Guerra na Ucrânia faz subir procura do óleo de palma e pode aumentar desflorestação na Indonésia

Os preços dispararam e, no passado, isso fez aumentar a área desflorestada para novas plantações. Mas há alguma esperança de que essa relação causa-efeito tenha sido quebrada.

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Preparação para transporte dos frutos de que é retirado o óleo de palma, na ilha de Sumatra, na Indonésia REUTERS

Durante os últimos cinco anos, diminuiu o ritmo de desflorestação na Indonésia – que está profundamente associada à expansão das plantações de óleo de palma, o mais barato e também o mais consumido no mundo. Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia pode travar essa progressão, porque está a deixar o mundo à míngua de um outro óleo, o de girassol.

Juntas, a Rússia e a Ucrânia são responsáveis por cerca de 80% das exportações globais do óleo de girassol, que representa 12% do óleo consumido no mundo, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). “A guerra perturbou o abastecimento de óleo de girassol e contribuiu para uma subida significativa e sustentada dos preços dos óleos vegetais – incluindo do óleo de palma”, disse Anne Rosenbarger, gestora global para matérias-primas e finanças do World Resources Institute, um think tank sobre recursos naturais, numa conversa por email com o PÚBLICO.

Isto contribuiu para a subida em flecha do índice de preços dos produtos alimentares da FAO. O índice relativo aos óleos vegetais atingiu 248,6 pontos em Março, uma subida de 23,2% em relação a Fevereiro, que estabeleceu um novo recorde, embora tenha aliviado 0,8% em Abril.

No mercado interno indonésio, o preço do óleo de palma para o consumidor disparou este ano e isso levou o Governo a intervir no mercado, impondo uma interdição às exportações de óleo de palma – que começou por ser apenas de matéria-prima não processada, mas acabou por incluir produtos refinados. Segundo a FEDIOL, a associação europeia das empresas que processam, refinam e engarrafam óleos vegetais, a interdição não deve afectar o mercado da União Europeia, pois existem stocks para várias semanas. A proibição deve estar em vigor até Maio, ou até o preço atingir 14 mil rupias (0,91 euros) por litro. “Somos um país grande que usa sobretudo óleo de palma. Tivemos o impacto da guerra na Ucrânia sobre o preço, mas também o da pandemia de covid-19, que fez diminuir a produtividade, e contribuiu para o aumento dos preços”, explica Sekar Aji, activista da Greenpeace Indonésia, numa videochamada com o PÚBLICO.

Aji diz temer que os números da desflorestação aumentem outra vez, se a escala dos preços continuar. “Por causa desta subida dos preços, o nosso Governo já veio com a ideia de expandir as plantações de óleo de palma”, afirma.

“Muitas empresas vão virar-se para o óleo de palma para substituir o óleo de girassol. Porque não há realmente outras opções viáveis para o substituir em quantidade ou a preços adequados. O óleo de colza pode fazer esse papel em algumas aplicações, mas não todas – só que o abastecimento também sofreu o impacto da guerra, e não há quantidades suficientes no mercado”, explica Anne Rosenbarger.

É por isso que os preços médios do óleo de palma no mercado internacional aumentaram 15% (1778 dólares por tonelada em Março), segundo a USDA. “A expectativa é que os preços altos levem ao aumento da produção de óleo de palma em 2021/22”, diz a previsão de Abril para as oleaginosas da USDA, que estima que esse aumento seja de 4,6%, resultando numa produção de 45,5 milhões de toneladas.

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Plantação de óleo de palma junto a floresta queimada REUTERS/Willy Kurniawan

Estas previsões de aumento da produção fazem recear que se inverta a tendência dos últimos cinco anos de recuo da desflorestação na Indonésia – que produz cerca de 59% do óleo de palma comercializado no mundo, segundo dados da USDA, e é o maior produtor.

O nó desfeito

“Historicamente, a tendência das taxas de desflorestação relacionadas com as plantações de óleo de palma seguem as dos preços, com cerca de um ano de intervalo”, começa por explicar Anne Rosenbarger. “Quer isto dizer que quando os preços sobem, a desflorestação aumenta. Quando os preços baixam, a taxa de desflorestação reduz-se. A subida dos preços a que estamos a assistir pode ser um motivo de preocupação”, avisa.

A equipa de David Gaveau, da The TreeMap, uma empresa que estuda a desflorestação tropical, publicou recentemente uma análise na revista Public Librabry of Science em que concluiu que para o período 2001-2019, a um aumento de 1% no preço do óleo de palma estava associado um aumento de 1,08% das plantações industriais e uma perda de florestas de 0,68%.

Os cientistas chegaram a esta conclusão fazendo uma série anual que mostra a expansão das plantações de óleo de palma na Indonésia. Concluíram que a área dedicada a esta cultura duplicou entre 2001 e 2019, chegando a 16,2 milhões de hectares em 2019, e que essa expansão levou à perda de um terço das florestas primárias da Indonésia (3,1 milhões de hectares).

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Mas o mais intrigante neste trabalho, salienta Anne Rosenbarger, é que “dá indicações de que talvez o elo entre o aumento dos preços e as taxas de desflorestação na Indonésia se tenha desfeito pela primeira vez em 2021 – com a desflorestação relacionada com as explorações industriais a permanecer baixa, apesar de os preços terem aumentado”.

“A recente subida nos preços do óleo de palma não estimulou uma expansão de novas plantações. Dados actualizados até 2021, recolhidos depois do período analisado no artigo na Public Library of Science, indicam que a desflorestação relacionada com o óleo de palma está no ponto mais baixo dos últimos 20 anos, apesar de terem subido rapidamente os preços do óleo não refinado”, escreveu David Gaveau no LinkedIn.

“Os preços subiram para 1000 dólares por tonelada em 2021, e foram convertidos mais 15.540 hectares de floresta primária para plantações de óleo de palma. Como termo de comparação, em 2012, quando os preços também rondavam os 1000 dólares por tonelada, foram convertidos 224.100 hectares de floresta”, exemplificou.

Sustentabilidade

O que está então a travar a desflorestação relacionada com as plantações de óleo de palma? “Os nossos dados mostram que a tendência de descida surge na Indonésia e também na Malásia, a partir de 2012. Em ambos os países, a conversão [de florestas] em plantações de óleo de palma aumentou durante os anos 2000, atingiu o ponto máximo em 2009 e começou a descer a partir de 2012”, explicou David Gaveau ao PÚBLICO, por email. “Isto sugere-me que políticas domésticas e iniciativas de regulamentação por parte do Governo (como a moratória na Indonésia sobre novas concessões para plantações de óleo de palma que obriguem a desflorestar novas áreas, que vigorou entre 2018 e 2021) não são a causa principal para este declínio”, frisa.

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“Para mim, a questão principal é saber se os compromissos de produtores e compradores em termos globais para produzir e adquirir óleo de palma “limpo” estão a ter um impacto”, sublinha David Gaveau.

O cientista refere-se a iniciativas como a certificação pela Mesa Redonda para a Produção Sustentável de Óleo de Palma, uma organização que envolve produtores, indústrias que processam o óleo de palma e exportadores, fabricantes de produtos de consumo, retalhistas, bancos/investidores e organizações não-governamentais e ambientalistas, que criaram um conjunto de critérios ambientais e sociais que as empresas têm de cumprir para que os seus produtos tenham o selo de óleo de palma produzido de forma sustentável. Este esquema iniciou-se em 2004 e abrange cerca de 20% do óleo de palma comercializado internacionalmente.

Mas muitas outras empresas aderem aos princípios dos compromissos “sem desflorestação, sem destruição das florestas de turfa, sem exploração”, sublinha Anne Rosenbarger. “A maioria do óleo de palma comercializado internacionalmente está coberta por estes compromissos”, que em inglês são conhecidos pela sigla NDPE.

Uma investigação da organização Chain Reaction Research, que faz análise dos efeitos da exploração das matérias-primas sobre a desflorestação, “estimou que, em Abril de 2020, esses compromissos NDPE cobriam 83% da capacidade de refinação de óleo de palma na Indonésia e na Malásia”, os dois maiores produtores, sublinhou Rosenbarger. “Nos últimos dois anos, especificamente, temos de levar em conta também o potencial impacto da pandemia de covid-19”, destacou.

“Mas ainda há um mercado sem certificação para o óleo de palma, sem que as empresas e produtores envolvidos cumpram estes compromissos”, reconheceu a especialista do World Resources Institute. “São sobretudo pequenos e médios produtores que operam fora destes compromissos. O seu óleo de palma pode, e acaba mesmo por aparecer, nas cadeias de abastecimento dos compradores que assumem os compromissos NDPE, porque rastrear o óleo de palma até à origem, até à exploração agrícola, é algo que ainda tem grandes desafios”, diz Rosenbarger. “Também há trabalho a fazer para que os pequenos produtores se envolvam e tenham capacidade de cumprir os princípios ‘sem desflorestação, sem destruição das florestas de turfa, sem exploração’”, nota.

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Trabalhadores transportam colheita dos frutos de oleo de palma no Norte de Sumatra, Indonésia EPA/DEDI SINUHAJI

Quanto aos esforços de regulamentação do sector feitos pelo Governo indonésio, Sekar Aji, a activista da Greenpeace, é céptica. Fala na Lei de Criação de Emprego de 2020, conhecida como “Lei Omnibus”, que pretende atrair investimento, criar empregos e estimular a economia, harmonizando e simplificando leis e facilitando o processo de atribuição de licenças, como para a exploração de plantações. “A lei tem muitas regulamentações, mas em vez de punir os responsáveis por plantações ilegais de óleo de palma, concedeu-lhes muitas amnistias. Assim vão aumentar o número de concessões legais e reduzir-se as florestas”, explicou Aji.

Mas há alguns passos positivos. “Os grandes produtores sabem que estamos a observá-los. Existe agora um escrutínio amplo da indústria do óleo de palma, que usa inclusivamente dados de imagens de satélite quase em tempo real que agora estão disponíveis publicamente”, diz David Gaveau. “Conheço pelo menos um grande produtor que nunca desenvolveu uma área de floresta que tinha sido concessionada para produzir óleo de palma na Papua porque se comprometeu com estas políticas de não-desflorestação”, exemplifica.

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A União Europeia apresentou a 17 de Novembro de 2021 e está a seguir o seu percurso para vir a ser aprovada definitivamente uma nova legislação que pretende reduzir a desflorestação impondo limites para a importação para o espaço europeu de matérias-primas relacionadas com um alto risco de abate das florestas – como soja, óleo de palma, carne ou café. “Esta legislação é uma oportunidade para os produtores de óleo de palma da Indonésia e da Malásia demonstrarem que é possível rastrear o produto até à origem, até à plantação, provar que não contribuem para a desflorestação. Isto também inclui os pequenos empresários e vai permitir-lhes continuar a ter acesso ao mercado de alto valor europeu”, destaca Sekar Aji.

“A União Europeia desempenha um papel fundamental como um mercado grande e reivindicativo para óleo de palma sustentável. Os compradores europeus ajudam a criar a procura e a definir as expectativas para o mercado do óleo de palma sustentável”, adianta Anne Rosenbarger. “Este é um dos motivos pelos quais os consumidores devem exigir óleo de palma sustentável, em vez de o boicotarem inteiramente, apesar de esta ser uma indústria ainda com problemas”, concluiu.

Emissões de CO2

Muitas das florestas que são deitadas abaixo para criar novas plantações de óleo de palma na Indonésia ficam em turfeiras – pântanos florestais que surgem em locais húmidos, onde a vegetação morta se acumula como turfa, um material orgânico muito rico em carvão. Existem em África, no Nordeste da América do Sul e em vastas áreas do Sudeste Asiático (especialmente Bornéu e Sumatra). A turfa funciona como uma espécie de esponja que retém a humidade nos momentos de pouca chuva e absorve a chuva das monções.

Mas quando as florestas de turfa são drenadas para projectos agrícolas, tornam-se altamente susceptíveis à combustão. Os incêndios que podem ser iniciados para limpar o terreno podem transformar-se em fenómenos gigantescos e incontroláveis – como em 2015, quando os incêndios iniciados para desbravar terras agrícolas na Indonésia criaram uma nuvem de fumo que afectou a qualidade do ar para 28 milhões de pessoas no Sudeste da Ásia e terá causado doenças respiratórias em cerca de 140 mil. Afectou também milhões de animais, espécies em risco como os orangotangos, que só vivem naquela região.

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A desflorestação, os incêndios florestais e a caça ilegal ameaçam espécies em risco como os orangotangos REUTERS/Roni Bintang

A quantidade de carbono libertada por estes incêndios, extremamente difíceis de extinguir, é enorme. Num relatório recente, a Greenpeace divulga a estimativa de que entre 2000 e 2019, tenham sido libertadas 104 milhões de toneladas de carbono com a destruição de florestas na Indonésia para a conversão agrícola. “Isto é o equivalente a 33 vezes as emissões de dióxido de carbono anuais provocadas por fornecer electricidade a todas as casas em Jacarta, ou 60% das emissões anuais da aviação internacional”, diz o relatório Deceased Estate: Illegal palm oil wiping out Indonesia’s national forest, de Outubro de 2021.

Mas será que podemos esperar que a tendência dos últimos anos para a redução da desflorestação na Indonésia relacionada com o óleo de palma se vá manter? “Alguns comentadores especulam que a tendência decrescente da desflorestação é só fachada, porque na verdade restam poucas áreas adequadas de floresta para converter em plantações (por exemplo, áreas húmidas com uma elevação de menos de 500 metros)”, acautela David Gaveau.

“Isto pode ser parcialmente verdade para a ilha de Sumatra, porque as florestas nas terras baixas que restam são escassas e fragmentadas, as florestas da Papua ainda são abundantes. Kalimantan tem uma situação intermédia”, acrescenta.

A verdade é que são ainda poucos anos de decréscimo da desflorestação para se ter a certeza de que estamos a ver uma verdadeira tendência, sublinha David Gaveau. Qualquer impacto significativo não se notaria num período tão curto, explica: “As plantações de óleo de palma estabelecem-se a longo prazo (25 anos). Os produtores decidem converter ou não novas áreas para plantar com base em expectativas de longo prazo [dez a 25 anos) sobre o futuro dos preços. Há tanta incerteza com a covid-19 e a guerra na Ucrânia que ninguém sabe se a subida nos preços será sustentada ou se vão cair para os níveis de 2019”.

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Supermercado com óleo de palma na Indonésia, que decretou uma interdição da sua exportação devido à subida dos preços junto do consumidor MADE NAGI/EPA

“O custo dos alimentos, no entanto, está a tornar-se um tema político, na Europa e em termos globais. Se os custos da alimentação continuarem a aumentar, tenho a certeza de que isto será uma má notícia para as florestas do planeta”, comentou Gaveau.

A pressão nos países produtores, pode ser intensa, vinda mesmo dos consumidores: por exemplo, a escalada dos preços do óleo de palma na Indonésia, onde é o principal óleo vegetal usado para cozinhar, custou alguns pontos de popularidade ao Presidente, Joko Widodo – o que levou à política de interdição das exportações, imposta no fim de Abril. “É óbvio que vão usar a narrativa do aumento dos preços do óleo de palma para expandir as plantações. Isto vai acontecer sobretudo na Papua”, comentou a activista da Greenpeace Indonésia Sekar Aji.

Mas não foi arrepiado caminho na política em vigor na Indonésia desde 2020 de utilizar obrigatoriamente parte da produção de óleo de palma para fazer biocombustíveis – usa-se 30% de óleo de palma na mistura, a mais alta percentagem utilizada no mundo para produzir um biocombustível, diz a Reuters. “É importante assegurarmo-nos de que o óleo de palma produzido para ir para a alimentação não seja desviado para fabricar biocombustíveis”, sublinha Sekar Aji. Sem esse desvio, diz a activista da Greenpeace, “seria possível alimentar toda a gente sem ter de expandir as plantações para habitats de floresta.”