Operação Stop à litigância fiscal

Alguma coisa está realmente a mudar para melhor na relação de confiança entre o Fisco e os contribuintes, mas só o tempo permitirá consolidar o que hoje é uma tendência.

A proverbial agressividade do Fisco é uma das causas apontadas para a elevada litigância fiscal no nosso país, traduzida no número avassalador de novas impugnações nos tribunais fiscais e, portanto, em prazos de espera irrazoáveis para os contribuintes. Em maio do ano passado, à boleia do caso batizado de “Ação sobre Rodas”, esta agressividade fiscal ganhou raízes na opinião pública: lá estava ali, bem diante dos nossos olhos, a prova cabal dos exageros da máquina tributária.

A história é conhecida. As câmaras de televisão apanharam funcionários das finanças e militares da GNR a intercetar, numa rotunda de Valongo, condutores com dívidas à Autoridade Tributária. Esta Operação Stop, montada pela Direção de Finanças do Porto, foi prontamente cancelada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Este caso, revelador de uma manifestação desproporcionada de força, tem, no entanto, uma importante dimensão menos conhecida da opinião pública. O objetivo principal da operação visava... a cobrança pelo Fisco de dívidas de concessionárias privadas. Ora bem, a utilização de execuções fiscais para cobrar portagens desvirtua a essência da máquina fiscal: o Fisco existe para calcular e arrecadar dívidas fiscais, isto é, dívida ao Estado. Ponto final.

A Operação Stop foi um dos últimos efeitos perversos deste sistema de cobrança que deixa atrás de si um rasto preocupante. O alargamento artificial do perímetro de jurisdição tem provocado sucessivas vagas de impugnações nos tribunais fiscais, vagas essas que geram um volume avassalador de trabalho aos magistrados de primeira instância – cujos gabinetes de apoio estão há dez anos para sair do papel. Felizmente, segundo noticiou este jornal há uma semana, este sistema “de barriga de aluguer” tem os dias contados. 

Este episódio da rotunda, sem dúvida impressivo pela força das imagens televisivas, reforçou na opinião pública a perceção de que o Fisco não hesita em mostrar músculo, mesmo perante o que não o exigiria. No entanto, no mesmo ano em que aconteceu esta Operação Stop, pela primeira vez na história o número de processos de impugnação fiscal entrados nos tribunais do Estado ficou aquém dos três mil. Trata-se de um número muito relevante: as 2862 ações de impugnação nos tribunais fiscais representam uma redução de 20% em relação a 2018 e, se recuarmos dez anos, a queda é ainda mais expressiva: 60%. Ou seja, o ano em que o Fisco criou alarme social é o ano em que, na verdade, foi o mais cuidadoso na relação com os contribuintes.

Mesmo considerando que, no último ano, um em cada três contribuintes com impugnações de impostos de valor inferior a dez milhões de euros optou por recorrer ao CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa), a tendência de queda é acentuada, o que significa que há menos novos processos e há menos conflitualidade, apesar de o CAAD receber uma fatia maior dos casos.

A agressividade do Fisco tem um lado bom e um lado mau. O lado bom é para ser usado no combate à fraude e à evasão fiscais e na defesa do erário público. O lado mau é o medo desproporcionado que ainda hoje sentem os contribuintes cumpridores por qualquer pequeno descuido ou distração. Ora, as várias medidas de redução da conflitualidade anunciadas pelo Governo manifestam a vontade de reservar o lado Mr. Hide do Fisco para os grandes incumpridores, substituindo no comum dos cidadãos o medo pela confiança.

Com efeito, a queda da litigiosidade fiscal para um mínimo histórico é a face menos visível – e também menos noticiada da relação entre a Administração Fiscal e os contribuintes. Se há menos contribuintes a impugnar os atos de liquidação dos impostos é também porque a Autoridade Tributária se está a tornar mais criteriosa. Alguma coisa está realmente a mudar para melhor na relação de confiança entre o Fisco e os contribuintes, mas só o tempo permitirá consolidar o que hoje é uma tendência. O País precisa que a Operação Stop à litigância tenha vindo para ficar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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