A Espanha Nacionalista aqui ao lado

A onda de nacionalismo populista que atravessa a Europa e o Mundo contamina também a Espanha, com o aparecimento do Vox, um partido de extrema-direita que faz de Franco o seu ídolo, com um discurso racista, anti-imigração, contra os direitos das mulheres mas, sobretudo, contra as autonomias.

Devíamos preocupar-nos mais com a reemergência do nacionalismo espanhol do que com o independentismo catalão, onde a corrente majoritária é democrática e europeísta.

A sentença contra os dirigentes catalães é uma monstruosidade política e um problema grave para a democracia espanhola. Democracia que fez do reconhecimento constitucional do direito à autonomia “das nacionalidades” uma linha de demarcação com o regime franquista.

A unidade de Espanha é uma construção delicada, que implica, em democracia, que o poder central aceite a existência de movimentos independentistas e que criminalizar a manifestação pacífica do desejo de secessão é um suicídio.

A forma como a Espanha lidou com a questão Basca, não aceitando participar numa espiral de violência, foi exemplar. A recusa de declarar o estado de emergência, apesar dos atos de terror, e a procura, nomeadamente pelo governo de Zapatero, de uma solução política, foi o que permitiu o isolamento da ETA e a sua dissolução.

O que aconteceu para que hoje, em relação à Catalunha, com uma tradição histórica de pacifismo, o Estado espanhol siga uma estratégia de repressão de direitos garantidos pela Constituição?

A onda de nacionalismo populista que atravessa a Europa e o Mundo contamina também a Espanha, com o aparecimento do Vox, um partido de extrema-direita que faz de Franco o seu ídolo, com um discurso racista, anti-imigração, contra os muçulmanos, contra os direitos das mulheres, contra os direitos LGTB, mas, sobretudo, contra as autonomias.

O que caracteriza o nacionalismo espanhol é a recusa da pluralidade cultural e nacional de Espanha. O Vox afirma querer iniciar a nova “reconquista” de Espanha, expressão carregada de fundamentalismo cristão, usada para definir o período das cruzadas do Ocidente contra os muçulmanos, mas que é também uma referência à campanha militar lançada por Franco, contra a República democrática, para impor um regímen fascista que proibiu o ensino das línguas das nacionalidades e dizimou os movimentos nacionalistas.

É bom lembrar que foi o Vox que apresentou queixa contra os dirigentes catalães no Supremo Tribunal Espanhol e que aí atuou como ‘acusador’ ao lado do Ministério Público. A participação do Vox como parte da acusação é um dos absurdos do processo. No entanto, toda a direita democrática espanhola alimentou perigosamente a onda nacionalista provocada pela crise catalã. Foi o que fez o PP, mas também o Ciudadanos que, criado como um partido centrista e liberal, assumiu, com a crise catalã, o nacionalismo espanhol. Abstiveram-se na votação da remoção do corpo de Franco do mausoléu oficial e vêm no Vox um aliado  para formarem governo. Já é assim na Andaluzia e em Madrid.

O discurso do Vox  é monstruoso. O seu líder, Santiago Abascal, pede, em nome da “Espanha Viva” não só a suspensão do estatuto de autonomia da Catalunha, mas também o de todas as autonomias, a declaração do estado de sítio e a dissolução dos partidos independentistas.

O nacionalismo catalão é atravessado por várias correntes, mas as majoritárias, a Esquerda Republicana Catalã (centro-esquerda) e o PDeCAT (centro-direita) são, claramente, pró-Europeus. São partidos herdeiros de uma longa tradição democrática  independentista: Lluís Companys, lider da ERC, Presidente da Catalunha durante a guerra civil, foi fuzilado a mando de Franco em 1940.

Barcelona é uma cidade cosmopolita, lugar da maior manifestação na Europa pelos direitos dos refugiados. Na Catalunha, e de acordo com as sondagens, os partidos cujos eleitores são mais eurocéticos são os da minoritária extrema-esquerda independentista da CUP e do Ciudadanos.

É um absurdo considerar que o independentismo catalão é equivalente ao nacionalismo do Vox ou da ETA. Para os independentistas, como escrevem na sua lei de desconexão de 2017, teriam direito à cidadania catalã todos os que possuindo a nacionalidade espanhola residam na Catalunha, desde dezembro de 2016, recusando assim o nacionalismo identitário, étnico, da extrema-direita.

Com a vitória do PSOE nas últimas eleições seria de esperar que a esquerda tivesse sido capaz de se unir, de formar governo e de procurar uma solução política para a questão catalã, solução essa que passava, e passa, pelo indulto dos dirigentes presos e pelo diálogo.

O líder do ERC, Junqueras, condenado a 13 anos de prisão, é um homem de diálogo, que tem condenado a violência e que recusa a independência unilateral. Junqueras  é  um interlocutor chave na procura de uma saída negociada da crise.

O PDeCAT de Puigdemont e Torres, apesar de divergir do ERC, seguindo uma estratégia de tensão permanente com o poder central, também condena a violência. A radicalização violenta de uma parte da juventude catalã torna ainda mais imperioso o recurso à via negocial.

Chegou a hora do diálogo que hoje depende mais de Madrid do que de Barcelona. Uma campanha eleitoral poderá não ser o momento ideal para negociações políticas que prometem ser difíceis, porém seria bom que Pedro Sánchez se lembrasse que Mandela ficou para a História não pelas suas vitórias eleitorais, mas por ter negociado com quem o considerava um inimigo.

Fundador do Fórum Demos

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