‘Agarrem-me senão…’

O Parlamento perdido entre boas iniciativas, silêncios e manobras de diversão.

No mês passado, a Dinamarca aprovou uma lei que prevê o confisco de bens aos refugiados que chegam ao país à procura de paz e de refazer as suas vidas. É uma legislação repugnante, que remete para os tempos negros do nazismo, e que organizações de elevada reputação como o ACNUR, a Cruz Vermelha e o Conselho da Europa consideram ser potencialmente violadora dos tratados internacionais subscritos pela Dinamarca, caso da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Em Lisboa, a Assembleia da República reagiu, tomando dias depois uma posição muito dura, com todas as bancadas a subscreverem um voto de condenação pela nova lei dinamarquesa. Embalados por tão rara unanimidade, uma maioria de deputados do PS decidiu reforçar a dose de indignação e chamar a S. Bento o embaixador da Dinamarca, com carácter de urgência, para explicar a lei do seu país. Depois da tomada de posição inequívoca da Assembleia, esta iniciativa é perfeitamente redundante, não tem efeitos, e sugere um mero acto de propaganda para consumo interno. Este tipo de atitude - ‘agarrem-me senão vou-me a eles’ - não traduz qualquer conteúdo político e, como tal, apenas pode desencadear efeitos perversos a nível das próprias relações diplomáticas, como bem notaram deputados da bancada socialista, onde surgiram dúvidas sobre esta audição.

Tanta azáfama deve explicar o silêncio de todos os grupos parlamentares face ao relatório que o Grupo de Estados Contra a Corrupção (Greco) do Conselho da Europa recentemente emitiu considerando “demasiado permissivo” o regime de conflitos de interesses dos deputados. Um relatório que, mais uma vez, põe o dedo na ferida das lacunas legislativas sobre a falta de transparência e de controlo dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e públicos, entre outros aspectos.

Ficamos orgulhosos que o nosso Parlamento não se cale perante a violação dos direitos humanos, mas isso não implica descuido com a qualidade da nossa própria democracia. E ninguém tolera manobras de diversão.

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