Ex-administradores do Opart acusam ministra da Cultura de “omissões”, indecisões e “cobardia”

A pedido do Bloco de Esquerda, o conselho de administração que Graça Fonseca substituiu há uma semana esteve no Parlamento para explicar o diferendo laboral no Opart. E não poupou críticas à tutela.

Foto
Carlos Vargas cessou funções como presidente da administração do Opart a 4 de Julho NUNO FERREIRA SANTOS

O ex-presidente do conselho de administração do Organismo de Produção Artística (Opart), Carlos Vargas, acusou esta tarde a ministra da Cultura, Graça Fonseca, de ter contribuído para a situação de “instabilidade e insegurança absolutamente insuportáveis” que desembocou na greve dos trabalhadores do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) e da Companhia Nacional de Bailado (CNB). As "sucessivas omissões e ausências de decisão” da actual titular da pasta, tal como dos seus antecessores, criaram “um vácuo de poder”, sublinhou no Parlamento, reiterando que, ao contrário do que afirmaram a ministra e a sua secretária de Estado, o órgão a que presidiu agiu sempre no respeito pelas normas legais em vigor e em rigorosa obediência às instruções da tutela.

Chamado a pedido do Bloco de Esquerda à Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, que já ouvira sobre esta polémica a ministra da Culturauma delegação do Cena-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos), Carlos Vargas foi taxativo na responsabilização da tutela pela prolongada crise no Opart, que inviabilizou a estreia de uma ópera do São Carlos, La Bohème, e de um espectáculo da CNB, Nós como Futuro. Mas Samuel Rego, um dos seus dois vogais, repetidamente apontados publicamente por Graça Fonseca como os principais responsáveis por um acordo com os trabalhadores que a tutela viria a romper, foi ainda mais longe nas acusações: “Quando, depois de recebermos um ‘concordo’ da senhora ministra e agindo em função dele, propusemos um novo regulamento [interno de pessoal] pela enésima vez, é óbvio que não extravasámos as nossas competências, como veio depois a senhora ministra dizer de forma cobarde. Durante dois meses, o nosso nome foi insultado na praça pública”, lamentou, admitindo estar a ponderar “acções judiciais” contra Graça Fonseca.

Para exemplificar as indecisões de que acusa a tutela, Carlos Vargas especificou que à data da sua demissão – que apresentou formalmente a 24 de Junho, quando já era dado adquirido que Graça Fonseca ia substituir os três membros do conselho de administração e não apenas os seus dois vogais – “continuava por decidir a contratação de um director técnico para o São Carlos”, na sequência do falecimento do anterior há um ano, “após doença prolongada”, assim como de um chefe-maquinista. “A tutela não respondeu a qualquer dos nossos pedidos de autorização para contratar – e a dotação existe”, afirmou, acrescentando que o actual director artístico do TNSC, Patrick Dickie, cessa funções no final de Julho e já manifestou a sua indisponibilidade para não pretende continuar no cargo, e que o contrato da maestrina-titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, Joana Carneiro, termina em Agosto. “O Conselho de Administração viu-se impedido pela tutela, por razões que desconheço, de gerir a instituição”, resumiu.

Recapitulando o atribulado historial do Opart desde a sua criação em 2007, Carlos Vargas​ lembrou que até hoje não existe nesta entidade pública empresarial “qualquer instrumento de regulação colectiva do trabalho”, o que “deu origem a uma pluralidade de regimes e situações laborais” até no interior da mesma categoria profissional. A extinção do Opart entre 2012 e 2013, que repôs o TNSC e a CNB como entidades autónomas, e a longa indefinição acerca do seu futuro foram inviabilizando e protelando a necessária uniformização de dois regimes de trabalho paralelos, explicou: “Só em Março de 2017 a decisão política de manter o Opart foi tomada. E este conselho de administração iniciou logo de seguida o trabalho de criação de um regulamento interno de pessoal. Em Setembro desse ano entregámos à tutela um projecto de regulamento que previa já a extensão do regime de 35h semanais, que há muito se aplicava ao São Carlos, a todos os trabalhadores da empresa. Dez anos depois da criação do Opart, era imperativo harmonizar as condições de trabalho.”

O ex-presidente do organismo insistiu que, consultados os serviços jurídicos do Opart, estes consideraram que a elaboração do regulamento interno de pessoal “cabia nas competências da administração e não colidia com nenhuma norma legal” – um entendimento de que a ministra já disse discordar, considerando que a actuação daquele órgão na negociação do regulamento interno de pessoal foi “ilegal” e mesmo “inconstitucional”. Respondendo à deputada comunista Ana Mesquita, o ex-responsável pelo Opart repetiu que o órgão a que presidiu agiu “no âmbito das suas competências” quando avançou para a uniformização do tempo de trabalho na empresa e que “se houve uma escorregadela” no processo “não foi do conselho de administração, que nunca mudou de posição”. 

Carlos Vargas fez questão de enfatizar também que a administração da empresa “não procedeu a qualquer aumento da massa salarial”, embora gostasse de o ter feito: “Em 2018, quando entendemos que se justificava a harmonização salarial [reivindicada pelos técnicos do São Carlos], pedimos autorização à tutela. Uma vez que até ao final do ano não houve qualquer resposta, decidimos contemplar no plano de actividades para 2019, perfeitamente identificado, o montante de 60 mil euros que calculámos ser necessário caso surgisse entretanto autorização.” É essa autorização que chega do MC em Março de 2019, conforme despacho de Graça Fonseca a que o PÚBLICO teve acesso, mas que virá depois a ser chumbada pelas Finanças, provocando o recuo negocial que esteve na origem da greve convocada pelo Cena-STE. Os 60 mil euros nunca chegaram a ser usados e continuam por isso disponíveis, caso a tutela entenda entretanto desbloquear a harmonização salarial reivindicada pelos trabalhadores, disse Carlos Vargas. “Mais um veto de gaveta, mais uma cativação de que ninguém saberia se não tivesse havido uma greve e barulho na comunicação social”, comentou Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda, acusando Graça Fonseca de “vestir a pele do ministro das Finanças”.

O novo conselho de administração do Opart, presidido justamente por André Moz Caldas, até aqui chefe de gabinete de Mário Centeno, tomou posse na passada sexta-feira. Dois dias depois, os trabalhadores do São Carlos e da CNB decidiam suspender a greve iniciada em Junho, considerando que a administração recém-empossada fora capaz, “em cerca de 48 horas, de propor um caminho de compromisso e negociação (...) com um horizonte mais profundo”.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de Graça Fonseca escusou-se a qualquer comentário às declarações dos ex-administradores do Opart na Assembleia da República.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários