Piers Morgan sabia dos telefones pirateados, testemunha biógrafo do príncipe Harry

Omid Scobie, co-autor de Finding Freedom, estagiou no Daily Mirror em 2002 e disse ter assistido a conversas que indiciam que Morgan tinha conhecimento de práticas ilícitas.

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Piers Morgan, que trabalha actualmente para a News Corp, de Rupert Murdoch, nega ter tido conhecimento de quaisquer práticas ilegais Reuters/HENRY NICHOLLS/arquivo

O antigo editor do tablóide britânico Daily Mirror Piers Morgan sabia da existência de telefones pirateados, testemunhou, nesta segunda-feira, o biógrafo do príncipe Harry, ao prestar depoimento no âmbito do processo judicial que está a decorrer contra a editora do jornal.

Harry, o filho mais novo do rei Carlos, e mais de uma centena de outras pessoas estão a processar o Mirror Group Newspapers (MGN), dono de jornais como o Daily Mirror, o Sunday Mirror e o Sunday People, por ter havido informação obtida através de telefones pirateados e outros meios ilegais entre 1991 e 2011.

Omid Scobie, co-autor de Finding Freedom (ed. Harper Collins, 2020), uma biografia não oficial dos duques de Sussex, Harry e Meghan, disse ao Supremo Tribunal de Londres que Piers Morgan se manifestou “tranquilo” em relação a uma história de 2002 sobre a cantora Kylie Minogue, depois de lhe ter sido dito que a informação tinha sido obtida através de intercepção de mensagens de voz.

Scobie disse ao tribunal que estava a trabalhar como estagiário na coluna de mexericos do Mirror em 2002, quando Morgan foi informado de que uma história sobre Minogue tinha origem num telefone pirateado. “Piers pareceu muito tranquilo com isso”, recordou.

Morgan, que trabalha actualmente para a News Corp de Rupert Murdoch, sempre negou qualquer envolvimento ou conhecimento de telefones pirateados ou outras actividades ilegais. “Não vou aceitar sermões sobre invasão de privacidade do príncipe Harry, alguém que passou os últimos três anos a invadir impiedosa e cinicamente a privacidade da família real para obter um vasto lucro comercial e que contou um monte de mentiras sobre eles”, disse Morgan à ITV News na semana passada.

Na segunda-feira, no seu depoimento, Scobie contou também como lhe foi dada uma lista de números de telemóvel para piratear, enquanto trabalhava, alguns meses antes, como estagiário de jornalismo no Sunday People.

O advogado da MGN, Andrew Green, afirmou que os dois incidentes não aconteceram, acusando Scobie de reproduzir recordações fruto de uma “falsa memória”. Scobie negou que fosse esse o caso, afirmando ter ficado ofendido com a sugestão. Também negou ter um “interesse pessoal” em ajudar Harry ou ser amigo ou “porta-voz” do príncipe, como sugeriram os tablóides britânicos.

“Aliciamento corporativo”

O ex-jornalista do Sunday Mirror Dan Evans, que foi condenado por piratear telefones em 2014, também prestou depoimento nesta segunda-feira, dizendo ao tribunal que tinha sido vítima de “aliciamento corporativo” por figuras seniores da MGN para encontrar histórias através de meios ilícitos.

A MGN, que actualmente pertence à Reach, “nega veementemente estas alegações”, afirmou o advogado do grupo na semana passada.

O julgamento, que deverá durar cerca de sete semanas, centra-se inicialmente em acusações genéricas contra a MGN, antes de se debruçar sobre as alegações específicas de Harry e de três outros casos. O príncipe, que reside na Califórnia desde 2020, deverá apresentar-se em tribunal no início de Junho, sendo o primeiro membro da realeza britânica a fazê-lo desde o século XIX.

No arranque do julgamento, o jornal tablóide britânico The Mirror pediu desculpa ao príncipe Harry por ter conseguido informação sobre o duque de Sussex de forma ilegal.

Piers Morgan vs. Harry e Meghan

Piers Morgan notabilizou-se internacionalmente por ter feito parte do júri do Britain's Got Talent, a par de Amanda Holden ou Simon Cowell. Já em Portugal, foi aquele que conseguiu uma entrevista de fundo com o craque madeirense do futebol mundial, Cristiano Ronaldo. Mas, no Reino Unido, Piers Morgan é sobejamente conhecido por ter sido editor de títulos como News of the World (1994-1995) e Daily Mirror (1995-2004), além de, a partir do Outono de 2015, passar a apresentar o célebre Good Morning Britain, no canal ITV.

Porém, nos últimos anos, Piers assumiu uma guerra pessoal contra Meghan. Segundo o próprio, os dois conheceram-se através de mensagens no Twitter e acabaram por se encontrar pessoalmente quando a actriz foi a Londres. Meghan era para Piers uma amiga que, por acaso, se ia encontrar pela primeira vez com o príncipe Harry no dia seguinte. E nunca mais terá ouvido uma palavra da jovem. Até ter conhecimento do noivado com o segundo filho do herdeiro da coroa. E, a partir de então, o jornalista fez questão de não ocultar nenhum pensamento mais podre que teria sobre a jovem norte-americana.

A gota de água, porém, ocorreu dois dias depois da entrevista que Harry e Meghan deram a Oprah, transmitida em Março de 2021. Piers fez de tudo para defender a rainha e a família real, acusando o casal (sobretudo Meghan) de estarem a montar um espectáculo. Até que, na semana a seguir, numa das emissões do programa que apresentava, o co-apresentador Alex Beresford atingiu um nervo e Piers Morgan, em directo, abandonou o programa. Além disso, os seus comentários originaram mais de 41 mil queixas de telespectadores ofendidos.

É que a duquesa de Sussex falou abertamente sobre os pensamentos suicidas que a assolaram durante o período em que fez parte da família real, declarando que “simplesmente não queria estar viva”. Um trecho exibido no Good Morning Britain, após o qual Piers Morgam afirmou: “Lamento, mas não acredito numa palavra do que ela diz.”

Resultado: a ITV anunciou a decisão de Piers Morgan em abandonar o programa. “A ITV aceitou esta decisão e não tem mais nada a acrescentar”, informou o canal.