Divórcio: cuidado com os acordos sobre a casa de família!

A atribuição da casa de morada de família traduz-se num direito de utilização exclusiva, por parte de um dos ex-cônjuges, daquela que foi a morada onde se centrou a vida familiar durante o casamento.

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NUNO FERREIRA SANTOS/Arquivo

São frequentes as queixas sobre acordos (mal) celebrados por ocasião do divórcio. O acordo sobre a atribuição da casa de morada de família é exigido como condição para um divórcio consensual, e tem por vezes consequências imprevistas.

Muitos veem-se privados do uso da casa de família por anos a fio e, durante esse período, ficam impossibilitados de adquirir novas habitações por falta de capacidade económica; outros queixam-se dos prejuízos que lhes são causados por acordos que atribuem ao ex-cônjuge o uso exclusivo de um bem que é comum e que tem associadas despesas muito significativas, como o pagamento de empréstimos bancários, condomínios, IMI, etc.; outros, enfim, desesperam pela partilha dos bens do casal que o seu ex-marido ou ex-mulher recusa concretizar.

A ideia com que fico é que grassa alguma ligeireza no que respeita ao divórcio e às suas consequências. Generalizou-se a ideia que o que está em causa é uma mera formalidade que se basta com a assinatura de “uns papéis” na Conservatória, seguindo depois cada um a sua vida, sem mais chatices. E se por vezes assim é, noutras não. E as consequências de um acordo apressado de atribuição da casa de morada de família poderão perdurar por muitos anos e causar graves prejuízos. Já noutro artigo abordei o tema da atribuição da casa de morada de família a um ou a outro dos cônjuges no âmbito do divórcio. O imóvel poderá ser um bem comum (ou em compropriedade) do casal, ou um bem próprio de um dos cônjuges. E em ambos casos poderá ser atribuída a um ou outro.

A atribuição da casa de morada de família traduz-se num direito de utilização exclusiva, por parte de um dos ex-cônjuges, daquela que foi a morada onde se centrou a vida familiar durante o casamento. Neste acordo, os cônjuges poderão definir um prazo máximo de duração, e também o pagamento de uma contrapartida como, por exemplo, uma renda mensal ou o pagamento da totalidade dos encargos com empréstimos bancários.

É frequente suceder que um dos cônjuges manifeste vontade de vir a ficar com o imóvel na partilha futura, assumindo os encargos com o empréstimo bancário e, eventualmente, pagando ao outro uma quantia que ajustem entre eles — as tornas. E, nestes casos, faz sentido ser-lhe atribuída no divórcio a casa de morada de família até à escritura da partilha que antecipam rápida. Por este último motivo, muitas vezes não são ponderadas as condições em que é feita a atribuição da casa um deles: não preveem prazos máximos de duração, não preveem o pagamento de uma renda àquele que fica privado da casa, e não preveem que o beneficiário pagará sozinho os encargos com o imóvel.

Nem sempre, porém, a partilha se realiza no prazo previsto. E tal poderá suceder por um sem número de razões: o banco recusa a “transferência” do crédito, um dos ex-cônjuges muda de ideias ou, muito simplesmente, por inércia e comodismo daquele a quem o imóvel foi atribuído.

Nestes casos, quando um dos ex-cônjuges se encontra privado da sua casa sem receber qualquer renda, e sem ter acordado um prazo máximo para a divisão dos bens, não terá alternativa senão recorrer ao tribunal para forçar a partilha, com os inerentes custos em tempo e dinheiro.

É notório que muitas destas situações — e prejuízos — poderiam ser evitadas com um aconselhamento jurídico prévio. Um acordo de atribuição que previsse prazos máximos de duração ou o pagamento de uma renda motivaria ambas as partes a procurarem ativamente soluções, evitando o eternizar da situação. Obter um aconselhamento, necessariamente breve e superficial, ao balcão da Conservatória de Registo Civil quando se vão “assinar os papéis do divórcio” não é suficiente quando estão em causa bens de centenas de milhares de euros e que, as mais das vezes, constituem o património mais valioso do casal.

A advocacia preventiva, nesta como em tantas outras matérias, é uma necessidade e não um luxo.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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