Santos Silva: “Até agora não há razão para duvidar do Governo iraquiano”

As relações luso-iraquianas não estão em causa. China, Brasil e África são os três principais pontos cardeais da bússola do Palácio das Necessidades, com António Costa a visitar Luanda até ao fim do ano. O futuro das Lajes depende dos timings norte-americanos.

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Enric Vives-Rubio

A uma semana de se reunir em Nova Iorque, no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, com o seu homólogo iraquiano Ibrahim Al-Jaafari, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, na passada quinta-feira, não antevia problemas para as autoridades de Bagdad levantarem a imunidade diplomática aos gémeos Haider e Ridha Ali, filhos do embaixador do Iraque em Lisboa. O Ministério Público solicitou esta diligência para os dois jovens serem ouvidos como arguidos por possível crime de homicídio na forma tentada, no inquérito da agressão a Ruben Cavaco, na madrugada de 17 de Agosto em Ponte de Sor. “Até agora não há nenhuma razão para duvidar do Governo iraquiano”, declarou ao PÚBLICO Augusto Santos Silva.

“As autoridades de Bagdad disseram que actuariam de forma a que o caso se esclarecesse e que esperavam que em nada afectasse as relações entre os dois países”, prossegue o chefe da diplomacia de Lisboa. “Aliás, o embaixador iraquiano fez junto do nosso chefe do protocolo, que tem a responsabilidade das questões de imunidade, uma declaração no mesmo sentido, e as declarações públicas dos suspeitos [Haider e Ridha] foram também no sentido de quererem esclarecer os factos e o caso em Portugal”, destacou.

O enunciado deste propósito indicia, à partida, que os iraquianos parecem não considerar a possibilidade de levarem perante a justiça do seu país os filhos do seu embaixador em Lisboa, sendo que todo o processo decorreria em Portugal. “Como somos um Estado de direito, a única maneira que temos de esclarecer o caso é através das autoridades judiciárias e judiciais competentes”, refere Santos Silva.

O titular da pasta dos Negócios Estrangeiros é peremptório. “Não tenho nenhuma razão que me leve a duvidar do interesse do Governo do Iraque em não pôr em causa as relações entre os dois países”, insiste. “Não me parece que seja caso disso, porque foi um acontecimento circunstancial, mas muito importante”, afirma. Lisboa, membro da coligação internacional de 60 países que luta contra os jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico, com um contingente de 30 oficiais comandos que fazem instrução à tropa local, entende que Bagdad deve fazer um esforço de reconciliação nacional, em particular inter-religioso, condição para um fim do conflito no qual todas as partes se reconheçam.

Embora Augusto Santos Silva diga que o executivo português sempre teve a mesma posição em relação aos factos de Ponte de Sor, admite uma alteração. “Houve um momento em que compreendi que a questão estava a assumir um tal alarme na opinião pública que, para além da declaração escrita [comunicado oficial], era necessário que o ministro dos Negócios Estrangeiros falasse na primeira pessoa e desse a cara”, reconhece.

Ainda em Nova Iorque, o chefe da diplomacia garante que a candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU será tema dos seus encontros. “Nos momentos em que tal for apropriado não hesitarei, ainda estamos a concluir o mapa das reuniões”, revela. “Todos os candidatos fazem campanha, contactos, apresentam as suas candidaturas. A nossa candidatura e campanha são muito serenas, entendemos que os méritos de António Guterres são evidentes e temos constatado que há um reconhecimento muito forte desses méritos”, congratula-se.

O chefe da diplomacia desvaloriza a polémica sobre o apoio de personalidades portuguesas, nomeadamente de Mário David, vice-presidente da Internacional Democrata do Centro e antigo eurodeputado do PSD, a uma eventual candidatura da búlgara Kristalina Giorgieva, actual comissária do Orçamento e Recursos Humanos e que, com Durão Barroso, esteve à frente do pelouro do Desenvolvimento e Ajuda Humanitária. Giorgieva é da família europeia conservadora. “Reconheço que a questão existe, mas não me preocupa, não me parece que haja qualquer regra escrita ou implícita segundo a qual um português está isento de proceder contra os interesses de outro português só por ser português”, aponta.

Ainda antes do fim do ano, Lisboa espera avanços consistentes quanto ao futuro da base das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores. “Há um timing muito específico, temos de ter consciência que há uma administração norte-americana que vai sair e outra que vai entrar”, recorda a propósito das eleições presidenciais de 8 de Novembro nos Estados Unidos. “O processo de decisão em Washington ainda não terminou, as questões colocadas pelo Congresso ao Pentágono já foram respondidas, mas ainda não há resposta às colocadas pelo equivalente ao nosso Tribunal de Contas”, nota o chefe da diplomacia de Portugal.

Em cima da mesa, depois de os norte-americanos terem decidido a retirada de boa parte dos seus efectivos das Lajes, estão três aspectos: possibilidade de aproveitar aquela estrutura para desenvolver cooperação com os Estados Unidos na área da segurança no Atlântico; necessidade de adaptar o acordo de cooperação e segurança luso-norte-americano à nova realidade, provavelmente através de novas valências, num processo que ainda não está maduro para a decisão; aproveitar o potencial para a cooperação bilateral em áreas civis com os EUA. Neste ponto, inclui-se a possível constituição nos Açores de um Centro Internacional de Investigação Científica na área da oceanografia, clima e espaço que tem vindo a ser trabalhada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Manuel Heitor.

China, Brasil e África

Os objectivos e as bandeiras da política externa portuguesa continuam os mesmos – multilateralismo, regresso à ONU, direitos humanos, oceanos, tratamento da toxicodependência e operações de paz das Nações Unidas –, mas até ao fim do ano haverá na bússola do Palácio das Necessidades três pontos cardeias principais. Em princípios de Outubro, António Costa irá à República Popular da China, numa viagem que termina com uma visita a Macau, ao Fórum Macau. “Queremos intensificar a cooperação com a China em matéria de investimentos, investimento português na China e chinês em Portugal”, enuncia Santos Silva. “Numa primeira fase, o investimento chinês foi em utilities – energia e seguros – apostamos agora no investimento produtivo na área dos componentes na indústria automóvel e no mercado chinês para o agro-alimentar”, concretiza. “Há o interesse da China em criar centros de distribuição de produtos alimentares provindos de países de língua portuguesa, e de utilizar Macau como plataforma para esta cooperação trilateral”, revela.

No início de Novembro, depois da cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa] em Brasília, decorre a bilateral entre Portugal e o Brasil. “A aposta é forte, as relações entre os dois países são muito profundas, estão para além das circunstâncias”, diz o titular dos Negócios Estrangeiros, referindo-se à situação política brasileira. Encarar o Brasil como área de captação de investimento e ultrapassar as elevadas taxas aduaneiras que condicionam as principais exportações portuguesas, como o vinho e o azeite, são os objectivos. Ainda antes da cimeira haverá este mês uma missão chefiada pelo ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas e, em Novembro, o titular da Economia estará à frente de outra delegação.

Do mesmo modo, aproveitando a realização da conferência ibero-americana em Cartagena das índias, na Colômbia, aquele país continua no radar da diplomacia portuguesa através do envolvimento na missão de observadores da ONU para o processo de paz colombiano, para o qual Lisboa já doou 200 mil euros destinados ao Fundo Fiduciário para o Desenvolvimento Rural organizado pela União Europeia.

António Costa também estará em Luanda este ano, em data ainda não acordada, e têm decorrido diversas visitas sectoriais de titulares de várias pastas. “Sabemos as circunstâncias difíceis que vive a economia de Angola, Portugal também passou por circunstâncias económicas difíceis, pelo que estamos à vontade para as perceber e ajudar a que as consequências negativas para as empresas portugueses sejam minoradas”, é a mensagem do ministro dos Negócios Estrangeiros. 

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