Ao quarto dia, Putin joga a carta da ameaça nuclear

Decisão de pôr as armas nucleares em “alerta máximo” é vista como podendo querer disuadir países de ajudar a Ucrânia, ou ser a resposta a uma actuação do Exército russo que não a esperada no terreno. Não conseguindo tomar cidades, os militares podem estar a preparar-se para as cercar, dizem os EUA.

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Membros do Serviço de Emergência da Ucrânia passam por um foguete russo espetado na rua MAKSIM LEVIN/Reuters

Uma ameaça mais ou menos velada da Rússia pondo as suas armas nucleares em estado de prontidão, no dia em que a União Europeia anunciou mais sanções e se pôs a hipótese de conversações sem condições prévias entre a Ucrânia e a Rússia, marcaram o quarto dia da invasão russa da Ucrânia.

Com as tropas russas empenhadas em conquistar o território ucraniano e envolvidas em confrontos “em todas as direcções”, Vladimir Putin decidiu puxar da perigosa carta da ameaça nuclear, ordenando às suas chefias militares que ponham as forças nucleares da Federação Russa em alerta máximo. E no terreno, o exército parece ter mudado de táctica para uma de cercar as cidades, já que não as consegue conquistar.

O Presidente russo justificou a medida com aquilo que considera serem “declarações agressivas” que ouviu e leu de representantes da NATO, somadas às sanções “ilegais” e “hostis” prometidas pelo Ocidente. A União Europeia anunciou ainda mais sanções, incluindo fechar o espaço aéreo aos aviões russos e a retirada do ar dos canais de propaganda do Kremlin.

Houve ainda acções de empresas privadas como a BP, que retirou a sua participação de 19,75% na russa Rosneft, “um final abrupto e oneroso” de três décadas de operação da empresa britânica na Rússia, diz a Reuters.

Os Estados Unidos condenaram a ordem do chefe de Estado russo quanto às armas nucleares. “Parece que o Presidente Putin está a continuar a escalar esta guerra de uma forma que é totalmente inaceitável”, reagiu a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, à televisão CBS. “Temos de continuar a travar as suas acções, da forma mais forte possível.”

Putin deu a ordem durante uma reunião com o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas russas, o general Valeri Gerasimov, numa das longas mesas do Kremlin. As imagens pareciam mostrar mais um momento de tensão entre o Presidente e os membros dos organismos ligados à defesa – recentemente a conversa com o chefe dos serviços de espionagem, ou a tensa interacção com os membros do conselho de segurança sobre a necessidade de declarar a independência das regiões separatistas do Donbass, parecem mostrar desconforto nos seus interlocutores. Desta vez, as câmaras apanharam as caras fechadas após a ordem.

Segundo as últimas estimativas da Arms Control Association, organização norte-americana que se dedica há cinco décadas a promover o controlo de armamento em todo o mundo, a Federação Russa tem, neste momento, 6257 armas nucleares. Dessas, perto de 5000 estarão prontas a disparar. “Mas a Rússia também sabe que a NATO também tem armas suficientes para destruir a Rússia”, se Moscovo disparar as suas, sublinhou Gordon Corera, jornalista da BBC e especialista em segurança.

Com este aviso muito público da mudança, Putin quis enviar uma mensagem sobretudo aos países da NATO para que não apoiem a Ucrânia – o número tem vindo a somar-se, com ofertas que vão da Bélgica à Suécia, que nem é membro da NATO. O Presidente russo quis “deixar alguma ambiguidade sobre o tipo de apoio que considerará ser demasiado”, explica Corera.

Já Mick Mulroy, antigo funcionário do Pentágono e agente paramilitar da CIA, disse à Reuters que, na sua perspectiva, esta decisão de Putin é uma reacção às dificuldades das suas forças no terreno. “É incrivelmente irresponsável a Rússia pôr as suas forças nucleares em alerta e uma indicação clara de que Putin se apercebeu de que as suas Forças Armadas não estão a ter o desempenho que esperava na Ucrânia.”

Conversações

No Twitter, o ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, publicou uma fotografia com o Presidente, Volodimir Zelensky, congratulando-se pelas “85 horas de defesa”.

O Presidente declarou, mais tarde, que iria encontrar-se com uma delegação russa numa zona de fronteira com a Bielorrússia, sem quaisquer condições prévias. “Vou ser franco, como sou sempre: não acredito que este encontro dê resultados”, declarou Zelensky. “Mas vamos tentar, para que nenhum cidadão da Ucrânia tenha qualquer dúvida de que eu, como Presidente, tentei parar a guerra mesmo quando as opções eram mínimas”.

Em quatro dias, o Exército russo não conseguiu conquistar nenhuma das grandes cidades ucranianas – este domingo foi marcado pela luta pela segunda cidade, Kharkiv, que conseguiu resistir ao ataque das forças russas.

A estratégia parece ter mudado para uma de pôr as cidades ucranianas sob cerco, dizem os Estados Unidos. No que parece ser confirmado pelo presidente da Câmara de Kiev, Vitali Klitschko, ao ser questionado pela Associated Press sobre se havia planos para retirar civis da cidade: “Não podemos fazer isso, porque todas as vias estão bloqueadas. De momento, estamos cercados.” Klitschko disse depois que foi mal interpretado, e que a capital não estava cercada.

Os Estados Unidos afirmam que parece estarmos perante uma mudança de táctica na cidade de Chernihiv, a Norte de Kiev. “Parece que estão a adoptar uma mentalidade de cerco, o que qualquer estudante de táctica e estratégia militar sabe que aumenta a probabilidade de danos colaterais”, segundo um responsável norte-americano citado sob anonimato pela Reuters.

Antes, foi notado que os ataques estavam a centrar-se em infra-estruturas de energia: houve um bombardeamento russo a um gasoduto em Vasilkiv, a cerca de 30 quilómetros da capital, a um gasoduto na região de Kharkiv e a um terminal petrolífero na província separatista de Luhansk.

Rússia admite baixas

O quarto dia da invasão russa foi também o primeiro em que o Ministério da Defesa da Rússia admitiu baixas do seu lado. Não deu detalhes, nem indicou o número, sublinhando apenas que “as baixas das Forças Armadas Ucranianas são muito mais altas”.

Segundo a ONU, morreram pelo menos 134 militares ucranianos, e segundo a Comissão de Direitos Humanos da Ucrânia, morreram ainda 210 civis, entre os quais há crianças – uma delas quando foi atingido um hospital pediátrico em Kiev e outra num ataque a uma creche perto da fronteira norte. Morreram dez civis na capital e responsáveis gregos relataram a morte de dez ucranianos de etnia grega em ataques aéreos em aldeias do Sudeste da Ucrânia.

Enquanto isso, a organização OVD, que monitoriza a acção da policia, incluindo detenções em protestos, disse que este domingo foram detidas pelo menos 2667 pessoas em protestos contra a guerra em 67 cidades russas. Desde o início da invasão da Ucrânia, e das manifestações contra a acção em dezenas de cidades da Rússia, houve pelo menos 5814 detenções, anunciou a organização.

*com António Saraiva Lima

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