Ocupações: “É uma esperança para todos nós que os jovens estejam a fazer este movimento”

Activistas que o ministro da Economia recebeu na semana passada não dialogaram muito com o homem que querem ver fora do Governo, mas merecem ser “saudados” pelo que estão a fazer, entendem académicos.

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Ocupação do Liceu Camões (Lisboa), a 14 de Novembro Daniel Rocha

Na óptica do filósofo Viriato Soromenho-Marques, as recentes ocupações de escolas e universidades em Lisboa constituem “uma coisa nova” no que diz respeito à capacidade de os activistas climáticos em Portugal se fazerem ouvir junto dos políticos. O facto de o ministro da Economia ter, na passada terça-feira, recebido e procurado dialogar com alguns dos estudantes que têm pedido a sua demissão é visto com bons olhos pelo professor universitário, que, ao PÚBLICO, diz esperar que o Governo abra a porta às gerações mais novas com mais regularidade.

“Na década de 1990, quando era presidente da [associação ambientalista] Quercus, até com o Ministério da Defesa tive reuniões. Mas isto aqui é diferente. Como estes activistas são bastante jovens, há muitos votos em jogo. Uma atitude agressiva ou condenatória para com os mais novos tende a voltar-se contra quem a pratica. E isso paga-se, eleitoralmente. A mobilização dos jovens em prol do ambiente é muito importante”, diz o filósofo de 64 anos.

Na passada terça-feira, o ministro da Economia, António Costa Silva, recebeu alguns dos vários estudantes que têm exigido a sua demissão. Os jovens, protagonistas das recentes ocupações de escolas e universidades em Lisboa, pedem o fim da utilização de combustíveis fósseis até 2030 — e António Costa Silva foi, entre 2003 e 2021, presidente da petrolífera Partex.

No ministério, o encontro acabou por ser curto. As estudantes que o ministro recebeu leram-lhe a proposta de carta de demissão que haviam escrito para ele. António Costa Silva disse-lhes que não estava a equacionar deixar o cargo e as jovens terão abandonado a sala. “Recusou e nós saímos. Houve diálogo sem frutos”, disse ao PÚBLICO, após o encontro, Teresa Núncio, uma das estudantes recebidas por António Costa Silva.

O ministro disse à comunicação social que “estava preparado para ouvir” os jovens, mas que estes não lhe apresentaram nenhuma proposta a não ser a da sua demissão. “Eles não querem discutir soluções. Centraram-se no meu passado, no meu percurso”, afirmou, acrescentando que “a ironia disto tudo é que não é este o ministério que gere o ambiente e a energia”.

Após o encontro, as estudantes colaram as mãos no chão, à entrada do ministério. Só saíram do local quando a Polícia de Segurança Pública (PSP) as retirou.

Mais uma performance do que uma conversa

Embora o encontro tenha sido, nas palavras de Viriato Soromenho-Marques, mais uma “performance” do que “verdadeiramente uma conversa”, o filósofo não acredita que se tenha tratado de uma oportunidade desperdiçada. “A atitude do ministro foi positiva. Quanto à reacção dos jovens, expuseram os seus pontos de vista, repetiram as suas reivindicações. Há aqui diferenças em termos de maturidade e perspectivas; cada parte fez o seu papel. Mas não considero que o encontro tenha sido um falhanço. Só o facto de ter acontecido já é um bom sinal. E nada nos diz que foi o último.”

“Acho que não devemos criticar estes jovens. Diria, inclusive, que eles merecem ser saudados”, continua Viriato Soromenho-Marques. “Estes protestos exigem coragem: os jovens correm riscos ao se exporem desta forma. O ministro recebeu-os e eles foram à luta, foram fazer o que estavam treinados para fazer. A sua ambição [de sermos um país totalmente livre de combustíveis fósseis até 2030] é irrealista, mas o que está mal aqui não é o irrealismo dos jovens. São as décadas de demoras que conduziram a esta situação [de emergência climática]”, aponta.

A socióloga Luísa Schmidt concorda com o filósofo quando este diz que os jovens “merecem ser saudados”. “As gerações mais jovens tendem a ser muito mais ouvidas do que as outras. Elas são o espelho da nossa continuidade. E têm famílias. Quem tem filhos e netos percebe perfeitamente que estamos a tornar o planeta inabitável. E isso permite que a sociedade exija mais do Governo em termos de acção climática”, refere. “É uma esperança para todos nós que os jovens estejam a fazer este movimento.”

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Ocupação do Liceu Camões (Lisboa), a 14 de Novembro Daniel Rocha

Uma geração a viver crises atrás de crises

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa diz perceber bem as raízes da frustração que os jovens activistas climáticos sentem. “A geração que neste momento está no ensino secundário vive uma condição tremenda”, afirma. “Nasceu pouco antes da crise [financeira] de 2008, apanhou a crise pandémica e agora está a apanhar tanto a crise ambiental como esta nova crise gerada pela guerra na Ucrânia.”

Estes também são tempos em que, continua Luísa Schmidt, os níveis de confiança em políticos estão baixíssimos. “Os políticos habituaram-se a dizer coisas sabendo que não terão como cumprir as suas promessas. É claro que sempre houve quem o fizesse, mas este fenómeno está a generalizar-se — e, relativamente às alterações climáticas, é um fenómeno novo.”

É por terem pouca fé nos políticos e verem que estamos a ficar sem tempo para salvar o planeta que os autores dos protestos climáticos começam a manifestar-se de forma mais “veemente”, diz a socióloga, que frisa: até ver, estes têm sido “protestos pacíficos”. “É muito importante que não deixem de o ser, porque, até agora, têm sido óptimas chamadas de atenção para um problema gravíssimo.”

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Fim dos combustíveis fósseis é a principal reivindicação dos jovens Daniel Rocha

Viriato Soromenho-Marques diz que, para a linha da violência não ser pisada, é preciso que se acelere na transição energética. “A cada ano, tiramos dois ou três do calendário de quem está na faculdade neste momento. Sem um combate forte [às mudanças do clima], temo que possam começar a acontecer manifestações muito menos simpáticas, ancoradas na desesperança, na possibilidade de não sairmos desta rota de destruição do planeta”, reflecte o professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL).

A ocupação recente desta instituição de ensino acabou com quatro estudantes a serem detidos pela PSP, que foi chamada ao local pela direcção da FLUL.

Esta revelou “falta de bom senso”, considera Viriato Soromenho-Marques. “Se queremos evitar protestos desesperados e violentos, é preciso que haja mais diálogo, menos encurralamento”, defende.

Luísa Schmidt concorda, acrescentando que, por outro lado, a direcção do Liceu Camões, que também foi ocupado, “reagiu de maneira muito inteligente”. “Chamou os estudantes, ouviu-os, dialogou com eles e, ao garantir que as questões [por eles levantadas] continuarão em cima da mesa, conseguiu que a escola voltasse a funcionar normalmente.” No dia do protesto, a direcção assumiu o compromisso de debater mais as alterações climáticas e o combate aos combustíveis fósseis em ambiente escolar.

“Não vão apagar o problema; vão dar-lhe relevância”, frisa Luísa Schmidt, que diz ver com agrado o facto de haver “uma lista enorme de professores em todo o mundo que estão a mostrar solidariedade” para com jovens envolvidos em protestos climáticos.

Condescendência

Manuel Loff, historiador na Universidade do Porto, aplaude esta solidariedade, mas diz achar que ela não impede muitos políticos de olharem para jovens activistas como os que estiveram nas ocupações com alguma condescendência.

“Hoje, muitos dirigentes políticos descrevem a sua participação em movimentos estudantis com uma postura minimamente radical como uma fantasia da juventude. ‘Foi bonito, mas agora cresci; não voltava a fazer aquilo’”, diz, dando o exemplo de Durão Barroso — o antigo líder do Partido Social Democrata (PSD) foi, no início da sua ligação ao mundo da política, um dos líderes da Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas. “Ele hoje não é nada daquilo”, comenta.

“Os dirigentes políticos julgam que os outros são iguais a eles. Como tal, olham para estes movimentos estudantis pensando: ‘Deixa-os crescer que eles vão deixar-se destas fantasias’”, afirma Manuel Loff, para quem a forma como a FLUL reagiu à sua ocupação foi “reveladora”. “Não gosto de fazer previsões, mas, havendo mais acções destas no futuro, consigo ver as instituições a reagirem mais como a FLUL do que como o Liceu Camões. ‘Mudar? Claro. Sempre e quando não me afecte.’”

Por agora, as ocupações terminaram. O porquê de terem acontecido ao longo dos últimos dias: decorreu desde o dia 6 e até este domingo a Cimeira do Clima de 2022 (COP27). Os jovens avisam que as ocupações regressarão na próxima Primavera, mas já há também outros protestos e manifestações na agenda para antes disso.

Viriato Soromenho-Marques diz ser “sensato” o facto de agora haver uma pausa. “Estas coisas não podem estar a acontecer sempre. Caso contrário, o protesto gasta-se”, afirma, dizendo também que “esta pausa será importante para ver até que ponto há algum feedback por parte do sistema”.

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Protesto à porta do Campus de Justiça (Lisboa) no dia 14, enquanto os estudantes detidos na FLUL eram ouvidos pelo Ministério Público Daniel Rocha

O filósofo admite que o impacto prático destas manifestações é “modesto”. “Estamos dentro de uma máquina que tem um só pedal (o do acelerador). E é uma máquina totalmente interdependente — Portugal pode fazer algumas coisas a nível doméstico [para combater as alterações climáticas], mas os grandes compromissos relativamente ao fim dos combustíveis fósseis ou à mitigação de emissões de gases com efeito de estufa são compromissos internacionais.”

Mas o protesto estudantil é relevante porque tem “muitas camadas de renovação”, continua. “Todos os anos, aparecem miúdos preocupados com o clima — que são miúdos preocupados com o facto de o seu futuro estar em causa. Este protesto tende a ser poderoso porque não se extingue.”

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