Saunas e viagens ao estrangeiro apontadas como locais de exposição nos casos portugueses

Os primeiros sintomas de varíola-dos-macacos datam de 29 de Abril. A conclusão está num estudo agora publicado por cientistas portugueses, em que se descreve o que se conhece sobre este surto em Portugal.

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A hipótese de o vírus da varíola-dos-macacos ter circulado sem detecção na Europa é apontada pela equipa deste estudo DADO RUVIC/Reuters

Os primeiros sintomas de varíola-dos-macacos em Portugal remontam a 29 de Abril. Esta é uma das conclusões do primeiro estudo descritivo dos surtos que já infectaram mais de 850 pessoas em países onde a doença não é endémica. Liderado pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), o trabalho descreve o que sabemos do percurso do vírus entre 29 de Abril e 23 de Maio, adicionando ainda informação sobre potenciais pontos de exposição agora identificados em Portugal: saunas usadas para encontros sexuais, viagens ao exterior do país e contacto com estrangeiros.

Embora já se tenham identificado pontos de exposição do vírus no país, ainda não existem certezas sobre o ponto de entrada em Portugal do vírus da varíola-dos-macacos, ou monkeypox (VMPX​. O trajecto epidemiológico, diz o trabalho publicado na última quinta-feira na revista científica Eurosurveillance, é variado e inclui a presença em locais específicos: “Saunas usadas para encontros sexuais, viagens ao exterior (Espanha, Reino Unido e Brasil) durante o período de incubação [do vírus] e contacto com pessoas não portuguesas.” Estes são os pontos de exposição apontados pela equipa portuguesa, através da análise da informação de 41 dos 96 casos que estavam confirmados a 23 de Maio.

Nestes pontos de exposição, relativos a 27 pessoas infectadas a quem foi pedida informação pelos investigadores, seis estiveram presentes numa sauna na região de Lisboa e Vale do Tejo, uma numa sauna no Reino Unido e quatro casos viajaram para o exterior.

No entanto, ainda não foi possível estabelecer uma rede de contactos. Das pessoas infectadas, apenas uma foi através do contacto de outro caso confirmado. “A curva epidémica mostra que a maioria dos casos não faz parte de cadeias de transmissão identificadas, não está relacionada com viagens [a países endémicos] ou contacto com pessoas sintomáticas ou animais”, escrevem os autores do estudo, que inclui uma dezena de instituições em Portugal.

Neste estudo agora publicado é ainda revelado que houve três pessoas que requereram hospitalização, tendo duas delas já tido alta médica e a terceira mantém-se ainda no hospital. “A única pessoa que não teve alta é apenas para controlo de sintomas, sem gravidade e apenas para controlo de dor relacionada com as lesões. Isto é idêntico noutros países: as hospitalizações são para controlo de sintomas ou isolamento. Não existem casos graves relacionados com VMPX”, explica Margarida Tavares, porta-voz da DGS para este surto.

A DGS já emitiu, no início desta semana, medidas de saúde pública em resposta ao surto de VMPX no país. Com 143 pessoas infectadas em Portugal, é recomendado aos casos confirmados ou suspeitos o isolamento físico, a privação de contactos próximos, a abstinência sexual e não partilhar roupa ou objectos, entre outras medidas elencadas pela autoridade de saúde nacional. Em todo o mundo, estavam esta sexta-feira confirmados mais de 850 casos de VMPX, mantendo-se Portugal como país com mais pessoas infectadas por milhão de habitantes.

O que conhecemos do início do surto

A informação ainda é escassa e não permite estabelecer relações entre os casos ou encontrar o “paciente zero” do VMPX em Portugal. Os primeiros casos apresentaram-se no Centro Hospitalar Lisboa Central e no GAT – Grupo de Activistas em Tratamentos, uma organização não-governamental que detém uma clínica para doenças sexualmente transmissíveis, a 3 de Maio. Eram cinco homens com lesões ulcerativas similares no corpo. Só depois do alerta dado pelo primeiro caso confirmado no Reino Unido, a 16 de Maio, foram realizados testes laboratoriais no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, com os resultados positivos para o VMPX a 17 de Maio.

De acordo com o estudo, os primeiros casos “aparentar ser maioritariamente em homens que têm sexo com outros homens com idade entre os 30 e os 39 anos, a viver com VIH e com uma forma leve da doença”. Importa realçar que o contexto epidemiológico ou de contacto pode ter sido relevante nos primeiros casos detectados, mas a transmissão do VMPX é através do contacto próximo e de gotículas grandes, não existindo qualquer prova científica sobre a transmissão sexual.

“O surto aqui e noutros países começou entre homens que deram a informação de que tinham sexo com outros homens. Mas é importante não exagerar esta mensagem. Esta não é uma coisa nova, nós sabemos que, embora possa ter começado numa rede de contactos que se caracteriza desta forma, não é de prever que haja uma forma especial de transmissão por este motivo”, explica Margarida Tavares.

A informação recolhida neste estudo não representa todos os 96 casos confirmados até 23 de Maio. Nesses dados, em 19 casos questionados especificamente ou que deram informações sobre as relações sexuais recentes, 18 identificaram-se como homens que têm sexo com outros homens.

“O contacto próximo entre pessoas existe em toda a população, em todas as idades, há contactos próximos e continuados em todas as pessoas. Não nos podemos focar nem na actividade sexual nem na prática sexual, porque é um erro. Toda a gente pode ser infectada”, acrescenta a porta-voz da DGS.

O Centro Europeu de Controlo de Doenças e a DGS já reforçaram que apenas existe um risco acrescido de transmissão para pessoas com múltiplos parceiros sexuais.

Os primeiros sintomas remontam a 29 de Abril, de acordo com a informação recolhida nos inquéritos epidemiológicos. As conclusões deste estudo levantam a hipótese de existir uma disseminação não detectada de VMPX na Europa pelo menos desde o início de Abril. “Colocamos a hipótese de que o VMPX esteja em circulação sem ser detectado pelos sistemas de vigilância. Apesar de alguns casos terem uma ligação epidemiológica clara, a falta de exposição identificada levanta várias questões sem resposta”, afirmam.

O que explica a dimensão deste surto?

Existem várias hipóteses também para a explicação da dimensão deste surto: mais de 800 casos confirmados. A maioria da população já não tem imunidade a nenhum vírus da varíola, devido ao fim da vacinação nos anos 70 e 80. Mas há mais. “A transmissão pode ter aumentado ao longo dos anos e com a maior facilidade em viajar para países endémicos, logicamente há mais probabilidades de importar casos de qualquer doença”, diz ao PÚBLICO Nikola Sklenovska, epidemiologista especializada em VMPX.

Mas porquê agora? “O vírus pode ter tido apenas sorte nas pessoas que infectou. O VMPX surgiu primeiro em homens que têm sexo com outros homens e isso não significa que estas pessoas estão mais susceptíveis. Mas o vírus pode ter tido sorte em encontrar hospedeiros que estavam a viajar e com contactos próximos”, aponta.

A juntar à globalização, o maior contacto com animais, que devido à desflorestação fogem para perto das populações, também é apontado pela epidemiologista. Sklenovska alertou em 2018, num artigo publicado na revista científica Frontiers in Public Health, para a “necessidade urgente de aumentar a vigilância” sobre o VMPX. “Estamos a ser mais reactivos do que proactivos. Já tivemos o zika, o ébola, agora o VMPX. Não foi feito o suficiente para prevenir o surto, definitivamente”, conclui.

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