Marcelo regressa a Belém para assumir responsabilidades com o Governo

Quando entrar no Palácio de Belém, esta quarta-feira de manhã, para presidir ao Conselho de Estado via Skype, Marcelo Rebelo de Sousa reassume o papel de vértice do triângulo constitucional de pesos e contrapesos: Presidente da República – Governo – Parlamento.

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Desta vez, o Conselho de Estado vai reunir-se por Skype Nuno Ferreira Santos

Esta quarta-feira, dia 18 de Março de 2020, vamos todos ter uma aula de Direito Constitucional aplicado, em directo de vários cenários e com os mais altos responsáveis da Nação, nem sempre ao vivo, mas com transmissão garantida em todos os ecrãs. Tudo começa e termina no Palácio de Belém, onde ao fim da tarde o Presidente da República deverá decretar o estado de emergência por saúde pública devido à pandemia de Covid-19.

Marcelo Rebelo de Sousa, constituinte, protagonista nas principais revisões constitucionais da democracia, professor de Direito Constitucional, comentador político, vai ter agora, como Presidente da República, a oportunidade de testar na prática um dos poderes presidenciais mais próximos do presidencialismo no nosso sistema semipresidencialista de acentuado pendor parlamentar/governativo (ou semiparlamentarista, como preferem alguns).

Com a declaração do estado de emergência, o Presidente da República assume a co-responsabilidade, a par do Governo e do Parlamento, da suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias dos cidadãos em nome de um interesse superior, ou mesmo para assegurar esses mesmos direitos, liberdades e garantias de todos e cada um. Sim, é preciso que os três pilares políticos do Estado de Direito estejam de acordo e se articulem de perto durante todo o tempo que durar o estado de emergência.

O longo ritual, que vai durar todo o dia, começa às 10h no Palácio de Belém. O Presidente da República convocou para essa hora o Conselho de Estado, o seu órgão de aconselhamento político que também funciona como uma espécie de senado do regime, dada a sua composição, para ouvir as diferentes sensibilidades sobre a necessidade e pertinência de declarar o estado de emergência.

A sessão vai realizar-se integralmente via Skype, com Marcelo Rebelo de Sousa sentado no Palácio de Belém diante de uma televisão, sem a presença de câmaras de televisão nem de repórteres fotográficos. Todas as imagens serão distribuídas pela Presidência da República, sendo, naturalmente, a reunião com os conselheiros à porta fechada.

Lá dentro, o Presidente da República vai ouvir o que têm a dizer os antigos chefes de Estado – Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Cavaco Silva -, bem como o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, os presidentes dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, o presidente do Tribunal Constitucional e a provedora de Justiça. Além destes conselheiros de Estado por inerência, ouvirá também os cinco conselheiros escolhidos por Marcelo e os cinco eleitos pelo Parlamento.

Entre eles está o líder do maior partido da oposição, Rui Rio, o presidente do PS, Carlos César, o fundador do Bloco de Esquerda Francisco Louçã, o histórico comunista Domingos Abrantes e o fundador do PSD Francisco Pinto Balsemão, todos eleitos pelo Parlamento. Os nomeados pelo Presidente são Leonor Beleza, António Damásio, Eduardo Lourenço, Luís Marques Mendes e António Lobo Xavier. Quanto maior a convergência que conseguir no Conselho de Estado, maior o respaldo para a decisão do chefe de Estado.

Um ritual político a cumprir

Espera-se que o Conselho de Estado se prolongue por algumas horas, mas no final não haverá qualquer declaração, sendo apenas colocada no site da Presidência uma nota informativa. Se o Presidente decidir declarar o estado de emergência, terá então de ouvir o Governo e depois a declaração terá de ser aprovada pela Assembleia da República.

O Parlamento, por seu lado, tem já marcada para as 16h uma sessão plenária em que fará a votação da declaração, se for esse o caso, como tudo indica. Este é o segundo cenário importante do dia: a transmissão em directo do plenário permitirá a todos os partidos com assento parlamentar fazer o seu depoimento sobre a situação de excepção em que o país irá entrar.

A declaração do estado de emergência pelo Presidente da República é uma declaração-chapéu, que enquadra juridicamente as restrições consideradas pelo chefe de Estado como proporcionais e necessárias, no sistema constitucional democrático, para enfrentar a pandemia.

A declaração tem de conter, “clara e expressamente”, a caracterização e fundamentação do estado de emergência; o seu âmbito territorial e duração; a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso ou restringido e a determinação do grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e do apoio às mesmas pelas Forças Armadas, sendo caso disso. Mas as medidas concretas são trabalhadas pelo Governo, como foram até aqui, em articulação com o Presidente e o Parlamento.

Ao fim da tarde ou princípio da noite, os holofotes voltam-se para o Palácio de Belém, onde o Presidente da República fará, então, uma declaração ao país. Será em directo e distribuída pela RTP aos restantes canais de televisão, sem a presença de outros órgãos de comunicação social.

Quando falar ao país, Marcelo Rebelo de Sousa reassume o papel de vértice superior do triângulo constitucional de pesos e contrapesos constituído pelo Presidente da República, Governo e Parlamento. Se declarar estado de emergência, será o pivot desse momento político único na história da democracia, já que o Governo terá de informar, a par e passo, Presidente e Parlamento de todas as medidas tomadas nesse estado de excepção.

Durante o período determinado – 15 dias no máximo, renovável – vai manter-se “em sessão permanente” o Conselho Superior de Defesa Nacional - também presidido pelo chefe de Estado, bem como a Procuradoria-Geral da República e a provedora de Justiça, as duas últimas para garantir a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos.

O quadro é de excepção, mas está definido na Constituição democrática. E a ser declarado, permitirá ao Presidente da República tomar as rédeas e assumir todas as responsabilidades pela suspensão dos direitos fundamentais que constarem da declaração. Mais do que nunca, o momento político é de conjugação de responsabilidades. No final, todos beberão juntos do mesmo cálice, por mais amargo que seja.

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