Os fantasmas de Trump e Hillary andam à solta em S. Bento

Bloco e PCP, que sempre se arvoraram em ufanos arautos da ética republicana, claudicam e prevaricam à primeira prova.Os velhos moralistas não passam afinal de novos fariseus.

 1. O caso Caixa: um caso sério para a democracia parlamentar

O caso da Caixa – no que concerne à averiguação das vicissitudes de anos e anos de gestão e às obscuridades na designação da administração Domingues – trouxe ao de cima uma pulsão autoritária (de raiz tipicamente “socratista”) do PS. Olhando para o que se passa na Assembleia e, em especial, para a tentativa de esvaziamento dos controlos “demo-liberais” do regime, (através do boicote ao normal funcionamento das comissões de inquérito) parece que política portuguesa anda a imitar o que de pior tem emergido na política norte-americana. Tanto se imita a nefasta pulsão de voluntarismo maioritário de Trump e a sua não menos perniciosa imaginação conspirativa como se reproduz o lado negativo – de arrogância e abuso de poder próprio do establishment – da candidata Hillary Clinton.

2. Trump em S. Bento: sementes da democracia iliberal

Na vertigem do abafamento do caso Caixa, aquilo que fazem o Governo, o PS, o Bloco e do PCP é justamente seguir os tiques e os trilhos dos adeptos da democracia iliberal e, em particular, da escola manhosa e atabalhoada de Donald Trump. PS, Bloco e PCP estão a impedir, com a mera força de uma maioria numérica, o regular funcionamento de uma comissão de inquérito, vedando audições manifestamente pertinentes (por exemplo, a de Armando Vara), resistindo e tentando ardilosamente obstar ao cabal cumprimento de uma decisão jurisdicional, proibindo o acesso a documentos previamente requeridos depois de conhecido o seu conteúdo, invocando “privacidade” em comunicações de manifesto carácter e interesse público. A tentativa de impedir o funcionamento do mais básico escrutínio parlamentar – promovido, note-se, pelas minorias políticas – é um atentado às instituições “demo-liberais” de controlo e de contrapeso político e constitucional. A democracia não é uma “ditadura da maioria”, nem se consubstancia num “voluntarismo maioritário”: tem regras, organiza remédios, estabelece garantias e direitos, prevê instituições de escrutínio e controlo da vontade das maiorias. E abre-as ao público, à investigação e à revisão dos meios de comunicação social Por isso mesmo, por muito que as visões daqueles partidos possam distar de Trump, a verdade é que a tentativa de boicotar o funcionamento das instituições de controlo e de contrapeso democrático é uma manobra ao melhor “estilo Trump”. PS, Bloco e PCP, em matéria de escrutínio dos problemas ligados à Caixa e à sua relação com o actual e anteriores Governos, seguem os passos e pisam os umbrais da democracia iliberal.

3. Mais Trump: as narrativas conspirativas  

O “estilo Trump” está tão presente nesta controvérsia que todos os argumentos do primeiro-ministro, do Governo e dos partidos que o sustentam tentam desviar as atenções e apontam para narrativas conspirativas. O PCP e o Bloco não param de dizer que PSD e CDS não desistem do escrutínio parlamentar porque querem favorecer a banca privada e impor a privatização da Caixa. Trata-se de uma invectiva delirante destinada a distrair e, diga-se, típica do modo de actuação de Trump, que foge para a frente, alimentando conspiratas implausíveis. António Costa, por sua vez, entrincheira-se na ideia de que tudo não passa de uma cabala para esconder os supostos bons resultados de Mário Centeno. Dizer que PSD e CDS são inimigos do interesse nacional, desejam o insucesso da recapitalização da Caixa ou do país não responde substantivamente a nada e configura uma argumentação típica do estilo “trumpista”. Quem discorda ou quem duvida, está contra a nação: ponto final! Ora, o PSD e o CDS não escolheram António Domingues, não negociaram com ele e os seus advogados, não o puseram a negociar com Bruxelas enquanto administrador de um concorrente, não disseram nem se desdisseram, não criaram nenhum facto que gerasse instabilidade na Caixa e nos seus destinos. Limitam-se a cumprir a função de controlo e de escrutínio que lhes cabe constitucionalmente, nada mais. Como oposição, claro está. Legítima e necessária.   

4. Também Hillary: a inspiração na conta privada de “e-mail”

Mas PS, Bloco e PCP não se contentam em copiar o inenarrável “estilo Trump”. Também se inspiram no lado negativo de Hillary, que, em grande parte, a fez perder a contenda eleitoral. Alguém estará esquecido de que Clinton, enquanto secretária de Estado de Obama, usou massivamente uma conta privada de email privado em que curou de assuntos públicos?

O tempo do papel passou. Hoje é impensável tratar de assuntos públicos sem recurso ao correio electrónico e às telecomunicações. E isso, embora carecido de garantias e novos enquadramentos, muda a própria noção de privacidade. Não por acaso, o Estado põe à disposição dos governantes, pagos pelos contribuintes, computadores, telemóveis e contas de email. Como pode alguém sustentar que mensagens escritas em que se trata da redacção e da formulação de uma lei são “comunicações privadas”? Se assim fosse, estava encontrada a fórmula sagrada para fugir a qualquer escrutínio público: sempre que se quisesse escapar ao controlo, actuava-se à Clinton. O telemóvel e o computador dos ministros seriam santuários de imunidade e irresponsabilidade, ilhas do Estado de não direito. O interesse público no acesso ao conteúdo dos sms e dos emails é aqui patente e ostensivo. Qualquer manobra para o impedir não passa de mais um patamar na cavalgada da democracia iliberal.

5. A ética de Bloco e PCP: afinal era moralismo farisaico  

Quem os viu e quem os vê. Afinal, Bloco e PCP, que sempre se arvoraram em ufanos arautos da ética republicana, claudicam e prevaricam à primeira prova. Os mesmos factos e acontecimentos, se passados com um governo que não apoiassem (mesmo que do PS), dariam lugar a rasgar de vestes e a clamores fulminantes de demissão. Os velhos moralistas não passam afinal de novos fariseus, que mudam de valores assim que pastam no prado verde do poder. 

SIM e NÃO

SIM. Graça Carvalho. Há quinze dias recebeu o prémio Maria de Lurdes Pintasilgo. Uma justíssima distinção para uma mulher, cientista, pedagoga e política que dedica a sua vida a promover e a fomentar a ciência. Pintasilgo estaria orgulhosa.

NÃO. Ministro da Educação. A redução de aulas de matemática e português para reforçar matérias de objecto diletante mostra que o pesadelo voltou. De um cientista, esperava-se lucidez. Ao menos nos curricula.   

 

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