Operação stop de Maio mandou parar 23 contribuintes sem razão

Acção Sobre Rodas rendeu 24 mil euros de receita pública. Relatório vai ser despachado pelo novo Governo.

Foto
Antes da operação stop em Valongo, a 28 de Maio, houve outras acções no distrito do Porto nesse mês Lusa/Estela Silva

A operação stop lançada pela Direcção de Finanças do Porto com a GNR para cobrar dívidas e penhorar carros à beira da estrada, em Maio, interpelou 88 condutores, tendo existido 23 situações em que os contribuintes foram mandados parar sem razão, revelou o Expresso.

Ao semanário, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, explicou que houve casos em que a dívida “já tinha sido paga” ou “tinha sido declarada a insolvência”, outros em que o veículo já tinha mudado de proprietário e, por isso, as autoridades mandaram parar o contribuinte errado. A base de dados usada pelas autoridades era de Março e estava desactualizada, escreve o jornal.

Nos restantes 65 casos, os direitos foram acautelados pelo fisco. “O órgão de execução fiscal [o director de Finanças do Porto] tem legitimidade para mobilizar as forças de segurança e para fazer uma acção no exterior para apreensão ou penhora de veículos”, a questão é que houve uma “uma mobilização de meios que não justificava o fim”, considera o secretário de Estado, que mandou suspender a operação stop assim que soube da Acção Sobre Rodas pela comunicação social, a 28 de Maio.

Questionado pelo PÚBLICO sobre como foi montada e como funcionou essa base de dados, o Ministério das Finanças remeteu os esclarecimentos para mais tarde.

Como o PÚBLICO revelou a 2 de Outubro, o relatório interno da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) foi entregue ao Governo de António Costa “no final da primeira semana de Setembro” e a equipa ministerial de Mário Centeno não divulgara ainda as conclusões.

Ao Expresso, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirma que “não há nada escondido” e explica que considerou que o documento “deveria ser despachado já com o novo Governo em funções porque há uma consequência em termos de procedimento sobre a qual é preciso tomar uma decisão [relativamente às acções externa do fisco] e, mesmo não sendo uma decisão difícil, é uma decisão que pode esperar”. O relatório — um documento de 706 páginas — não será revelado na íntegra por conter “muita matéria protegida por sigilo fiscal”, diz Mendonça Mendes, indicando que as conclusões deverão ser apresentadas na mesma altura em que o Governo tornar públicas as medidas que decorrem do próprio inquérito.

Segundo o Expresso, a operação em Valongo rendeu aos cofres públicos apenas 24 mil euros. Quando o inquérito ainda estava a decorrer, a directora-geral da AT, Helena Borges, disse no Parlamento que, de acordo com a informação de que então dispunha, os contribuintes penhorados em Valongo já tinham sido citados no âmbito de uma execução fiscal e já tinham decorrido os 30 dias para o pagamento da dívida ou para manifestarem a oposição.

Falta de validação central

Cancelada pelo Governo, a controversa operação acabou por levar o director de Finanças do Porto, José Oliveira e Castro, a demitir-se dois dias depois. “A efectiva responsabilidade [da Acção Sobre Rodas] é do director de Finanças do Porto, que é quem tem o desenho todo na cabeça” e o assunto deveria ter sido levado às reuniões do Conselho de Administração da Autoridade Tributária e Aduaneira, onde o tema “deveria ter sido falado”, entende o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, dizendo que esta é uma acção “que foge ao padrão de actuação” do fisco.

“Estas acções, ainda que tenham a intenção correcta de repor a legalidade, podem ser muito negativas”, refere ao semanário. Por outras palavras: a operação teria de ser validada centralmente. “O desenho das operações externas — quer as da competência própria dos órgãos de execução fiscal quer as definidas centralmente — deve, previamente, ser trabalhado com a área da relação com o contribuinte”, sublinha ainda ao Expresso.

O relatório, diz o governante da equipa do ministro Mário Centeno, “vem confirmar aquilo que o Governo já tinha concluído: houve desproporção entre os meios empregues e a finalidade da operação porque as acções externas devem ser excepcionais”.

Segundo a directora-geral da AT indicou ao PÚBLICO depois da operação de Valongo, nas semanas anteriores já tinham existido outras quatro acções idênticas no distrito do Porto, a 7 de Maio em Lousada, a 10 em Felgueiras, a 14 na Trofa e a 21 em Santo Tirso. De acordo com o Expresso, no final de 2018 já tinham existido duas acções a título experimental que tinham sido comunicadas pelo então director de Finanças do Porto à subdirectora-geral da Justiça Tributária, Cristina Bicho, que, segundo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, “não respondeu a esta comunicação”. Mas a acção de 28 de Maio “não foi comunicada à subdirectora”.

O plano de actividades da área da justiça tributária do Porto já previa que se realizassem acções com “visibilidade externa” em todo o distrito, com ‘operações stop’ em estradas com grande fluxo de trânsito de forma a identificar veículos automóveis de devedores com vista à sua penhora ou apreensão no caso de já se encontrarem penhorados, quando estes não regularizem de imediato a sua situação”.

Outra das questões que o inquérito procurou saber foi se alguém (da GNR ou da administração fiscal) tinha chamado a comunicação social a Valongo, para cobrir a iniciativa. Do inquérito “não resulta que tenha sido a AT” a fazê-lo, diz ainda o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Sugerir correcção
Comentar