ChatGPT nas escolas: um admirável mundo novo?

A dada altura, entre palavras meio sussurradas e olhares cúmplices, comecei a perceber que os meus alunos do ensino secundário usavam já o ChatGPT para as suas pesquisas.

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"Os professores já passaram por muitas mudanças, por isso, saberão aprender a viver com esta também" Andrea Piacquadio/pexels

Entrei na faculdade em 1992. A world wide web tinha surgido no ano anterior e eu não tinha telemóvel, nem computador. Ainda assim, as minhas fontes de pesquisa ampliaram-se nesse ano: passaram da sóbria biblioteca da escola secundária para a imensa biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Um admirável novo mundo.

Durante a licenciatura, tive um beep. Quando acabei o curso, comprei um telemóvel (que ainda não era smart). Depois, um computador. Quando comecei a dar aulas, passei a ter Internet em casa e tinha de desligar o telefone (fixo, claro) para ter linha.

Foram estas as “revoluções” tecnológicas que, de aluna a professora, fui vivendo.

2020. Chegou a pandemia. O uso, enquanto professora, que até à data era pontual e feito essencialmente a partir de materiais educativos ou plataformas criados especificamente para as escolas, deu lugar a uma nova experiência imersiva nas novas tecnologias com as aulas à distância. Correu bem, mas, apesar de alguns benefícios, sabemos que este período comprometeu as aprendizagens dos alunos. Nada substitui a presença. Nada substitui o professor. Nada substituiu os pares.

2023. Pensávamos que tudo voltava ao sítio. Que se recuperavam aprendizagens e que tudo voltaria a ser como era. Não. As marcas da pandemia são ainda visíveis. Aproxima-se a desmaterialização das provas e exames (com início já marcado para o próximo mês com as provas de aferição). Todos, professores e alunos, dominam agora outras ferramentas, é verdade, mas os desafios continuam. E, sem darmos por isso, estamos já a viver uma outra, uma nova revolução — a chegada da inteligência artificial (IA) que, de mansinho, se está também a instalar nas escolas.

Já tinha discutido muito sobre o que ia acontecer no futuro com otimistas e pessimistas quando, finalmente, decidi experimentar o ChatGPT, da Open AI. Foi (demasiado) fácil e intuitivo. Pedi textos, resumos de conceitos ou de capítulos de obras. Tive discussões amigáveis com o ChatGPT sobre a diferença entre "paradoxo" e "oxímoro" num poema de Fernando Pessoa. Pedi-lhe para responder em português europeu. A tudo correspondeu. Bem e depressa.

Depois, a dada altura, entre palavras meio sussurradas e olhares cúmplices, comecei a perceber que os meus alunos do ensino secundário usavam já o ChatGPT para as suas pesquisas e, talvez, para qualquer coisa mais. Comecei a perceber que este avanço da IA estava a entrar nas minhas aulas, embora em segredo. De mansinho, portanto.

E obtive a confirmação rapidamente: pedi aos alunos que, na sequência de um debate sobre um tema de aula, produzissem um texto de opinião. Abreviando as fases intermédias, resolvi dar ao chat o mesmo enunciado que dera aos alunos. Em dois minutos, escreveu o texto. Renovei o mesmo pedido. Outro texto. E mais outro. Sempre diferentes a partir de um mesmo e único enunciado (que funcionou como instrução, ou prompt, na gíria da IA, o que criou já uma nova profissão – o prompter). O resultado foram três excelentes textos, todos escritos de rajada. Diferentes, bem estruturados, com linguagem adequada, argumentos e exemplos diversificados. Mas sem alma.

Depois, recolhi e li os textos realizados pelos alunos a partir do mesmo enunciado. Alguns deles, bem estruturados, com argumentação adequada e ajustada ao seu conhecimento do mundo. Outros, menos bem. Mas todos com a marca dos seus jovens autores de 17/18 anos. Um dos textos, manuscrito, copiado a três mãos, pelos três membros do grupo, estava bem, mas não me parecia deles. Formal, sem alma, embora respeitasse tudo o que era necessário: tema, estrutura, argumentos, exemplos, correção linguística, e até a extensão. Demasiado perfeito. Artificial. Desconfiei. Foi o ChatGPT que fez.

O último dos trabalhos tinha chegado via e-mail e soou-me familiar, embora não tivesse lido nenhum igual. Também este era excessivamente perfeito e correto. Por estar em formato digital, foi fácil usar o AI Content Detector –​ Detect ChatGPT Plagiarism, que indicou que o texto tinha 0,6% de probabilidade de ter sido gerado por Inteligência Artificial. Mas a minha intuição dizia que era mais do que 0,6%. Por isso, experimentei o mesmo procedimento com os três que, inicialmente, pedira ao ChatGPT. A mesma percentagem aproximada. Todavia, neste caso, eu tinha a certeza de que estes eram 100% IA.

Pensando que as falhas deste detetor de conteúdos da inteligência artificial podiam estar relacionadas com o facto de os textos estarem em português, dei o mesmo enunciado ao chat, desta vez em inglês. Várias vezes. Introduzi os novos e aparentemente sempre originais textos no detetor de IA. Nestes casos, deu 60 a 80% de probabilidade de ter sido gerado [por IA]. Mais uma vez, sabia que eram 100% IA. (Suspeita minha, o detetor funciona melhor em inglês do que em português. Mas a minha intuição, a de professora, não falhara. Pelo menos, por agora.)

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Devolvi os trabalhos aos alunos. Comentei os textos. E assumi que o escrito a três mãos e o em formato editável tinham sido fruto do ChatGPT. Sim, declararam pronta e honestamente os alunos. O diálogo que se seguiu foi uma oportunidade para perceberem que os professores já passaram por muitas mudanças, por isso, saberão aprender a viver com esta também. Descobriram, espero eu, que estas ferramentas terão sempre vantagens, mas que nunca serão a forma de alcançar o verdadeiro sucesso e de descobrirem aquilo que os distingue dos outros.

E o que vai acontecer agora? Como vão reagir as escolas, os professores e os alunos? Não sabemos ainda. Ellon Musk e outros especialistas já se manifestaram em defesa de um abrandamento dos avanços (pediram, na verdade, seis meses de pausa). Mas intuímos que esta nova revolução está ainda no princípio e veio para ficar.

Por isso, sim, a escola tem de se adaptar. Não pode diabolizar a Inteligência Artificial, mas é necessário insistir naquilo que esta nunca vai conseguir dar a cada um dos nossos alunos: a sua marca única, pessoal e intransmissível. Mostrar-lhes os benefícios que podem tirar destas novas ferramentas, gratuitas, com informação quase infinita e quase sempre precisa.

Os alunos terão de perceber que estas ferramentas poderão ser úteis para pesquisar, estudar, distinguir modelos vários de escrita (e, em breve, como já foi anunciado, fazer powerpoints ou folhas de excel). Mas que se querem aprender a dominar estas competências para, a curto prazo, terem sucesso nos exames nacionais, então, têm de treinar e se, a médio prazo, se querem diferenciar no mundo do trabalho, cada vez mais competitivo, então, têm de ser eles a saber resolver os desafios.

Nós, professores, teremos de nos reinventar, uma vez mais. Apelar à nossa criatividade nas tarefas, nos desafios e nos instrumentos de avaliação que lhes propomos. Provavelmente, teremos de fazer algumas tarefas depender de outras competências ou formatos, do improviso, do debate, e valorizar a oralidade como forma complementar de validar aprendizagens.

Os meus atuais alunos vão entrar no ensino superior em 2023. E o que espera por eles é algo assustador, mas, simultaneamente, deslumbrante. É, sem dúvida, um novo mundo.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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