As alterações climáticas têm as costas demasiado largas

O problema da chuva em Lisboa não tem nada que ver com as dificuldades na aplicação do Acordo de Paris.

As alterações climáticas são a nova bala de prata, que explica todos os males do mundo. Se não chove nada, é das alterações climáticas. Se chove muito, é das alterações climáticas. E quando alterna entre não chover nada e chover muito, é dos “fenómenos extremos” provocados pelas alterações climáticas. Ora, eu acho óptimo que se discuta o clima, que nos preocupemos com o clima, e que façamos o que for possível para melhorar o clima, mas não podemos permitir que tudo o que é falha, atraso ou má gestão de intempéries passe agora a esconder-se atrás do biombo das “alterações climáticas”.

Uma coisa é as alterações climáticas estarem a dar cabo do permafrost e isso ser um problema sério para a humanidade. Outra coisa é quererem vender-nos que as cheias em Algés são uma consequência das alterações climáticas, quando qualquer português nascido antes de 2015 já viu várias vezes Algés e Alcântara debaixo de água, e a Rua de Santa Marta transformada num ribeiro. Não, não é das alterações climáticas – é das alterações urbanísticas, como toda a gente sabe muito bem, e há muito tempo.

Portanto, ouvir o presidente da Câmara de Lisboa dizer que isto “são as mudanças climáticas” e que “temos de lutar todos juntos” é pura tontice. E ouvir o Presidente da República classificar o que aconteceu como “uma realidade nova” é outra tontice igual. Não só nada disto é novo, como é até bastante velho. Portanto, não, senhores presidentes, esta não é “uma realidade nova”, em que “estamos todos a aprender”, até porque, se não se existisse a perfeita consciência dessa realidade, e se não se tivesse já aprendido alguma coisa com ela, não existiria, pronto a arrancar, um Plano de Drenagem de Lisboa com um investimento de 250 milhões de euros em cima da mesa.

Que eu saiba, Carlos Moedas não tem poderes parapsicológicos. Ora, tudo aquilo que ele explicou nesta quinta-feira sobre o Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL) já tinha explicado há três meses quando o plano foi apresentado, com direito a sessão solene e tudo. Moedas afirmou então que a ideia original do PGDL era de Carmona Rodrigues, o “pai do projecto”, no distante ano de 2004. Disse que o plano tinha sido frequentemente adiado desde então. Disse que agora ia, enfim, avançar e “preparar Lisboa para o século XXII”. Falou nos dois túneis subterrâneos, o primeiro com cinco quilómetros entre Monsanto e Santa Apolónia, o segundo com um quilómetro entre Chelas e o Beato. Disse que ficariam concluídos em 2025. Está lá tudo.

O problema da chuva em Lisboa não tem nada que ver com as dificuldades na aplicação do Acordo de Paris. Tem que ver com problemas mais prosaicos, como a dimensão do investimento, a chatice que as obras vão causar (imaginem só a complicação que vai ser esventrar a Avenida da Liberdade, mais os atrasos com a quantidade de visigodos que se descobrem sempre que se faz um buraco em Lisboa), e o facto de, depois de estarem feitas, essas obras serem tanto mais eficazes quanto mais invisíveis forem. Com sorte, as cheias desaparecerão da cidade e, com os anos, da memória dos próprios lisboetas. Faltam a esses megatúneis subterrâneos aquele carácter vistoso que se traduz em votos. Daí tantos adiamentos.

Donde, se Carlos Moedas decidiu finalmente avançar com a parte mais dura do PGDL, ele que enalteça o seu empenho e capacidade de decisão, e deixe as alterações climáticas em paz. Parabéns para ele. Isto é uma questão de política. Não de dióxido de carbono.

O autor é colunista do PÚBLICO

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