Dunja Mijatovic: “É difícil aceitar que as crianças estão também a decidir”

Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, foi ouvida na audiência desta quarta-feira no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, enquanto assistente no processo.

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Dunja Mijatovic, Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa Conselho da Europa
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A Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, foi uma das partes ouvidas na audiência desta quarta-feira do TEDH, enquanto assistente. Não é comum participar em processos deste tribunal, mas neste caso era imperativo: o primeiro “caso climático”, ou seja, onde estão em causa danos ambientais transfronteiriços causados pela emissão de gases com efeito de estufa.

Numa curta conversa com o PÚBLICO, considera que o caso dos seis jovens portugueses que acusaram 32 países de inacção climática tem uma "especial importância". "Quando falamos de jovens e de crianças, vejo-os como os agentes mais importantes da luta pelos direitos e pela protecção do planeta."

Qual foi a posição que assumiu nas observações que trouxe hoje ao tribunal?
Decidi intervir neste caso devido à sua especial importância para a protecção dos direitos humanos e do ambiente. Esta tem sido uma prioridade do meu mandato. E quando falamos de jovens e de crianças, vejo-os como os agentes mais importantes da luta pelos direitos e pela protecção do planeta.

São, de certa forma, a força motriz por detrás de tantos movimentos e reconheço isso porque, nas minhas visitas aos Estados, falo com muitos deles e ouço as suas preocupações. Há ainda o facto de estarem muitas vezes em perigo, de serem assediados, intimidados, existem vários casos na justiça contra jovens activistas dos direitos humanos relacionados com o ambiente.

Tudo isto contribui para a decisão de intervir neste caso específico. Centrei-me, claro, naquilo que os requerentes estavam a argumentar e apresentei as minhas observações ao tribunal para reforçar que esta questão está muito relacionada com os direitos humanos. A saúde humana está intimamente ligada ao estado do ambiente.

Enquanto comissária de Direitos Humanos, tem contacto com diferentes violações de direitos e luta pela resolução desses casos. De que forma é que o impacto das alterações climáticas traz novos desafios?
Para mim, todos os direitos são direitos humanos, não podemos simplesmente esquecer certos direitos. No momento em que são retirados a qualquer ser humano, são direitos com que nos devemos preocupar. O ambiente é uma questão contemporânea de direitos humanos no sentido de ter agora muita atenção pública.

Para mim estes direitos são tão relevantes como todos os outros direitos, mas, como Comissária, vejo isto como o momento certo para abordar esta questão, aplicar mais recursos, dedicar mais atenção ao envolvimento dos jovens, para os ouvir e para os ter presentes à mesa quando são tomadas decisões. Não se trata apenas de dizer que gostamos de jovens e queremos colaborar com eles. Trata-se de os deixar participar, e isto é algo que nunca foi conseguido.

É claro que valorizamos as crianças, mas é muito difícil aceitar este cenário em que as crianças estão também a decidir. Se isto mudar, também pode trazer mudanças para o futuro das organizações internacionais, para que os jovens reconheçam a importância do Conselho da Europa. Será que somos importantes para eles? Confiam no que estamos a fazer? Acham que a Comissária vai mudar alguma coisa? Acham que o tribunal vai mudar alguma coisa para melhor?

É a altura certa para as organizações internacionais e também os governos provarem que, sim, nos preocupamos. E para demonstrar que precisamos do seu envolvimento. É muito bom que os jovens estejam presentes na sala do tribunal, isso já é uma grande mudança. Mas é preciso mais. É preciso ver os Estados a discutir de facto e reconhecer que há um problema com o ambiente que não pode continuar assim.

No que toca a essa evolução das instituições, há o exemplo da ONU, com o Acordo de Paris e os compromissos dos Estados, ou da União Europeia, que assumiu metas com a Lei do Clima. Costuma-se dizer que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos é um "documento vivo", cuja leitura tem evoluído à luz dos novos tempos, mas não estará na altura de um upgrade à Convenção?
É algo que tem sido discutido em muitas ocasiões. Há debates muito ricos na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Houve várias decisões relacionadas, desde logo, com o reconhecimento de que o Conselho da Europa deve assumir mais protagonismo em matéria de direitos humanos e ambiente.

No que diz respeito ao meu trabalho, é um pouco diferente, já reconheço que existe um problema, estou em contacto com activistas ambientais. Mas penso que há cada vez mais fóruns e locais onde isto é reconhecido. E claro que há muita oposição: há muitas notícias falsas e desinformação sobre os movimentos e sobre algumas das figuras que fazem parte dos debates.

E também temos de ter em conta que, do outro lado, há empresas poderosas, ou seja, não são apenas os governos. Estes, aliás, têm começado também a mover processos judiciais contra activistas. Enquanto Comissária, temos feito mais do que o suficiente. No que se refere ao Conselho da Europa em geral, essa é uma discussão que está em curso e deve continuar. Neste momento, as Nações Unidas estão a liderar, com as várias declarações muito claras e directas do Secretário-Geral António Guterres, o que é bastante invulgar mas que me deixa satisfeita, porque é extremamente importante ouvi-las do topo. Espero que líderes dos diversos Estados sigam o exemplo, não apenas com declarações, mas com acções claras.

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