Ucrânia na feira de turismo de Lisboa? É “um sinal de grande esperança e solidariedade”

Enquanto a BTL celebra a paz, um país em guerra é destino convidado pela Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo. Toda a “história, património e tradições” correm perigo, disse a embaixadora da Ucrânia em Portugal, agradecendo o apoio português prestado até agora, com mais de 11 mil refugiados já acolhidos. Até domingo, representantes ucranianos falam com quem quiser visitá-los. No futuro, poderá ser um destino de “turismo solidário”.

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Marcelo Rebelo de Sousa com a embaixadora Inna Ohnivets: o Presidente visitou a representação da Ucrânia na BTL na quarta-feira LUSA/JOÃO RELVAS

Em redor, o ruído é muito e festivo. É o regresso da BTL, a feira internacional de turismo de Lisboa, após dois anos de ausência por causa da pandemia, e são milhares os visitantes, profissionais do turismo, dezenas de destinos e entidades portuguesas, representantes de mais de 60 destinos do mundo a tentarem seduzir turistas. Mas o ruído do mundo, aqui no pavilhão da APAVT, a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, parece subitamente muito longínquo quando, pela primeira vez, o evento da FIL acolhe como destino convidado um país que vem falar da guerra e do futuro – e que aqui ficará até domingo com representantes disponíveis para conversarem com todos os que quiserem saber mais. A vida da Ucrânia foi interrompida por uma guerra brutal e sangrenta”, diz a embaixadora do país em Portugal, Inna Ohnivets, enquanto à volta se passeiam os turistas em “vida normal”.

Entre agradecimentos a Portugal, “ao Governo e aos portugueses”, a representante adiantou, esta quinta-feira, durante a apresentação oficial da presença da Ucrânia na BTL, que já chegaram “mais de 11 mil ucranianos” ao território português, que estão a ser “apoiados” e com “estatuto de protecção temporária”, e que há “mais de 300 crianças” que podem começar os seus estudos.

Considerando a presença de uma Ucrânia em guerra na feira de turismo portuguesa um “sinal de esperança” e “solidariedade, a embaixadora comentou as negociações entre a Ucrânia e a Rússia para a paz, um “processo muito complicado” que defende ter como ponto assente a “integridade territorial” do seu país e a “reconquista das cidades capturadas” pela Rússia. “Os territórios são nossos”, sublinhou. Com a Crimeia e Donbass em evidência, Inna Ohnivets não quis deixar de potenciar o turismo no futuro, que terá um “importante papel” na “reconstrução”, “assim chegue a paz”.

Destacando o património UNESCO no país – “todos os tesouros culturais, naturais estão em risco” , a representante ucraniana aproveitou para firmar um exemplo na Crimeia, actualmente administrada de facto pela Rússia, a Cidade Antiga de Queroneso e sua Chora, mas também a icónica Catedral de Santa Sofia de Kiev e as ameaças sobre “todos os saberes e tradições” que fazem “a identidade nacional”.

Turismo português em apoio à Ucrânia

Mais do que uma promoção do destino, o que serial “surreal”, a presença da Ucrânia na BTL é “solidária” e com “vista ao futuro”, e para estreitar laços com a indústria turística portuguesa: “Há empresas turísticas portuguesas a participar na assistência humanitária”, diz Ohnivets ao PÚBLICO, salientando “muito apoio em termos de acolhimento, transporte”. “Expresso a minha admiração por esta posição não só do Governo, mas de todo o povo”, realça. “Recebi centenas de cartas de empresas, pessoas, que querem ajudar”.

“Temos também a esperança de renovar o nosso turismo e vir a mostrar que a Ucrânia é um destino muito atractivo” e de “reconstruir a infra-estrutura muito rapidamente”, diz a diplomata, que recebeu na FIL a visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na quarta-feira: “o nosso objectivo principal é estabelecer agora a paz”.

Já Viktor Puharskyy, CEO da ASL, que representa em Portugal a companhia aérea ucraniana SkyUP, também não fala de negócios. A companhia tinha operações entre Madeira, Lisboa e Kiev e até “tinha planeado para começar em Maio ligações a Lviv e voos de Faro” mas “chegou a guerra...”. Ficam as reticências e 15 aeronaves que “estão no espaço Schengen”, salienta. Entretanto, dedica-se a colaborar no apoio aos refugiados ucranianos, funcionando como plataforma geral “graças aos seus muitos contactos”. “Recolho pessoas, arranjo alojamentos”, conta: “Ontem levei três famílias para o Algarve, hoje vou levar duas para o Alentejo, amanhã uma para o Fundão”. Mas tem outra iniciativa que quer divulgar: a companhia tem um avião parado na Moldávia [Moldova] e “procura apoio” para o aparelho trazer “ucranianos que estão parados” naquele país, sem capacidade para acolher tantos refugiados. “Há muitos, todos trazem pessoas da Polónia, mas não dali, não conseguem sair de lá”, diz Puharskyy, que procura apoios para “pagar os custos do avião”.

APAVT quer apoiar já “e depois"

É a primeira vez que a guerra entra de uma forma tão expressiva na feira de turismo de Lisboa, reconhece Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT. A associação decidiu convidar a Ucrânia, “uma ideia natural”, que “teve muito apoio dos seus associados”, diz. “O nosso desafio à Ucrânia foi que viesse falar aqui da paz, estabelecer o contraste da vida normal e em paz, aquilo que foi interrompido na Ucrânia”, explica. No apoio ao país, o principal foco da APAVT, para além do que as agências possam ajudar, nomeadamente com “autocarros que contribuem para transportar os refugiados”, e a indústria em geral com disponibilização de empregos na área – entre a hotelaria e restauração, “até porque há falta de mão-de-obra” –, será colaborar numa “integração assumida” em colaboração com a embaixada: apurar entre os ucranianos que chegam os que eram agentes de viagens no país e que poderão trabalhar em Portugal no sector.

E, para o futuro, Costa Ferreira, além de ter deixado convite aberto à Ucrânia, que recebia 14 milhões de turistas por ano até à pandemia, para estar representada na BTL nos próximos anos, redobra o apoio da associação em matéria turística: “Quando voltar a paz, a melhor maneira de ajudar é ir lá visitar, porque podemos estar a ajudar à recuperação do emprego e da economia, à reintegração social”. Passado “o foco mediático”, como refere, “quando a situação termina e o trabalho de reconstrução começa, não há melhor ajuda do que colocar no local turistas que querem ir, até como forma de ajudar”.

Poderá, em tempo de paz reconquistada, haver uma onda de turismo solidário para com a Ucrânia, um volunturismo? “Absolutamente”, remata, lembrando um velho slogan que nos últimos tempos voltou em força: “o turismo é a indústria da paz”.

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