do que a proposta inicial da Comissão Europeia. Proposta pela Comissão Europeia em Junho do ano passado, a Lei do Restauro da Natureza tem como objectivo assegurar a recuperação de 20% dos ecossistemas degradados até 2030. Actualmente, 80% dos habitats da UE estão em mau estado.

Após a aprovação da proposta do grupo Renew, seguiram-se as dezenas de emendas propostas pelos diferentes grupos do Parlamento Europeu: a direita tentando fazer valer as suas resistências a alguns aspectos da lei, em particular relacionados com a agricultura; os grupos mais à esquerda a tentar recuperar pontos que ficaram de fora das preocupações mais pragmáticas do Conselho.

De fora ficaram pontos considerados importantes - alguns mesmo essenciais -, como o artigo 9, relacionado com ecossistemas agrícolas, que foi eliminado com uma emenda do PPE. Ou seja, sai da proposta do Parlamento a recuperação de solos agrícolas, que poderão ficar de fora das obrigações de recuperação, que seriam medidas, por exemplo, pela contagem de borboletas e outros polinizadores (essenciais para a produção) ou pela área de paisagem com alta diversidade, assim como o objectivo de recuperar áreas húmidas que tenham sido convertidas em terrenos agrícolas.

Os eurodeputados portugueses do PSD também conseguiram, com emendas apoiadas por colegas do PPE, retirar do artigo 10 a obrigação de manter nas florestas a madeira morta, essencial para a manutenção da biodiversidade.

Depois da aprovação final, a proposta segue agora para o chamado "trílogo", onde o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia (actualmente sob a liderança da presidência espanhola) chegarão a um acordo com a Comissão sobre a versão final da lei.

Processo difícil

Um boicote do grupo democrata-cristão Partido Popular Europeu (PPE, onde estão eurodeputados do PSD e do CDS) levou à rejeição da proposta nas três comissões que analisaram o documento, incluindo um empate final na comissão de Ambiente, que recomendou a rejeição da proposta no plenário.

Há cerca de três meses que o PPE insiste que esta é uma lei que veio “mal feita” da Comissão Europeia. Um dos grandes motivos alegados pelo PPE é a ameaça à soberania alimentar europeia, algo que foi desmistificado por milhares de investigadores europeus (incluindo quase 100 portugueses) que subscrevem um artigo científico onde são desmontados, com base em investigação científica, vários argumentos usados contra a Lei do Restauro da Natureza, como a perda de solos agrícolas ou a suposta ameaça ao mercado das renováveis.

Esta semana, nove organizações ambientalistas portuguesas entregaram uma carta aos eurodeputados defendendo que “Portugal tem tudo a ganhar com uma Lei do Restauro da Natureza ambiciosa”. Apelando ao voto a favor da lei, pedem que os políticos demonstrem um “compromisso claro para manter e consolidar o equilíbrio entre os ecossistemas saudáveis e a prosperidade das populações que deles dependem”.

O PÚBLICO viajou a convite do Parlamento Europeu

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