Alternativa pós-troika

A política europeia já não é política externa, está no centro da política nacional.

O que está hoje em causa não é apenas saber como saímos dum resgate, mas também que rota vamos conseguir lançar para o futuro: a de um país desvitalizado e subalterno ou a dum país que consegue renovar-se, equilibrar-se e assumir-se como parceiro adulto da construção europeia?

O facto da saída do resgate coincidir com uma possível mudança no quadro europeu, por força das próximas eleições, abre uma oportunidade histórica para Portugal que não pode ser desperdiçada. Mas para isso, precisamos dum governo à altura.

Na sua recente visita, a Troika reinsistiu na sua solução: prioridade absoluta à redução do défice público em grande ritmo, mesmo que o preço a pagar seja amarrar o país a um crescimento anémico, a um investimento medíocre, à perda do seu potencial humano, a um Estado social fragilizado, a uma competitividade baseada em salários decrescentes e a um pagamento da dívida apenas apertando o cinto. É esta a rota que queremos para o nosso país? Dizem-nos que temos de nos conformar, que não há alternativa... Mas há alternativa!

Estamos a lidar com uma corrente política extrema, que tem poder mas está em retrocesso nas instituições internacionais (FMI), europeias e governos, entre os quais o nosso. Para esta corrente, a solução deve centrar-se em reduzir rápidamente o desequilíbrio orçamental para recuperar a confiança dos mercados no financiamento do país. Isto pode justificar-se num momento extremo de estrangulamento financeiro, mas não se justifica agora, nem ad eternum. Ora as metas de médio-longo prazo preconizadas para Portugal – e que o Governo assume- são reduzir o défice orçamental com rapidez por forma a sair de défice excessivo em 2014, atingir um superavit de 4% e um défice estrutural de 0,5% em 2017 e reduzir o ratio da dívida sobre PIB para 60% até 2030. Pedir a um país da zona euro que se concretize tais metas sózinho, quando ainda faltam intrumentos chave na nossa união económica e monetária, é impraticável económica e políticamente e isso será compreendido muito em breve!

O primeiro balanço está à vista. O défice público e externo desceram, mas através duma via que ficará nos anais dos erros evitáveis. A grande subida de impostos combinada com uma grande contracção de crédito destruiu muitas empresas e empregos viáveis, empolou o desemprego e a pobreza, contraiu a procura interna e o PIB e acabou por aumentar o nível de endividamento. A extroversão de empresas para sobreviver exportando foi um resultado positivo, mas demasiado assente em factores retrógados como a redução de salários e o desperdício de jovens qualificados. A retoma que agora vemos, assente em bases tão penalizadoras e centrada nesta obsessão pela redução do défice é a rota que a Troika nos propõe para futuro.

É a isto que é preciso contrapor uma alternativa consistente. Que assuma os problemas que temos de resolver, que mobilize o esforço nacional na direção certa, mas que tambem saiba tirar partido daquilo que o quadro europeu nos pode e deve proporcionar. Estes problemas são sem dúvida a redução do défice e dívidas públicas, mas são também a reabsorção do desemprego, a sustentação do nosso Estado social e o reforço da nossa competitividade em bases de futuro, ou seja de inovação, qualificação e transição energética. E isso exige meios para investimento certeiro e inteligente.

Ora a estratégia para concatenar tudo isto tem de ser discutida em termos mais precisos. Para o governo, é necessário reduzir o défice rápidamente – mesmo que isso trave o crescimento e aumente a pobreza – para que as taxas de juro desçam e o peso da dívida possa diminuir. Para uma real alternativa, a redução desse peso é necessária, mas deve operar sobretudo através da subida da taxa de crescimento, que terá também a vantagem de elevar a taxa de emprego e a sustentabilidade do Estado Social. Para que o peso da dívida diminua é também muito importante que as taxas de juro desçam, mas isso deverá ocorrer pela melhoria de todas estas condições e pela ação europeia, e não apenas pelo apertar do cinto em Portugal.

Reduzir o défice e equilibrar as finanças públicas? Sim, mas com um ritmo e com uma modernização do Estado que permita alavancar o crescimento e garantir a coesão, com maior eficácia e eficiência. Tem de haver redução de custos, mas ela não pode sacrificar nem a qualificação do Estado, nem investimentos estratégicos, nem a igualdade de oportunidades e muito menos os níveis básicos de dignidade pessoal que tem de haver na nossa sociedade.

Melhorar a sustentabilidade do Estado social e do sistema de pensões? Sim, mas começando por elevar taxa de emprego, que é a melhor forma de reduzir despesas e aumentar receitas. A convergência, a actualização e o financiamento das pensões tem de ser afinadas, mas com base numa sólida apreciação de alternativas e concertação social. Cortes retroactivos em pensões atribuidas é que não são aceitáveis e, por isso, elas devem ser repostas em função da recuperação económica.

Mas a verdeira marca distintiva desta alternativa pós-troika é uma acção concertada para responder ao que tem sido desde 2000 o problema central do país: crescer mais rápido e melhor e para reforcar a competitividade portuguesa com base em factores de futuro e não pela compressão dos salários e condições de trabalho. Isto implica identificar novas actividades, onde Portugal possa apostar e produzir com padrões de excelência internacional, potenciando os seus recursos humanos e a sua capacidade empresarial, mas também atraindo parceiros que possam melhorar a sua posição nas grandes redes internacionais.

É para tudo isto que Portugal tem de negociar com as instituições europeias que vão ser renovadas pelas próximas eleições, uma verdadeira agenda de recuperação económica e social, que dê garantias quanto ao cumprimento das suas obrigações de membro da zona euro, mas também saiba tirar partido das margens de manobra já existentes, assim como influenciar o desenho em curso dos intrumentos para completar a união económica e monetária. Precisamos de uma UEM que produza convergências e não divergências financeiras, económicas e sociais e precisamos de uma União Política que respeite o princípio de igualdade entre Estados e entre cidadãos. E isto pode ter consequências muito precisas:

– no reequilíbrio das finanças públicas, é preciso proteger o potencial de crescimento e desenvolver uma capacidade orçamental da zona euro que complemente os orçamentos nacionais

– na gestão da dívida, é preciso contar com o BCE para manter as taxas de juro mais baixas e a inflação mais alta e construir instrumentos europeus de gestão de dívida que complementem os nacionais

– no apoio ao crescimento, é preciso desenvolver uma verdadeira política industrial e de inovação europeia para a competitividade global e coordenar as economias nacionais para sustentar a procura interna europeia.

É por tudo isto que Portugal deve estar representado doutro modo na frente Europeia, no Parlamento e no Conselho. A política europeia já não é política externa, está no centro da política nacional.

Professora catedrática, conselheira na UE, candidata ao Parlamento Europeu pelo PS

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