Teixeira dos Santos estranha que Governo considere plano da troika “mal negociado”

Aprovação do PEC IV teria evitado pedido de resgate, considera o ex-ministro das Finanças. Leitura dos acontecimentos de 2011 segue “narrativa” de José Sócrates, com quem garante conversar “de vez em quando”.

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Teixeira dos Santos diz que, sem o euro, a Europa perde terreno na economia global PÚBLICO/Arquivo

Percorridos dois anos da aplicação do programa da troika, o ex-ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, acredita que Portugal não precisa de mais tempo nem de mais dinheiro para cumprir o plano de resgate negociado em 2011 com a Comissão Europeia, o BCE e o FMI. O ex-ministro das Finanças – que nesta quarta-feira deu à TVI a sua primeira entrevista de fundo desde que deixou o Terreiro do Paço – estranha a mudança de discurso do Governo em relação à troika e contesta que “venham agora dizer que [o programa] foi mal negociado”.

Com uma “narrativa” idêntica à de José Sócrates sobre os acontecimentos que levaram ao pedido de resgate, Teixeira dos Santos marcou um antes e um depois do chumbo do PEC IV, em Março de 2011, insistindo que esse foi o acontecimento determinante que conduziu ao pedido de resgate, a 6 de Abril desse ano, por precipitar uma descida em cadeia dos ratings da República e das notas de crédito dos bancos portugueses.

Se a rejeição do programa de estabilidade não tivesse acontecido, defendeu, Portugal teria evitado o pedido de resgate, contando para isso com o apoio da Comissão Europeia, do BCE e de “uma grande potência”, a Alemanha.

A posição é a mesma que José Sócrates assumiu quando regressou aos holofotes televisivos. E, nesta quarta-feira, na TVI, Teixeira dos Santos rejeitou ter sido desleal para com José Sócrates ou de precipitar o pedido de assistência, quando ao final da tarde de 6 de Abril o Jornal de Negócios publicou declarações suas dizendo ser necessário pedir ajuda. “Tinha de ser leal comigo próprio e com o país”.

Teixeira dos Santos garantiu que não o fez “à revelia do primeiro-ministro, porque não tinha de pedir autorização” para falar à comunicação social. “Não quero ter essa vaidade, de ter sido eu quem deu o empurrão ao primeiro-ministro”, reforçou. Desvalorizando “o episódio”, disse ter continuado a trabalhar com Sócrates até ao final do Governo. E assegurou não estar de relações cortadas com o ex-primeiro-ministro, com quem, aliás, diz conversar “de vez em quando”.

Quando, em Março, José Sócrates reapareceu na vida pública portuguesa, o ex-primeiro-ministro garantia na RTP que não foi a declaração de Teixeira dos Santos ao Jornal de Negócios que levou ao pedido de resgate anunciado nesse mesmo dia em directo nas televisões.

Insistindo que a aprovação do PEC IV teria afastado o resgate financeiro internacional, o ex-ministro adiantou, porém, que, mesmo nesse cenário, acabaria por sair da pasta das Finanças, que ocupou durante seis anos. “Quando muito, arrancaria com os trabalhos de preparação do Orçamento [para 2012], mas não me aguentaria” muito mais tempo no Governo, admitiu. “Era altura de refrescar”, disse, mas também sairia “por razões de natureza pessoal”.

Decida de impostos será “difícil”

Fazendo marcha atrás no tempo, Teixeira dos Santos reconheceu implicitamente responsabilidades na crise financeira – já o fizera quando, nas poucas aparições públicas nestes dois anos, foi a uma audição parlamentar sobre as parcerias-público-privadas (PPP) no início deste ano. Mas contrapôs que o Governo seguiu a “estratégia definida” sob orientação do Plano Barroso de estímulo às economias e acrescentou ter começado a inverter a estratégia expansionista nas negociações para o Orçamento do Estado para 2011, com a emergência da crise grega e o agravamento da situação na Irlanda.

Não é a primeira vez que Teixeira dos Santos faz esta leitura deixou o Terreiro do Paço. Quando foi chamado ao Parlamento em Janeiro deste ano, assumiu responsabilidades na crise financeira. E já nessa altura considerou o chumbo do PEC IV um foco de instabilidade.

Agora, questionado sobre que decisões se arrepende de ter tomado, hesitou, mas assumiu: “Diria que há várias coisas que não deveríamos ter feito”. “Não teria descido a taxa de IVA” e não teria aumentado os salários da função pública em 2009, disse. Mas, hoje, diz, “é fácil dizê-lo” adivinhando o que enfrentaria a partir de 2010.

Grande parte da entrevista foi dedicada a falar do passado. De fora ficou o tema pelo qual foi ouvido na Directoria do Norte da Polícia Judiciária, no Porto, no âmbito da investigação às PPP.

Do pouco que comentou sobre o actual Governo e o seu sucessor, Teixeira dos Santos reconheceu as dificuldades de governar neste momento, mas criticou o Executivo por ter quebrado “um elo de confiança” com os cidadãos. Considera “difícil” haver uma descida de impostos e liga este discurso ao “facto de haver eleições autárquicas em Setembro”.

Notícia corrigida às 23h34: Na entrada da notícia, referiu-se erradamente que o “chumbo do PEC IV” teria, na opinião de Fernando Teixeira dos Santos, evitado o pedido de resgate, quando o ex-ministro das Finanças se referia a um cenário de aprovação do programa.
 

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