E tudo depende da Catalunha

Embora com um Governo, o sistema político de Espanha entrou num novo patamar de fragmentação e instabilidade.

Espanha já tem um Governo. O PSOE tem aqui a oportunidade de alargar o seu espaço político à esquerda, com um programa de maior pendor social e mais progressista do que o seu próprio programa eleitoral, e o Unidas Podemos chegou aonde o Bloco de Esquerda quis chegar e não conseguiu. O primeiro executivo de coligação após a fase de transição espanhola para a democracia pode ser histórico e causar emoção, por colocar um ponto final num longo processo de bloqueio político, e até justificar as lágrimas de Pablo Iglesias após a investidura desta terça-feira. Mas isso não quer dizer que a coligação do PSOE e Unidas Podemos tenha conquistado uma estabilidade política superior à do anterior Governo de gestão de Pedro Sánchez.

A previsível investidura (por maioria relativa de dois votos) contém toda a imprevisibilidade de uma governação inédita, partilhada por duas visões distintas de uma esquerda espanhola que terá de aprender a coabitar, pela exigente e constante negociação, com uma dezena de forças partidárias com agendas autonómicas e cuja longevidade estará sempre ameaçada e dependente da questão catalã. Esta dispersão do congresso e a consequente negociação que implica fragiliza um Governo de esquerda que tem por diante uma direita cada vez mais aguerrida e unida, como se comprova pela experiência do Governo andaluz, no qual o Vox também tem uma voz. Embora com um Governo, o sistema político de Espanha entrou num novo patamar de fragmentação e instabilidade, tais são as variáveis em cima da mesa, à semelhança do que se verifica em outros países europeus, como é o caso da Áustria, onde os conservadores acabam de se coligar com os Verdes quando antes o faziam com a extrema-direita.

A investidura do Governo de Sánchez só foi possível devido à abstenção dos independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha, um mal menor para os soberanistas, na expectativa de que os seus líderes sejam alvo de um regime de prisão mais favorável quando atingirem o tempo de reclusão necessário para uma suavização das condições de cumprimento da pena, uma vez que o indulto estará fora de questão. Mas o referendo na Catalunha não é uma reivindicação esquecida e a abstenção é apenas um meio para atingir esse fim. Para os independentistas, o PSOE não deixou de ser o “cúmplice da repressão” na Catalunha.

A única certeza será esta: a longevidade da coligação e a estabilidade política espanhola vão depender da questão catalã.

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