Não ao fecho do Institut Français au Portugal

O governo francês está a desinvestir no continente em que a França se constituiu num mosaico de nações oriundas das matrizes fundadoras da identidade europeia, a cultura grega e a herança judaico-cristã.

A petição “Não ao fecho do Institut Français au Portugal”, lançada por personalidades de vários sectores socioculturais, ultrapassou cinco mil assinaturas e prossegue.

Apresentado como uma mudança de instalações do Instituto da Av. Luís Bívar, centro da cidade, perto de diversas Faculdades, do Liceu Charles Lepierre, da Biblioteca Nacional e da Cinemateca, para a Embaixada Francesa em Santos, o processo em curso representa o desmembramento do excelente património cultural material e simbólico, vivo e actuante do Instituto Franco Português, IFP. Intenção semelhante foi bloqueada em Berlim graças ao vasto movimento cidadão.

A perplexidade e a inquietação que fez emergir a petição contra o encerramento do mais importante centro de difusão da cultura francesa em Portugal não cessam de aumentar perante o anúncio da mudança do IFP, mudança colorida por argumentos ambíguos e contraditórios. Também, em França, agentes políticos e culturais exprimiram desacordo perante tal decisão, que compromete a presença e influência culturais francesas em Lisboa, anunciada inesperadamente através da comunicação social, sem informação e consulta prévia das entidades prestadoras de serviços, de parceiros e mesmo de funcionários. Vários deputados franceses da Comissão Inter Parlamentar de Amizade entre França e Portugal manifestaram-se em carta a Laurent Fabius, Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Desenvolvimento Internacional. Em carta de 28 de Outubro de 2014, ao mesmo ministro, Arnaud Leroy, deputado pelo Círculo da Europa dos “Franceses residentes fora de França” considera que “a questão da estratégia cultural e do próprio papel do Instituto Francês em Portugal, fica por definir” e levanta várias interrogações, entre as quais sobre a dita mudança para instalações bem menores, não dotadas de um auditório e de espaços convergentes da acção inerente ao IFP até à actualidade. O mesmo deputado, em carta de 13 de Dezembro de 2014, a Jack Lang, actual presidente do Instituto do Mundo Árabe, ministro em 1984, data da inauguração das actuais instalações do IFP, alerta para o facto de o previsto fecho “prejudicar a estratégia de influência francesa em Portugal”.

No mesmo sentido pronunciam-se os conselheiros consulares Françoise Conestabile, Françoise da Silva, Laurent Goater, e Mehdi BenLachen. Em entrevista a lepetitjournal, Laurent Goater, eleito na lista “Français du Portugal - Union de Centre Droite” censura que, depois de afirmar inequivocamente a importância da presença diplomática “como braço armado da expansão económica no estrangeiro”, o Governo suprima “os actores que se encontram no terreno” encerrando consulados e institutos sem “um plano coordenado discutido com os eleitos, para estudar, por exemplo, se existem soluções mais económicas para gerir de outro modo as instalações existentes.” E acrescenta que “ Apresentar o regresso do IFP às instalações de origem como uma banalidade é um abuso de linguagem. Hoje temos um belo auditório, um lugar de encontro, uma bela biblioteca situados em pleno centro da cidade. Nada disto existirá depois da mudança. Na melhor das hipóteses algumas salas e uma mediateca mais pequena! (...) a cultura vai tornar-se confidencial nas paredes da embaixada”.

Mehdi Ben Lahcen, conselheiro na Assembleia dos Franceses do Estrangeiro, Presidente do grupo “Français du Monde, écologie et solidarité, na Assembleia dos Franceses do Estrangeiro, conselheiro consular para Portugal e Presidente de “Français du Monde” - ADFE Portugal, salienta que embora o IFP se destine “quase exclusivamente a um público português, as instalações situadas na rua Luís Bívar, têm uma grande importância na comunidade francesa, é um lugar, centro de encontros e ponto de referência da comunidade. Esta venda é pois uma má notícia”. Duvidando que “esta venda obedeça a qualquer reforma do Estado Francês, ou mesmo a uma visão estratégica de conjunto” e receando que a mudança anteceda o total encerramento, mais ou menos breve, do IFP, Mehdi Ben Lahcen, na qualidade de conselheiro consular, declara que “se associará a toda a iniciativa vinda de meios culturais e políticos portugueses, tendo por fim salvaguardar” o edifício e manifesta preocupação perante as “consequências humanas deploráveis” traduzidas em processos de despedimento já em curso: “Estarei vigilante às condições nas quais serão efectuados os despedimentos e atento às medidas propostas as pessoas atingidas”. Note-se já o aviso de “dispensa”, ou seja de despedimento de trabalhadores, nomeadamente dos que na biblioteca e mediateca, com muitos anos de serviço, representam uma significativa mais-valia pelo conhecimento profundo da oferta cultural contida na biblioteca e na mediateca.

Ainda que os conselheiros tenham apresentado um projecto de permanência do IFP nas actuais instalações, prevendo mesmo o envolvimento do Liceu Charles Lepierre que assim disporia de um auditório, e manifestem total empenhamento para se associarem ao estudo de alternativas, as interrogações e sugestões colocadas permaneciam sem resposta.

Em recente entrevista a lepetitjournal, o director do IFP, Azoug Begag à primeira questão sobre a mudança de instalações do IFP que, nas palavras do jornalista, “para alguns se assemelha a um encerramento”, responde que, tendo o actual IFP trinta anos, “uma nova história começa. Em França, o número 30 é um número culto (os 30 Gloriosos, a guerra dos 30 anos, os amigos de 30 anos) e não é anormal que depois de três decénios, a França repense a sua influência cultural em Portugal em função do novo contexto cultural económico e financeiro que vivem Portugal e a França”.

O desenvolvimento da entrevista torna claro que a denominada mudança do IFP para a área da Embaixada em Santos corresponde de facto a fragmentação e desmantelamento do mesmo. A biblioteca, mostra singular da cultura francesa, particularmente na área das Ciências Humanas, (Filosofia, História, Política, Religião e Sagrado, Sociologia, Arte, Antropologias, Artes) vai ser simplesmente diluída como informa a catastrófica decisão do director do Instituto “Nós vamos colocar em depósito em diferentes bibliotecas da Lisboa, os nossos livros em francês sobre um ou outro tema”, anunciando para o residual “instituto “a especialização em banda desenhada e em literatura contemporânea”, domínios acessíveis na oferta comercial portuguesa. Todo o magnífico património da biblioteca do actual IFP, oferta única quantitativa e qualitativa, vai ser fatiada, ignorando-se ou simplesmente desprezando-se a metodologia de pesquisa, o carácter inter e transdisciplinar da investigação, favorecido no contexto de uma oferta plural num local único aos utentes. Suspeitamos que o mesmo destino aguarda a mediateca, constituída não somente por grandes clássicos de cinema francês mas também abrangendo obras de divulgação cultural desde conferências de grandes intelectuais franceses a domínios diversos da arte, pintura, filosofia, escultura, ballet, assim como o espólio musical plenamente diversificado no género e na origem da nacionalidade.

O conselheiro consular, Laurent Goater sugere que “a França parece ter feito a escolha de investir noutro local que não em Portugal”, mas o processo é bem mais vasto. O governo francês encetou, de facto, uma reestruturação consular “por todo o mundo”. Alarmante é verificar que essa reestruturação salda-se na Europa por encerramento de consulados e de outros núcleos fundamentais na permanência e expansão da cultura francesa. O governo francês está a desinvestir no continente em que a França se constituiu num mosaico de nações oriundas das matrizes fundadoras da identidade europeia, a cultura grega e a herança judaico-cristã. A identidade cultural europeia, primordial, da qual emergiram todas as outras vertentes identitárias, económica, política (vertentes actualmente em desagregação na voragem financeira de mercados agindo como caçadores segundo a metáfora de Zigmund Bauman) corre o risco de liquefacção. Se a Índia ao cheiro da canela, o nosso reino nos despovoava, como salienta Sá de Miranda, hoje o governo francês, seduzido pela ascensão económica financeira chinesa, investe em Pequim, o que justificando-se, não pode, de modo algum, implicar que se exclua, irresponsavelmente, a cultura francesa da Europa. Estranha demissão, incompreensível alheamento perante a incontornável referência da França na construção histórica e sempre em curso da identidade cultural europeia.

Georges Steiner, na obra A Ideia de Europa, afirma “É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias da literacia e o sentido da vulnerabilidade trágica da condição humana poderiam constituir-se como base. É entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que “a vida não reflectida” não é efectivamente digna de ser vivida”.

O Governo francês, abdica deste regresso?

 

Ana Drago, socióloga, ex-deputada

António Borges Coelho, historiador, ensaísta

António Dimas, professor universitário, pastor protestante

António Nóvoa, professor catedrático, reitor honorário da Universidade de Lisboa

Diogo Freitas do Amaral, professor universitário, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros

Helena Neves, professora universitária, investigadora, ex-deputada

Eduardo Lourenço, professor, filósofo, ensaísta, doutorado honoris causa por diversas universidades portuguesas e estrangeiras

Elza Pais, investigadora, deputada

Helena Roseta, arquitecta, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, ex-deputada,

Inês de Medeiros, actriz, realizadora, deputada

Isabel Pires de Lima, professora catedrática, ex- Ministra da Cultura, ex-deputada

Irene Pimentel, historiadora, investigadora, ensaísta.

José António Pinto Ribeiro, advogado, ex Ministro da Cultura

José Bragança de Miranda, professor universitário, investigador, ensaísta

Lídia Jorge, escritora

Luís Moita, professor universitário, director do Departamento das Relações Internacionais da Universidade Autónoma

Mário de Carvalho, escritor

Maria Teresa Horta, escritora

Martins Guerreiro, contra almirante, engenheiro construtor naval

Miguel Honrado, gestor cultural

Sérgio Sousa Pinto, deputado e Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros

Viriato Soromenho Marques, professor catedrático, investigador, ensaísta

Petição em https://www.change.org/p/sauvonsifp

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