Inteligência Artificial: de Sócrates ao mundo de hoje

O (re)surgimento de novas tecnologias transporta dúvidas e receios, apontando-se quase sempre as já conhecidas como um bem e as novas como perigos ou ameaças transversais às sociedades.

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"O objetivo deste novo passo tecnológico tem/terá como desiderato ajudar o ser humano e não substituí-lo" Rui Soares/Arquivo
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Todos sabemos como os novos tempos exigem o desenvolvimento de capacidades, competências e valores que acompanhem a rápida evolução da era digital e dos ecrãs, principalmente no campo da Educação. Novos tempos que reclamam, de professores e alunos, atitudes ajustadas e que estejam à altura de desempenhar bem os seus novos papéis.

Sócrates rejeitava a escrita defendendo que seria perniciosa para o desenvolvimento do pensamento crítico, uma vez que as pessoas substituiriam a retórica pela escrita e em vez de memorizarem a informação passariam a escrevê-la, deixando a memória vazia de conhecimento.

A verdade é que o tempo veio contrariar, em parte, esse pensamento filosófico, porquanto, como é sabido, a evolução da ciência e do conhecimento, que nos fez chegar até ao presente, assentou na chamada “cascata do conhecimento” e no registo escrito, como base da disseminação do conhecimento.

O (re)surgimento de novas tecnologias transporta consigo dúvidas e receios, apontando-se quase sempre as já conhecidas como um bem para a humanidade e as novas como perigos ou ameaças transversais às sociedades.

Deparamo-nos hoje com o advento da Inteligência Artificial (IA) e logo se erguem vozes alertando para os perigos da dependência desta tecnologia, que poderá inibir as habilidades, o pensamento crítico, as competências humanas, emocionais e sociais, a criatividade, a empatia, os valores e a ética…

Nada de muito novo. Segundo Manuel Pinto, "desde a invenção da escrita e, mais tarde, da imprensa, passando pelo cinema, a rádio ou a banda desenhada, todos os novos processos, veículos e tecnologias de comunicação foram vistos como ameaças potenciais ou reais à socialização dos mais novos". A IA não foge a isto.

A literacia digital reveste-se aqui de uma importância fulcral. Hoje, além da numeracia e da literacia, urge apostar nas competências humanas (sociais e emocionais).

A IA deve representar uma ajuda, mas não podemos nem devemos depender dela, uma vez que um mecanismo ou um robô não podem responder a questões de ordem ética, de reflexão crítica, de valores morais. Podem ser extraordinários instrumentos de suporte, mas temos de estar atentos aos seus possíveis efeitos colaterais. É inegável quanto poderão apoiar as aprendizagens, mas também terão a capacidade destruidora de disseminar a desinformação e o ódio.

Segundo um estudo publicado pela revista Science Advances, o instrumento de conversação entre humano e computador, o ChatGPT-3, e outras ferramentas de inteligência artificial poderão ser mais eficazes na desinformação dos utilizadores de redes sociais do que os humanos.

Existe ainda um caminho a percorrer. A Inteligência Artificial carece de reajuste, pois o motor que nos disponibiliza é ainda resultado do que já existe e não do novo pensamento, de novos desafios e de novas soluções.

O que deveremos ter sempre presente é que a tecnologia não é neutra e pode, para o bem e para o mal, influenciar a vida humana e, no limite, fazer perigar as democracias, não contribuindo para o bem comum, ou seja, para diminuir as desigualdades.

Já no campo da Educação, pode ser uma facilitadora de recursos educativos, independentemente da localização geográfica, fornecendo informação atualizada, potenciando oportunidades educativas, a todos, e de igual forma.

O objetivo deste novo passo tecnológico tem/terá como desiderato ajudar o ser humano e não substituí-lo, servindo para aprimorar as nossas capacidades e conhecimentos.

Afinal, este "novo mundo" para o qual caminhamos, ou melhor, em que já estamos, inelutavelmente, a viver, exige ainda mais — sem prejuízo do irrecusável respeito pelo direito à diferença — esforço comum, articulado e generalizado, a nível individual, familiar, social, institucional, cultural e de cidadania, e isso não está, por ora, nas capacidades da IA.

Parece-me que é irrecusável uma resposta positiva e esperançosa a esse difícil, mas incontornável, desafio que a IA nos coloca, procurando aliar à consciência do aumento exponencial das manifestas virtualidades um forte sentido de responsabilidade, em que o valor da Justiça lato senso continuará, creio, a assumir a maior relevância.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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