Chefe de gabinete de Mário Centeno indicado presidente do Opart

André Moz Caldas irá substituir Carlos Vargas à frente deste organismo que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado. Há meses que nesta entidade se arrasta um diferendo laboral que também envolve o Ministério das Finanças.

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O advogado e professor universitário André Moz Caldas, de 36 anos, chefe de gabinete do ministro Mário Centeno desde 2015, foi nomeado pelo Governo para presidente do conselho de administração do Organismo de Produção Artística (Opart), anunciou esta terça-feira o Ministério da Cultura (MC). A nomeação chega num momento particularmente delicado da vida desta estrutura que tutela o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) e a Companhia Nacional de Bailado (CNB), palco de um diferendo laboral que já provocou o cancelamento de uma ópera e de um espectáculo da CNB.

O novo homem forte do Opart vem das fileiras do Partido Socialista (PS) e, pormenor talvez não menos importante, chega a esta entidade pública empresarial vindo das Finanças, o ponto onde terá esbarrado a reivindicação de harmonização salarial dos trabalhadores do São Carlos e da CNB que está no centro do diferendo. Uma harmonização salarial que o gabinete da actual ministra da Cultura, Graça Fonseca, começou por endossar, de acordo com um documento a que o PÚBLICO teve acesso.

A 20 de Março deste ano, Graça Fonseca reencaminhou para a secretária de Estado da Administração e do Emprego Público e para o secretário de Estado do Tesouro um ofício do então presidente do conselho de administração, Carlos Vargas, que a 15 de Novembro de 2018 expusera à ministra a urgência de proceder a ajustamentos salariais que repusessem a igualdade de tratamento entre os técnicos do São Carlos e da CNB. O despacho da ministra é taxativo​: “Concordo com o solicitado.”

Na sua exposição ao MC, Carlos Vargas sublinhava que, caso se arrastasse, o problema da discrepância de vencimentos entre trabalhadores do sector técnico com as mesmas funções “poderia dar origem a perturbações do normal desenvolvimento da actividade do Opart, E.P.E., especialmente ao nível do TNSC, onde laboram os trabalhadores que auferem menor retribuição”. Em causa, precisava, estão “17 trabalhadores”, pelo que, concluía, “o aumento anual de encargos necessário para o restabelecimento da igualdade de tratamento [entre os técnicos da CNB e do São Carlos] é da ordem de 58 mil euros”.

Dias depois, no Parlamento, a ministra da Cultura viria mesmo a garantir que já fora encontrada uma solução orçamental para resolver o problema. A verba necessária estava de resto já inscrita no orçamento do Opart para 2019.

Mais recentemente, e após uma série de reuniões com o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), entidade que tem vindo a representar os trabalhadores, a tutela voltou atrás, argumentando ser impossível proceder ao ajustamento salarial antes da aprovação do Regulamento Interno de Pessoal, outra das reivindicações dos funcionários. As negociações foram, então, suspensas, com os trabalhadores a avançarem para uma greve que deverá ainda afectar os espectáculos do Festival ao Largo, que começa no próximo sábado, e apresentações da CNB no Porto e em Almada. 

No documento de Novembro de 2018 o então presidente do Opart dava também conta à ministra de que se encontrava “em fase de conclusão um Regulamento Interno de Pessoal e respectiva tabela salarial”, que seriam “oportunamente” submetidos à consideração da tutela e à apreciação dos órgãos representativos dos trabalhadores. Esse regulamento veio a ser apresentado ao gabinete de Graça Fonseca, que o considerou desadequado e ordenou a constituição de um grupo de trabalho com representantes do Opart, do MC e das Finanças para a criação de um novo documento.

A 19 de Junho, depois de uma reunião com Graça Fonseca, o Cena-STE chegou a considerar que o conflito laboral no Opart podia estar perto de ser resolvido quando a ministra falou da possibilidade de separar a decisão da harmonização salarial da aprovação do regulamento interno mas, dois dias depois, o cenário mudou radicalmente.

A 21 de Junho, o MC fechou de vez as portas à negociação ao declarar ilegal o acto pelo qual a administração do Opart reduziu, em Setembro de 2017, o horário de trabalho dos funcionários da CNB das 40 para as 35 horas semanais, equiparando-os aos trabalhadores do São Carlos. Confrontados com a recusa do ministério de Graça Fonseca em atender as suas reivindicações, e com a recente imposição do horário de 40 horas semanais aos trabalhadores da CNB, em vigor desde 1 de Julho, os trabalhadores do Opart já afirmaram que ponderam avançar para uma acção em tribunal.

Medicina Dentária, Direito e piano

Segundo a nota curricular distribuída pelo ministério, o novo presidente do Opart é licenciado em Direito e mestre em História do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde é assistente convidado em diversas cadeiras desde 2012. Licenciado também em Medicina Dentária, foi dentista antes de ser advogado. André Caldas exerceu advocacia até 2015, ano em que assumiu as funções de chefe do gabinete do ministro das Finanças, lugar que acumulava com a actividade autárquica. Dois anos antes, fora eleito pela primeira vez presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, em Lisboa, pelo PS. Voltaria a candidatar-se e a ganhar em 2017, deixando o cargo seis meses depois de eleito para se dedicar em exclusivo às Finanças, situação que levou o PSD a reclamar eleições antecipadas.

Em 2013 assinara já no livro Troika Ano II: uma avaliação de 66 cidadãos (Edições 70), coordenado por Eduardo Paz Ferreira, um texto intitulado “A desinteressantíssima trindade ou a troika revisitada”.

“Ao longo do seu percurso”, destaca o MC, “teve sempre uma ligação muito próxima com o canto e com a música clássica, tendo frequentado o Curso Complementar de Piano na Academia de Amadores de Música e integrado o Coro Sinfónico Lisboa Cantat”. Grande apreciador de ópera, André Caldas conhece bem o São Carlos.

O novo conselho de administração do organismo incluirá ainda, como vogais, a violinista e directora-adjunta do Conservatório Nacional Anne Victorino d'Almeida, 40 anos, filha do compositor António Victorino d'Almeida, e o até aqui vogal da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos Alexandre Miguel Santos, com 48 anos e economista de formação.

O anterior conselho de administração do Opart, presidido por Carlos Vargas, foi nomeado em Fevereiro de 2016 para um mandato de três anos, que terminou em 31 de Dezembro de 2018, e que permanecia em funções, aguardando a sua “efectiva substituição”. A nomeação do presidente e dos dois vogais, que já recebeu parecer favorável da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP), deverá ser formalizada no Conselho de Ministros da próxima quinta-feira.

No início da semana passada, Carlos Vargas apresentou à tutela o seu pedido de demissão. Também Patrick Dickie, o actual director artístico do São Carlos, se manifestou indisponível para um novo mandato

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