Mais um Natal “Zoomtos”

Infelizmente os vírus não são afectados por pensamentos positivos e cá estaremos a abrir o ano de 2022 confinados, outra vez, com sentimentos de dejá flu. Neste Natal, seguiremos o exemplo da Rainha e celebraremos, então, “Zoomtos”, mais uma vez. Confesso que já sentia falta de ver os meus pais em rácio 16:9 e com atraso de conexão, fazendo-me lembrar nostalgicamente os almoços de domingo em modo ressaca dos meus 20.

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Reuters/Peter Nicholls

As notícias são aterradoras. Crescimento exponencial, nunca antes visto, e casos a duplicar de dois em dois dias no Reino Unido: o número de festas de Natal que o governo Conservador organizou enquanto o resto do país se teve que isolar em 2021 aumenta descontroladamente. Enquanto famílias viam os seus mais-que-tudo a apagarem-se nas unidades de cuidado intensivo sozinhos através de iPads segurados por profissionais de saúde para lá do estado de exaustão, o primeiro-ministro e os seus amiguinhos andavam a organizar “amigos secretos” à volta de canapés.

Quando se sente ameaçada, a espécie Boris johnsonus invoca um arsenal de defesas extenso e efectivo, às vezes surrealista, para distrair atenções. Neste caso, BoJo veio publicamente pedir desculpas por membros do Governo terem gozado com uma festa que, segundo ele, nunca aconteceu, deixando atrás de si um rasto de destruição da confiança do público nas mensagens do Governo.

Falta de confiança essa que vem mesmo a tempo de enfrentar mais uma reviravolta nesta pandemia que, tal como o Game of Thrones, está pejado de twists e, se tiver fim, será muito provavelmente anti-climático (já me antevejo, por exemplo, a sair de casa um dia para meter o caixote de lixo na rua e reparar que mais ninguém o fez porque já não existe mais ninguém). A variante Ómicron veio, tal Pai Natal, espalhar magia pelo período natalício fora.sinais que o Boris train está a chegar ao fim da linha. Como a intersecção do diagrama de Venn entre negacionistas e “Brexiteiros” está cada vez mais próxima de um círculo perfeito, o parlamento inunda-se com revoltas internas e aposta-se então nas terceiras doses como a única forma de manter a economia a rolar e esperar que o sistema nacional de saúde não colapse.

Infelizmente os vírus não são afectados por pensamentos positivos e cá estaremos a abrir o ano de 2022 confinados, outra vez, com sentimentos de dejá flu. Neste Natal, seguiremos o exemplo da Rainha e celebraremos, então, “Zoomtos”, mais uma vez. Confesso que já sentia falta de ver os meus pais em rácio 16:9 e com atraso de conexão, fazendo-me lembrar nostalgicamente os almoços de domingo em modo ressaca dos meus 20.

Para combater a saudade e afogar as mágoas por não passar o período festivo com bacalhau fui para o Consulado Português de Londres renovar o passaporte para poder não viajar dentro dos requisitos – uma verdadeira “consulada” natalícia. Se as primeiras impressões formam uma imagem mental que muito dificilmente se pode mudar a posteriori, gostaria de informar os portugueses apologistas da anti-imigração que não têm muito por que se preocupar. Para começar, só são providenciadas marcações com seis meses de antecedência – quem necessitar de documentos antes disso tem que ir a Portugal renová-los (algo que não pode fazer porque não tem os documentos em dia...). A hora e local de agendamento que me foram dados são só indicativos no contínuo do espaço-tempo. Fui atendido com mais de duas horas de atraso, as quais passei confortavelmente com outras cem pessoas, numa salinha de 16 metros quadrados sem ventilação. As casas de banho fazem a melhor imitação possível do melhor que as tascas ainda não visitadas pela ASAE têm para oferecer.

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Figura 1 - O Pai Natal deixou uns sacos de presentes no Consulado para as criancinhas que não podem ver os avós este ano.

Mas as cerejas no cimo do bolo foram mesmo as pilhas de sacos vermelhos com papéis confidenciais ao alcance de cada um, que rapidamente aproveitei para mostrar aos meus filhos e dizer que estavam repletas de presentes do Pai Natal português, à espera do controlo da alfândega por já não pertencermos ao mercado comum. Isto tudo, claro, ao som de ordens ladradas em tom paternalista do alto da torre de marfim por funcionários mal encarados. Confesso que fica cada vez mais difícil escolher entre ser cidadão de segunda classe britânico ou português.

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