Ucrânia estreou os ATACMS norte-americanos e espera mudar a sua contra-ofensiva

Foram atingidas duas bases aéreas russas no interior do território ucraniano ocupado, com danos significativos, na primeira utilização conhecida dos mísseis de longo alcance.

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Os ATACMS podem atingir alvos a 300 quilómetros United States Army/Handout / Reuters
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Não podia ter sido mais bem-sucedida a primeira utilização no campo de batalha pela Ucrânia dos mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA conhecidos como ATACMS. Segundo Kiev, os dois alvos atingidos durante a madrugada de terça-feira, ambos bases aéreas russas, sofreram danos significativos. A esperança da Ucrânia e dos seus aliados ocidentais é a de que este seja o início de uma mudança definitiva nos rumos das operações em curso.

Ao fim de vários meses de negociações duras, ponderações, hesitações e estudos, os Estados Unidos decidiram aprovar o envio de ATACMS (acrónimo de Army Tactical Missile Systems, ou Sistemas de Mísseis Tácticos do Exército) para a Ucrânia. Quase desde o primeiro dia da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro do ano passado, que o Presidente Volodymyr Zelensky sublinhou a necessidade extrema de contar com este tipo de mísseis no seu arsenal.

Durante vários meses, para a Administração de Joe Biden, a aprovação de entrega destes mísseis com capacidade para atingir alvos a 300 quilómetros com elevada precisão constituía um dilema. Por um lado, a evolução das linhas de batalha no Leste da Ucrânia mostrava que as forças ucranianas precisavam desesperadamente de ter capacidade para atingir alvos militares estrategicamente importantes a muitos quilómetros da linha da frente, bem no interior do território ocupado pela Rússia.

Por outro, no entanto, em alguns sectores de Washington como no Pentágono, por exemplo, de acordo com o New York Times, persistia o receio de que o fornecimento de um sistema de mísseis com um raio de acção muito elevado pudesse fazer escalar a resposta da Rússia. Além disso, o prolongamento do conflito na Ucrânia e a assistência militar constante dos EUA têm esvaziado em ritmo acelerado os stocks de mísseis e de outros tipos de munições.

Aos poucos, a balança em Washington foi mudando a favor da entrega dos ATACMS. Durante o Verão, o Reino Unido e a França concordaram em fornecer à Ucrânia os seus próprios sistemas de mísseis com alcances idênticos ao do modelo norte-americano, abrindo caminho a que a Casa Branca se sentisse mais confortável com a ideia, como explica o NYT. Uma exigência determinante é a de que os mísseis fornecidos pelos EUA não sejam usados para atingir o território russo não ocupado.

Discretamente, os EUA enviaram para a Ucrânia os primeiros ATACMS nas últimas semanas, de acordo com a CNN, e os seus efeitos foram quase imediatos. Na terça-feira, duas bases aéreas russas, em Berdiansk e em Lugansk, foram atingidas e, segundo o Exército ucraniano, foram danificadas pistas de aterragem e destruídos nove helicópteros, um paiol, um sistema de mísseis antiaéreos e várias outras peças de equipamento militar. Foram mortos e feridos dezenas de militares russos nas bases, segundo Kiev.

Zelensky saudou os desenvolvimentos e reservou um agradecimento especial a Biden pelos novos equipamentos. “Os ATACMS provaram o seu valor”, afirmou, durante o habitual vídeo nocturno.

O conselheiro presidencial Mikhailo Podoliak foi mais longe e antecipou a utilização bem-sucedida dos mísseis de longo alcance como um ponto de viragem para o conflito. “Já não há mais locais seguros para as tropas russas dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia”, disse o dirigente através do X (antigo Twitter).

É cedo para saber até que ponto é que a inclusão de mísseis com um alcance tão longo pode determinar uma mudança na contra-ofensiva ucraniana, que tem feito poucos progressos desde que foi lançada, no início do Verão. Apesar de os ATACMS fornecidos à Ucrânia não serem o modelo com maior raio de acção fabricado pelos EUA, as autoridades militares ucranianas acreditam que podem ser fundamentais para atingir alvos muito para lá da actual linha da frente, onde os avanços têm sido raros.

A ideia é aproximar o Exército ucraniano do seu objectivo primordial proposto com a contra-ofensiva: cortar a ligação terrestre entre a Crimeia e o resto dos territórios ocupados.

“Acabámos de ver como é que os ucranianos vão fazê-lo”, disse à Foreign Policy o ex-comandante das forças norte-americanas na Europa general Ben Hodges. “Não é preciso estar em cima da ponte terrestre para a cortar. Se for possível usar mísseis de longo alcance para tornar mais difíceis as movimentações dos russos, então estão bem encaminhados para cortar a ponte terrestre e isolar toda a Crimeia”, explicou.

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