Covid-19: professores em teletrabalho com filhos tentam ultrapassar o caos com organização

Habituados a trabalhar em casa, os professores dizem estar no limite durante a pandemia de covid-19, porque continuam a dar aulas, mas também explicações aos filhos, que tentam intercalar com tarefas domésticas e até ajudar os próprios pais.

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Muitos professores, além de trabalharem à distância, vêem-se também a dar apoio escolar aos filhos LUSA/PAULO NOVAIS

Fazem escalas para tratar dos filhos, têm horários para usar os computadores que têm de servir para toda a família, tentam dividir as tarefas domésticas e, no final, sentem que toda esta organização só reduz um pouco o caos em que vivem desde meados de Março, quando as escolas fecharam e começaram a trabalhar em casa. É assim a vida de cinco professores que falaram com a Lusa. 

Elvira Sousa é professora de Português na Escola Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, e tem duas filhas: uma menina de 2 anos e outra de 7. Até Março, a mais pequena ficava com os avós quando ia dar aulas. Agora, os avós estão fechados em casa e a família Sousa vive num esforço diário para tentar manter uma certa normalidade.

“Antes, quando estava em casa tinha disponibilidade para elas, mas agora ou estou ao computador ou a olhar para o telemóvel para controlar os e-mails de trabalho. No outro dia, quando me viu ir para o computador a bebé começou a chorar. Não percebe porque é que não lhe dou atenção”, conta a docente do 2.º ciclo.

Elvira Sousa sempre levou trabalho para casa, mas, quando estava a corrigir testes, preparar aulas ou a ler textos dos seus alunos, o marido ficava com as miúdas. Agora, é impossível. Estão todos a trabalhar. “Na semana passada, não conseguia enviar uma simples mensagem aos pais dos alunos, porque estava sempre a ser interrompida e perdia o raciocínio”, desabafa.

Além das aulas, das filhas e do trabalho doméstico, Elvira Sousa é sistematicamente invadida por outra preocupação: o seu pai tem uma doença oncológica e sair à rua aumenta os riscos de contrair covid-19. Por isso, e para que o vírus não entre em casa dos pais, a professora faz questão de ir às compras para eles. Mas, muitas vezes, chega tarde: “Sempre foram muito independentes e, como não querem dar trabalho, fazem eles as coisas, mas fico muito preocupada”, relata, explicando que gostava de poder retribuir mais até “por tudo o que sempre fizeram” por si.

“Tenho de organizar muito bem o tempo, mas sinto que estou sempre a falhar”, confessa.

É também a falta de tempo que angustia Ana Rita Lourenço, professora numa escola de intervenção prioritária na região de Lisboa, que já se habituou a começar o dia de trabalho sentada na mesa da sala com uma filha de cada lado.

“Não conseguimos esticar o tempo nem temos mais braços”, diz a mãe de três raparigas de 15, 10 e 6 anos. A Beatriz, está no 10.º ano, a Francisca no 5.º e a mais pequena no pré-escolar. Todas precisam de apoio. A mais velha é a mais independente mas, por vezes, pede conselhos; a do meio “não trabalha sozinha”; a mais pequena “nem sequer consegue estar sentada muito tempo”.

Antes, quando saía de casa podia dedicar-se “a 100% aos alunos”. Agora a escola entrou dentro das quatro paredes da família. “É uma loucura, muito difícil gerir os horários de todos”, declara Ana Rita Lourenço.

Nesta família de cinco só há um computador e a Beatriz tem aulas síncronas durante toda a manhã, altura em que os pais também precisam de trabalhar. A opção é recorrer aos telemóveis.

Também Custódio Ribeiro, docente em Lisboa, com dois filhos, de 8 e 11 anos, está a dar aulas a partir de casa e quando faltam equipamentos não se importa de ser ele a trabalhar pelo telemóvel.

“Antes, quando chegava a casa, ajudava os meus filhos. Agora tenho de estar disponível na plataforma para dar aulas e apoiar os meus miúdos ao mesmo tempo. Cá em casa, decidimos que eu ajudava os miúdos e a minha mulher ficou com o trabalho doméstico”, conta o professor do 1.º ciclo.

Mesmo com divisão de tarefas, todos admitem viver num caos, até porque a separação entre vida profissional e vida familiar se esvaneceu.

“Há um stress, um cansaço físico e psicológico para tentar acompanhar tudo e não falhar”, enumera Custódio Ribeiro, que também está a trabalhar em casa desde 16 de Março, quando todas as escolas foram encerradas pelo Governo para conter a disseminação do novo coronavírus.

Na casa dos Pereira o sentimento é igual, já que é preciso gerir os horários de trabalho com os das duas filhas e ainda com os dos dois cães. Além das aulas por videoconferência, a professora Joana Pereira, docente num colégio em Oeiras, tem reuniões de coordenação com a direcção da escola, com os colegas do 1.º ciclo e ainda com a colega do mesmo ano.

Com uma filha de 2 anos, “que ainda não percebe nada, mas quer atenção”, e outra de 3 anos e meio “que já tem actividades do pré-escolar”, Joana Pereira olha para esta experiência como uma espécie de desafio, em que cada tarefa é uma peça que tem de encaixar no puzzle.

“Todos os dias temos de fazer um puzzle de horários e de rotinas que, por vezes, acabam por ser alteradas”, conta, admitindo que já houve dias em que não conseguiram encaixar o banho das pequenas no puzzle da família.

Para a maioria das famílias com filhos pequenos esta é uma realidade que se irá manter nos próximos tempos, já que o Governo admitiu apenas a hipótese de reabrir as creches em Maio, depois de terminado o actual estado de emergência, além das aulas no 11.º e 12.º ano.

Mas, Joana Pereira, que tem duas crianças pequenas, ainda não sabe o que fará: “Não sei se terei coragem de as meter na creche porque ainda tenho algum medo”, disse à Lusa, referindo-se ao receio de um possível contágio.

Em Portugal, já se registaram, até ao momento, 20.863 casos de infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2. À data, o balanço do surto de covid-19 no país dá conta de 735 mortos.

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