Portugal "a comando da usura"

Os fantasmas da troika, dos mercados financeiros, das agências de rating e da banca (portuguesa e estrangeira) continuam a pairar sobre os portugueses.

Como proclamou, no século XX, o grande poeta americano Ezra Pound, num dos seus mais admiráveis poemas (o Canto 45), vivemos “a comando da usura”, e “a usura é uma praga”, é um ”pecado contra a natureza”, é “um cancro no azul”. Como ele escreveu poeticamente: “Com usura nenhum homem tem casa de boa pedra / blocos lisos e certos…”; “Com usura /nenhum homem tem um paraíso / pintado na parede da sua igreja…”; “Com usura (…) / nenhum quadro é feito para durar e viver connosco, / mas para vender, vender depressa…”.

Menos poética e mais prosaicamente, a usura é – segundo todos os dicionários – sinónimo de agiotagem, mesquinhez, avareza, sovinice, tacanhez, forretice. E desgaste, acrescento eu.

Infelizmente, os fantasmas da troika, dos mercados financeiros, das agências de rating e da banca (portuguesa e estrangeira) – símbolos da agiotagem, da mesquinhez e da usura – continuam a pairar sobre os portugueses – querendo impor-lhes mais políticas de austeridade, mais medidas para facilitar os despedimentos de trabalhadores e exercendo mais pressões para que sejam os contribuintes a pagar os desvarios e desmandos da banca – segundo a lógica perversa que considera que os lucros são para beneficiar os accionistas e os prejuízos são para ser pagos pelos cidadãos.

A verdadeira ameaça que continua a pairar sobre a nossa democracia – sobre as possibilidades de desenvolvimento do país, e sobre o direito ao bem-estar dos cidadãos – continua a ser o governo invisível, ilegítimo e antidemocrático dos plutocratas e dos tecnocratas que os servem.

Além do regresso da troika, das ameaças das agências de rating e da intransigência da Comissão Europeia, voltou a estar na ordem do dia o grave problema do BES e do Novo Banco. Que veio acrescentar-se ao grave problema do BANIF. E, a este propósito, vale a pena lembrar o que Pacheco Pereira escreveu sobre este “caso”, em Dezembro passado, no PÚBLICO. Cito:

– "A história do BANIF é exemplar dos tempos que correm. Ela mostra tudo o que está errado nas políticas europeias e nacionais, se é que se pode falar ainda de 'políticas nacionais'. Aliás, o caso do BANIF revela até que ponto os governos aceitam ser geridos pela burocracia europeia não eleita, em decisões objectivamente contrárias ao interesse nacional e à sua própria vontade, eles que são eleitos. Este é um dos aspectos mais preocupantes da actual situação política portuguesa e europeia: a utilização, muitas vezes abusiva e excessiva, das chamadas 'regras' europeias, para impor políticas ideológicas conservadoras e soluções que correspondem a interesses particulares de outros países, de outras bancas, de outras economias, a Portugal".

É contra esta lógica infernal que é preciso lutar. É preciso mudar de vida, isto é, mudar a vida das pessoas, da sociedade e do Estado. É preciso que nos libertemos – passo a passo, gradualmente, mas firmemente – deste modelo de sociedade dominada pelos ricos e poderosos, em que o capital financeiro se impõe e sobrepõe ao trabalho, em que a economia se impõe e sobrepõe à política, em que os dogmas neoliberais se impõem e sobrepõem aos princípios e valores da democracia.

Como também escreveu o Pacheco Pereira, "para sairmos desta lama que nos tolhe, temos que pensar diferente, falar diferente, e fazer diferente. Nem que seja pouco diferente, visto que, como isto está, basta um pouco de diferença para parecer uma revolução".

O Governo do PS, apoiado por uma maioria de esquerda na Assembleia da República, começa agora a ser confrontado e pressionado pelos poderes não democraticamente eleitos – FMI, BCE, Comissão Europeia, agências de rating, governo alemão – que impõem ao país a usura, a agiotagem e um desgaste cada vez mais profundo das nossas instituições democráticas. Apesar dos erros gravíssimos que esses mesmos poderes não democráticos admitem ter cometido, nem por isso tencionam corrigi-los e parecem, até, querer repetir connosco todo o mal que fizeram à Grécia. Têm entre nós uma poderosa “5.ª coluna” de colaboracionistas prontos a ajudá-los. Se nos rendermos às suas imposições, estamos perdidos, e, no sombrio horizonte que então se nos abrirá, correremos o risco de ver regressar ao poder a direita que nos esmagou durante os últimos quatro anos.

Como Antonio Gramsci, também eu sou "um pessimista por causa da inteligência, mas um optimista por causa da vontade". Só é vencido quem desiste de lutar.

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