Ucrânia e Rússia já começaram a negociar, mas sem grandes esperanças de sucesso

Delegações dos dois países reúnem-se nesta segunda-feira, “sem pré-condições”, na Bielorrússia, perto da fronteira ucraniana. Zelensky diz que as próximas 24 horas serão “cruciais” para o rumo da guerra.

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A abertura das negociações entre a Rússia e a Ucrânia

“O local para as negociações entre a Rússia e a Ucrânia, na Bielorrússia, está pronto; aguarda-se a chegada das delegações”, anunciou nesta segunda-feira de manhã, através das redes sociais, o Ministério dos Negócios Estrangeiros bielorrusso, publicando uma fotografia de uma longa mesa, munida de garrafas de água, blocos de notas e canetas, e vigiada, ao fundo, pelas bandeiras dos três países. Horas depois, arrancavam, algures na zona de fronteira entre Ucrânia e Bielorrússia, na região de Gomel, umas negociações para um cessar-fogo que poucos acreditam que venham a ter sucesso.

Depois de se ter recusado durante vários dias a negociar “ultimatos” com o Kremlin, o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, aceitou no domingo que os dois países em guerra iriam reunir-se sem “pré-condições”,

Do lado ucraniano, porém, as expectativas são muito reduzidas. Não só porque sucedem a mais uma noite de bombardeamentos e ataques nas Forças Armadas russas em vários pontos do país, mas também porque se realizam debaixo da nuvem negra da ameaça nuclear feita na véspera pelo Presidente russo, Vladimir Putin.

Para além disso, Zelensky não acredita que Moscovo vá abdicar das exigências que já tinha feito: a completa “desmilitarização” da Ucrânia, a renúncia à adesão na NATO e a adopção de um estatuto de Estado “neutral” no Leste europeu.

Por outro lado, o próprio local do evento levanta sérias dúvidas a Kiev sobre as intenções da Rússia. A Bielorrússia é um país aliado do Kremlin e tem servido de base logística para a ofensiva das tropas russas no Norte da Ucrânia e, particularmente, na região envolvente da capital.

Segundo o The Washington Post e a Associated Press, o Presidente Alexander Lukashenko estará, inclusivamente, a ponderar enviar tropas bielorrussas para o conflito a qualquer momento. No domingo, a Bielorrússia também aprovou, em referendo, uma emenda constitucional que rejeita o estatuto de “país não-nuclear” e que pode levar a Rússia a transferir para lá parte do seu armamento nuclear.

“Não acredito muito no desfecho deste encontro, mas deixemo-los tentar”, afirmou o Presidente ucraniano.

A delegação da Ucrânia diz, ainda assim, que o grande objectivo das negociações é chegar a um acordo de cessar-fogo imediato e de retirada dos soldados russos da Ucrânia. E, num telefonema, no domingo, com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, Zelensky assumiu, citado pela imprensa britânica, que as 24 seguintes seriam “cruciais” para o rumo que a invasão russa da Ucrânia vai seguir.

Cinco dias de guerra

Ao quinto dia de guerra, informa o Exército ucraniano, os combates permanecem “difíceis” e as tropas russas “continuam a bombardear em quase todas as direcções”. Cidades como Kiev, Kharkiv (Carcóvia), Mariupol e Chernihiv foram novamente atacadas entre a noite de domingo e as primeiras horas desta segunda-feira, mas conseguiram repelir os avanços russos.

O Exército russo está a apenas 30 quilómetros da capital e, citado pela agência Interfax, o Ministério da Defesa da Rússia informou a conquista das duas pequenas cidades de Berdiansk e de Enerhodar, localizadas no Sudeste da Ucrânia.

Segundo o Ministério da Saúde ucraniano, a guerra já tirou a vida a pelo menos 352 civis, incluindo 14 crianças. O número de feridos supera os 1600.

Pela primeira vez, as autoridades russas também confirmaram que tiveram baixas, mas sem revelar quantas. Os ucranianos têm garantido que já mataram mais de cinco mil soldados russos e que inutilizaram ou destruíram centenas de tanques e carros blindados do “inimigo”.

Mas a guerra da informação (e da desinformação) é o outro grande conflito em curso no território ucraniano, pelo que não é possível aferir, por enquanto, a veracidade de qualquer dos números colocados em cima da mesa.

Michelle Bachelet, alta-comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas, disse esta segunda-feira que as estimativas da agência a que preside apontam para, pelos menos, 102 civis ucranianos mortos e 304 feridos, embora admitindo que o verdadeiro número de vítimas seja “consideravelmente superior”.

Quanto aos fugitivos, que continuam a chegar diariamente a países como a Polónia, a Moldova ou a Roménia, a ONU diz que o número já superou os 420 mil. Há ainda cerca de 100 mil deslocados internos.

Rublo em queda

Enquanto a guerra se vai desenrolando e os países ocidentais vão impondo ou prometendo novas sanções económicas à Rússia – como a exclusão de alguns bancos russos do sistema de transferências monetárias SWIFT, o congelamento dos activos do Banco Central, dos oligarcas e dos principais líderes políticos russos, ou o encerramento do espaço aéreo aos aviões da Rússia –, começam também a fazer-se sentir os efeitos dessas punições.

O valor do rublo, a moeda russa, face ao dólar norte-americano caiu cerca de 30% às primeiras horas de segunda-feira, levando o Banco Central russo a subir a principal taxa de juros de 9,5% para 20%.

Outra das medidas de retaliação inéditas, prometida pela União Europeia, centra-se no financiamento da compra e entrega de armas e de outros equipamentos militares à Ucrânia.

“É mais um tabu que cai. Temos todos que perceber a gravidade da situação, para a Europa e para a segurança global”, justificou o alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell. “Estamos a viver mais um momento sem precedentes, confrontados com a peste e a guerra, tal como nos tempos bíblicos...”

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