De que modo a guerra da Rússia contra a Ucrânia é um teste actual à soberania europeia?

Uma nova sondagem do ECFR sugere que a hesitação dos líderes europeus na defesa colectiva dos seus interesses estratégicos até ao momento crítico da invasão russa pode ter-se dado, em larga medida, devido a um menosprezo grosseiro do apoio público europeu a um reforço da cooperação em matéria de segurança.


Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a UE tem dado grandes passos em frente, em matéria geopolítica. Os pacotes de sanções sem precedentes contra a Rússia são mais severos a cada dia – e com a possibilidade de incluir, em breve, as exportações de carvão, petróleo e gás, mais nocivos se tornarão. Além das sanções, junta-se um pacote de apoio de 100 mil milhões de euros à Ucrânia, incluindo-se aqui meios letais que passam por um centro da UE na Polónia. Há algumas semanas, nenhum analista de política externa se atreveria a sonhar com este conjunto de respostas. A definição abrangente de segurança, central na cimeira desta semana em Versalhes, com chefes de Estado e de Governo da UE, sublinhou que algo fundamental mudou na compreensão dos líderes europeus sobre a necessidade de trabalhar em conjunto num mundo que se vê ameaçador.

Mas uma nova sondagem, encomendada pelo ECFR em Janeiro de 2022, sugere que a hesitação dos líderes europeus na defesa colectiva dos seus interesses – e valores – estratégicos até ao momento crítico da invasão russa pode ter-se dado, em larga medida, devido a um menosprezo grosseiro do apoio público europeu a um reforço da cooperação em matéria de segurança.

Este mal-entendido por parte dos decisores políticos europeus teve um custo elevado. Putin tem vindo a testar, durante anos, até que ponto a UE estaria preparada para defender a ordem pós-Guerra Fria, e, na verdade, o Estado de direito no quadro da UE. A sua anexação da Crimeia, o homicídio de Alexander Litvinenko, o envenenamento de Sergei Skripal e da sua filha, assim como a prisão do líder da oposição Alexei Navalny são alguns dos exemplos mais visíveis deste processo. Mas, nos bastidores, a vulnerabilidade dos europeus a ciberataques, campanhas de desinformação e interferência nos debates eleitorais em linha foram também elementos-chave deste cenário. O cálculo de Putin foi que, com base nas pequenas reacções dos europeus a estes testes, não haveria uma forte reacção à sua invasão da Ucrânia. E agora temos de novo a guerra na Europa.

A tragédia dentro de uma tragédia é que o público europeu parece ter partilhado a avaliação de Putin de que a cooperação europeia em matéria de segurança ainda não é suficientemente forte para resistir às ameaças com que estão preocupados. Mesmo nas semanas anteriores à invasão russa da Ucrânia, enquanto decorria a nossa sondagem, um grande número de inquiridos apoiou a necessidade da cooperação europeia para garantir a segurança nas suas fronteiras e para enfrentar futuras pandemias. Mas quando lhes perguntámos como se sentiam sobre a resposta da UE ao envolvimento da Rússia na Europa Oriental (Ucrânia e Bielorrússia) até à data, havia uma maioria a mostrar sentimentos negativos. A maior resposta foi sentirem-se com medo (31%), mas 15% referiram estar irritados e 11% tristes. Parece que, se o medo da falta de apoio político interno fosse o que os estava a impedir, os líderes europeus poderiam ter avançado mais rapidamente nas suas sanções, para avisar Putin de que as consequências da entrada na Ucrânia seriam graves.

A resposta ao ataque russo à Ucrânia é um teste actual à soberania europeia e à nossa capacidade de proteger o modo de vida europeu. Mas os eleitores europeus também parecem acreditar que a defesa do Estado de direito internacional – o próprio sistema que Putin está a atacar – tem de começar em casa. Quando questionados sobre que medidas devem ser tomadas contra os Estados-membros da UE que violam a democracia e o Estado de direito, há uma maioria a concordar com cada uma das respostas duras que oferecemos: 61% acreditam que a UE deveria ter o poder de criticar publicamente os governos, 58% apoiam a retenção de fundos estruturais do Estado-membro em questão, 52% apoiam os seus direitos de voto no Conselho da UE. A nossa credibilidade ao pedir a Putin que cumpra as regras é prejudicada por uma incapacidade de todos os Estados-membros obedecerem a essas regras dentro da UE, o que provavelmente pesou no sentimento de Putin de que invadir a Ucrânia seria uma operação rápida e relativamente incontestada. Se infringirmos a nossa própria matriz europeia, de que vale o alarido que fazemos contra ele, ignorando o direito internacional?

Nestes tempos sombrios, há, contudo, um lado bom. Embora mais tardia do que poderia ter sido, a posição dura da UE desde a invasão a 24 de Fevereiro parece ter reforçado a opinião dos europeus de que a UE é a sua melhor aposta num mundo assustador. Embora 58% dos europeus acreditem que o seu sistema político nacional não está a funcionar, e as grandes maiorias acreditem que a cooperação internacional não está a produzir resultados em bens públicos globais – 71% em relação ao clima e 60% em relação à covid-19 –, o apoio à UE continua elevado: 59% dos europeus apoiam a continuação da adesão do seu país à UE-27. Em dez dos 12 Estados-membros inquiridos, a opinião predominante é a de que o sistema da UE funciona.

Embora lamentavelmente tarde para mostrar do que era capaz, a UE tem agora uma oportunidade de duplicar o reforço da cooperação em matéria de segurança, a fim de demonstrar a Putin que os custos da sua guerra cruel e injustificada serão demasiado elevados, e de moldar a ordem a emergir no pós-guerra.

Susi Dennison é diretora do programa “European Power” no European Council on Foreign Relations (ECFR)

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