Conflito entre Rússia e Ucrânia agrava o problema que a economia mundial tem com a inflação

Apesar do peso relativamente reduzido que a Rússia tem na economia mundial, a sua importância como exportador do petróleo tem o potencial para fazer subir ainda mais a inflação e obrigar os bancos centrais a agir

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Neste momento, cerca de metade das exportações russas têm com destino a União Europeia EPA/ANATOLY MALTSEV

Ainda a tentar recuperar dos efeitos da pandemia, a economia mundial tem no conflito entre a Rússia e Ucrânia uma nova fonte de incerteza, principalmente pelo impacto que poderá ter nos custos da energia numa altura em que os bancos centrais estão cada vez mais preocupados com a inflação.

Independentemente de até onde poderá ir a escalada militar, o condicionamento das relações comerciais e financeiras da Rússia com as economias ocidentais parece ser já um facto consumado. EUA, Reino Unido e, principalmente União Europeia, todos responderam aos passos dados esta segunda-feira por Vladimir Putin com um agravamento das sanções já existentes, não sendo difícil de adivinhar que nos próximos meses se irá assistir a uma redução até a mínimos das relações de comércio, financeiras e de investimento entre as duas partes.

Para a economia russa, os efeitos de um cenário deste tipo podem ser particularmente graves. É verdade que, desde 2014 quando foi alvo das primeiras sanções do Ocidente devido à anexação da Crimeia, a Rússia tem tido a preocupação de estar melhor preparada para enfrentar problemas deste tipo. O banco central russo reforçou as suas reservas internacionais, que atingem neste momento um valor equivalente a 40% do seu PIB. E foi implementada também uma política destinada a reduzir a dívida externa, em particular aquela que é denominada em dólares.

O problema é que todas estas medidas, por importantes que sejam, não conseguem esquecer o facto de a economia russa depender fortemente das suas exportações para o Ocidente, com particular destaque para o petróleo o gás natural que é vendido à União Europeia.

Neste momento, cerca de metade das exportações russas têm com destino a União Europeia e o segundo cliente do país, a China, que é vista como a principal alternativa com que a Rússia agora pode contar, apenas é responsável por 14% das compras totais.

Mudar as exportações da UE para a China pode revelar-se difícil num curto espaço de tempo, já que poderia exigir a melhoria das infra-estruturas de transporte de petróleo. Este bem representa 47% das exportações russas, sendo que o gás natural é responsável por mais 6% das vendas ao estrangeiro.

Num cenário em que se veja impedida de escoar o seu petróleo e em que regresse aos défices comerciais, a Rússia correria o risco de assistir a uma queda do valor da sua divisa (que já se depreciou esta terça-feira nos mercados internacionais), à deterioração das contas das instituições financeiras e a uma subida da inflação, com rápida influência no poder de compra da população.

"Uma grande bomba de gasolina”

Como as relações económicas funcionam nos dois sentidos, também a economia mundial se arrisca a perder com este conflito.

Não será contudo pela dimensão da economia russa, nem da ucraniana, que se pode esperar um impacto global significativo. O PIB russo, em termos nominais, é cerca de 10 vezes menor do que o chinês e fica apenas ligeiramente acima do espanhol. Mesmo em termos comerciais, se, para a Rússia, a UE é o destino de metade das suas exportações, para os países da UE a Rússia não representa mais do que 5% do seu comércio total.

O problema, contudo, está no petróleo. Como afirmou, em declarações ao The New York Times, o economista Jason Furman, “a Rússia é incrivelmente pouco importante para a economia global, excepto no que diz respeito ao petróleo e ao gás. É basicamente uma grande bomba de gasolina”.

Se esta “grande bomba de gasolina” fechar, a economia mundial pode sofrer. Para os países europeus, um fecho abrupto do fornecimento de gás pode constituir um problema sério, principalmente para alguns países.

“A dependência europeia do gás natural russo dá ao Kremlin uma vantagem e, por isso, a UE precisa de preparar um programa de resposta que apoie os países mais expostos, principalmente no Báltico, na Europa de Leste e na Europa Central”, afirma uma análise publicada pelo think tank europeu Bruegel.

Depois, com a exportação de petróleo da Rússia limitada, é inevitável um agravamento dos preços do petróleo nos mercados internacionais. Esta terça-feira, registou-se uma subida do preço do barril de Brent até aos 98,6 dólares, o valor mais alto desde 2014.

Esta escalada dos preços da energia atinge a economia mundial numa altura em que os bancos centrais já estão a tomar medidas para controlar a inflação. Nos EUA, as taxas de juro deverão subir em Março, e na zona euro, o BCE começa a dar sinais de que uma subida de taxas de juro pode afinal acontecer já este ano.

Se os preços da energia voltarem a subir, prolongando e talvez intensificando a alta da inflação que neste momento se regista nos EUA e na zona euro, os bancos centrais podem ser forçados a uma ainda mais abrupta viragem na sua política monetária, que acaba por penalizar o rendimento das famílias e o acesso das empresas ao crédito, retraindo por isso o consumo e o investimento.

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