Milhares de indonésios nas ruas contra lei do trabalho que diminui protecção das pessoas e do ambiente

Legislação aumenta número de horas de trabalho, retira direito a licenças e facilita despedimentos. Governo quer impulsionar a economia com mais investimento estrangeiro, mas os críticos temem as consequências ambientais e a perda de direitos.

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Sindicatos convocaram uma greve nacional de três dias Reuters/ANTARA FOTO
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Milhares de pessoas saíram às ruas da Indonésia para protestar contra uma polémica lei do trabalho aprovada pelo Parlamento, que levou os sindicatos a decretarem uma greve de três dias a nível nacional. O Governo espera conseguir captar mais investimento para o país e criar mais emprego com a nova legislação, mas para isso sacrifica direitos dos trabalhadores e abre caminho à desflorestação, alertam os sindicatos e as organizações de defesa dos direitos humanos. 

As manifestações começaram esta terça-feira nas áreas industriais nos arredores da capital, Jacarta, depois de as autoridades terem proibido os protestos junto ao Parlamento, devido ao coronavírus.

A nova lei do trabalho, que conta com o apoio do Presidente Joko Widodo, foi aprovada na segunda-feira, e contou com o voto favorável de sete dos nove partidos com representação parlamentar. Apenas o Partido Democrático e o Partido Justiça Próspera votaram contra. Devido às greves anunciadas, o Parlamento decidiu antecipar a votação, que estava prevista para o final da semana, o que causou ainda mais indignação nos sindicatos e organizações de defesa dos direitos humanos.

“Diz-se que o projecto de lei facilita a actividade empresarial e que vai aumentar o investimento e criar mais empregos, mas a proposta está repleta de várias agendas que, potencialmente, podem destruir o ambiente e violar os direitos do povo indonésio”, disse Markwan Cik Asan, um dos deputados que votou contra a legislação, citado pelo The New York Times.

A nova legislação contém 1200 emendas a 79 leis existentes e incentiva a contratação no sector informal, aumentando o número de horas de trabalho até mais quatro horas diárias. As licenças de gravidez, casamento, baptismo ou luto serão eliminadas e as indemnizações pagas pelo empregador ao trabalhador em caso de rescisão diminuem substancialmente.

As regulações existentes para proteger o meio ambiente também serão reduzidas, e apenas os investimentos de alto risco passam a necessitar de uma licença ou avaliação de impacto ambiental antes do início dos projectos. Para os ambientalistas, a diminuição da regulação ambiental vai aumentar a desflorestação e a emissão de gases poluentes, com consequências graves para as alterações climáticas. E para a biodiversidade: a Indonésia é considerada um dos 17 países megadiversos do mundo, e os orangotangos são apenas a espécie mais carismática.

"Lei catastrófica"

Em declarações ao The GuardianPhelim Kine, director do grupo ambientalista Mighty Earth, sublinha que o Parlamento fez “uma falsa escolha ruinosa entre a sustentabilidade ambiental e o crescimento económico” e que a nova lei do trabalho vai legitimar “a desflorestação sem controlo como mecanismo para uma autodenominada política pró-investimento de criação de empregos”.

O Governo, no entanto, acredita que a nova legislação, que foi bem recebida pelos mercados, vai aumentar o investimento estrangeiro na Indonésia e que vai assumir um papel-chave na recuperação do país, cuja economia deverá contrair-se este ano pela primeira vez desde o final da década de 1990. 

Desde o início da pandemia de covid-19, a Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, regista mais de 311 mil casos de infecção por SARS-CoV-2 e mais de 11 mil mortos, tendo deixado milhões de indonésios desempregados.

O vice-ministro das Finanças, Suahasil Nazara, defende por isso que medidas mais favoráveis para as empresas são fundamentais para “seguir em frente e criar mais empregos”, contudo, os sindicatos e organizações de defesa dos direitos humanos alertam que os trabalhadores ficam em situações ainda mais precárias.

“É uma lei catastrófica. Vai prejudicar a carteira dos trabalhadores, a segurança no trabalho e os seus direitos humanos como um todo”, alertou Usman Hamid, director da Amnistia Internacional na Indonésia, que criticou o Parlamento e o Governo por terem aprovado a lei sem consultar os parceiros sociais e as organizações não-governamentais.

Depois de ter sido aprovada no Parlamento, a lei terá agora de ser ratificada por Widodo, que está a ser pressionado para não o fazer. Nas ruas, continuam os protestos e os sindicatos prometem continuar com as greves.

“Não acho que o Presidente queria mudar de postura, já que foi a pessoa mais desesperada para o que projecto fosse aprovado. A nossa esperança é com a pressão, ele considere não assinar [a lei]”, disse o constitucionalista Zainal Arifin Mochtar, citado pela Reuters.

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