Mueller não larga a investigação sobre a Rússia e agora atirou-se à Casa Branca

O procurador especial pediu documentos relacionados com decisões de Trump ou respostas dadas por ele em entrevistas. Investigação cerca ex-responsável da campanha de Trump, Paul Manafort.

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O procurador especial, Robert Mueller, foi nomeado em Maio JIM LO SCALZO/EPA

Por enquanto, este cenário é apenas o esboço de um guião para um filme de terror, mas não deixa de ser interessante imaginá-lo: sozinhos numa pequena sala, sem mais ninguém a ouvir gritos e ofensas que deixariam corado qualquer adulto habituado a frequentar ambientes pesados, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o procurador especial, Robert Mueller, dizem um ao outro o que pensam sobre a investigação às suspeitas de conluio com a Rússia.

Se Trump falasse com Mueller neste momento, nem que fosse para lhe desejar um bom fim-de-semana, o procurador especial nomeado em Maio para liderar a investigação responderia certamente com a abertura de um processo judicial por tentativa de obstrução à Justiça, mas a imagem de uma conversa entre os dois serve para se perceber em que ponto está a relação entre eles – se antes havia algum receio de que a investigação poderia dar em nada, agora há "uma sensação de inevitabilidade" que está a irritar cada vez mais o Presidente norte-americano.

"Estou convencido de que esta investigação vai ser levada até ao fim, seja qual for o resultado, mesmo que eles despeçam o Mueller", disse ao jornal Washington Post um responsável do governo que falou sob a condição de anonimato (quase todas as fontes citadas pelos principais jornais e televisões norte-americanos são anónimas porque as informações em causa são consideradas secretas ou demasiado sensíveis para serem discutidas em público – o problema da divulgação dessas informações, que apenas responsabiliza a própria Casa Branca, é uma das principais queixas de Donald Trump e já levou à substituição de Reince Priebus pelo general John Kelly na liderança do gabinete do Presidente).

Mas, para se perceber o que vai estar em causa a partir desta semana no topo da política norte-americana, vale a pena olhar um pouco para trás, pelo menos até Maio.

Guerra na Sala Oval

No dia 17 desse mês, o Presidente norte-americano estava reunido na Sala Oval com o vice-presidente, Mike Pence; o attorney general, Jeff Sessions (uma espécie de ministro da Justiça e procurador-geral da república ao mesmo tempo); e o conselheiro da Casa Branca para os assuntos jurídicos, Donald McGhan. Em cima da mesa estava um único tema: qual seria o nome mais indicado para substituir James Comey na liderança do FBI? Comey tinha sido despedido pelo Presidente na semana anterior, no final de uma batalha entre os dois responsáveis que já vinha do ano passado, quando o então director do FBI decidiu não recomendar ao Departamento de Justiça a abertura de uma investigação sobre os e-mails de Hillary Clinton apesar de a ter acusado de ser "extremamente descuidada" a lidar com informação confidencial.

Mas o rumo dessa reunião de dia 17 de Maio mudou completamente quando o conselheiro para os assuntos jurídicos recebeu um telefonema do attorney general adjunto, Rod Rosenstein, o homem que assumira a responsabilidade pela investigação do FBI às suspeitas de conluio com a Rússia depois de o seu superior, o attorney general, Jeff Sessions, se ter afastado de forma voluntária de todo o processo – quando foi nomeado por Donald Trump, Sessions disse perante o Senado, nas audições para a sua confirmação, que não falou com responsáveis russos enquanto esteve na campanha eleitoral de Trump, mas depois veio a saber-se que conversou com o então embaixador da Rússia em Washington.

Segundo o New York Times, o attorney general adjunto telefonou ao conselheiro da Casa Branca para lhe transmitir que tinha acabado de nomear um procurador especial para tomar conta das investigações sobre a Rússia – uma exigência feita por vários congressistas tanto do Partido Democrata como do Partido Republicano, que estavam a ficar cada vez mais incomodados com a forma como James Comey tinha sido despedido do FBI e, por consequência, também afastado da investigação sobre a Rússia.

Assim que soube dessa nomeação, ainda durante a reunião do dia 17 de Maio na Sala Oval, Donald Trump explodiu numa sessão de ofensas contra Jeff Sessions: entre outras coisas, o jornal diz que o Presidente chamou "idiota" a Sessions e disse-lhe que o melhor que tinha a fazer era apresentar a sua demissão – Sessions foi o alvo da fúria de Trump porque o Presidente acusou-o de ter deixado a investigação escapar das mãos do Departamento de Justiça ao afastar-se do processo, uma decisão que resultou na nomeação de um procurador externo e independente, Robert Mueller.

Sentindo-se desautorizado e humilhado após uma carreira de 20 anos no Senado e depois de ter sido o primeiro apoiante de peso da candidatura de Trump, Sessions chegou a enviar uma carta de demissão, mas os conselheiros da Casa Branca convenceram o Presidente a voltar atrás porque já chegava o despedimento do director do FBI para causar polémica.

Jeff Sessions aceitou permanecer no cargo porque o seu principal objectivo quando aceitou a nomeação ainda estava ao seu alcance: tinha poderes para reforçar as fronteiras e limitar a entrada de imigrantes sem documentos, aquela que foi sempre a sua grande luta política no Senado. Assim que teve oportunidade, Sessions anunciou o fim do programa DACA (Deferred Action of Childhood Arrivals), lançado por Barack Obama para proteger as pessoas que foram levadas para os Estados Unidos quando eram crianças, mas o Presidente acabaria por voltar a tirar-lhe o tapete: há duas semanas, anunciou um acordo com o Partido Democrata para ressuscitar o DACA e escreveu no Twitter que essas quase 800 mil pessoas entraram no país "sem terem culpa própria".

A dupla Flynn e Manafort

E é neste estado que a Casa Branca vai gerindo a investigação às suspeitas de conluio entre elementos da campanha de Donald Trump e a Rússia: com um Presidente de costas voltadas para o seu Departamento de Justiça, e com um procurador especial apostado em não só levar o caso até às últimas consequências como em fazer demonstrações de força.

Segundo o New York Times e o Washington Post, nas últimas semanas Robert Mueller enviou uma série de pedidos de documentos à Casa Branca sobre 13 áreas distintas que, de uma forma ou de outra, podem vir a implicar o próprio Presidente – são registos de processos de decisão de Trump, incluindo o rascunho de uma resposta feito a bordo do Air Force One, em Julho. Esse rascunho serviu de base à resposta de Trump numa entrevista ao New York Times sobre uma reunião entre o seu filho mais velho, Donald Trump Jr., e uma pessoa supostamente ligada a Moscovo que dizia ter em sua posse informação comprometedora sobre Hillary Clinton – na resposta ao jornal, Trump disse que essa reunião serviu apenas para se falar sobre as leis de adopção entre os dois países.

Para ir juntando as peças do puzzle, o procurador Mueller tem dois alvos principais no seu ponto de mira. Um deles é Michael Flynn, nomeado conselheiro de Segurança Nacional a 20 de Janeiro e afastado por Trump a 13 de Fevereiro, depois de se ter sabido que também ele teve conversas com o então embaixador da Rússia em Washington no ano passado; o outro é Paul Manafort, que foi director de campanha de Trump entre Junho e Agosto do ano passado, e que está a ser encostado à parede por Mueller devido às suas ligações profundas e antigas à Rússia – em Agosto, os agentes do FBI fizeram um raide à casa de Manafort com grande aparato.

A estratégia de Mueller poderá passar por apertar Manafort e levá-lo a colaborar com as investigações, o que pode vir a dar dores de cabeça a outros antigos apoiantes de Donald Trump e actuais responsáveis da Casa Branca. Segundo o Washington Post, os investigadores têm em seu poder um e-mail enviado por Paul Manafort no dia 7 de Julho do ano passado (quando era responsável pela campanha de Trump) em que se disponibilizava para passar informações a Oleg Deripaska, um dos oligarcas russos mais próximos do Presidente Vladimir Putin. 

"Se ele precisar de reuniões privadas, podemos arranjar isso", escreveu Paul Manafort, segundo o Washington Post – ainda que nem Manafort nem Michael Flynn tenham passado informações sobre a campanha eleitoral à Rússia, os investigadores acreditam que tanto um como o outro ficaram vulneráveis a tácticas de chantagem que poderiam pôr em perigo a segurança nacional dos Estados Unidos.

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