Governo assume que operação do fisco com a GNR foi um erro e abre inquérito

Operação em Valongo foi interrompida ao início da tarde pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que garantiu que uma fiscalização do género “não se irá repetir” . Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos diz que acção foi “ridícula”.

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Operação foi realizada de forma conjunta entre Autoridade Tributária e GNR LUSA/ESTELA SILVA

Os condutores que, na manhã desta terça-feira, circulavam pela rotunda da Auto-Estrada 42 (A42) em Alfena, concelho de Valongo, foram interceptados por aquilo que, à primeira vista, parecia ser uma operação stop rotineira. Dez elementos da GNR mandavam parar as viaturas que circulavam por aquela via. A acompanhar os agentes policiais, cerca de 20 elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) inseriam as matrículas das viaturas em sistemas informáticos. O objectivo da operação seria liquidar dívidas que se encontrassem em execução fiscal. Se, de facto, o proprietário do veículo fosse devedor e não conseguisse liquidar o valor em causa de imediato, a viatura seria penhorada.

Em declarações à SIC Notícias, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça — que interrompeu a acção ao início da tarde — garantiu que uma operação do género “não se voltará a repetir”, considerando que houve uma “desproporção dos meios utilizados”. O governante garantiu que colocou fim à operação em Valongo mal teve conhecimento do que se estava a passar. À agência Lusa, o secretário de Estado revelou que foi aberto um inquérito para se perceber “todo o enquadramento desta operação e perceber se todas as garantias dos contribuintes foram ou não respeitadas”. 

A operação denominada Acção sobre Rodas não foi a primeira deste género em Portugal. Desde o dia 7 de Maio foram já sete as operações idênticas realizadas no distrito do Porto. Fonte da AT confirmou à agência Lusa possuir autorização para a apreensão dos veículos. “Se não tiverem condições de pagar no momento, estamos em condições de penhorar as viaturas”, disse.

Pacheco Amorim, especialista em Direito Administrativo, não escondeu a surpresa quando teve conhecimento da operação montada esta terça-feira em Valongo. O advogado e professor universitário lembrou as várias formas que podem ser utilizadas para chegar ao mesmo fim, afirmando que a apreensão do veículo pode constituir uma violação ao princípio da proporcionalidade [que salvaguarda os direitos e garantias fundamentais do indivíduo].

“O procedimento [de penhora] tem de respeitar a dignidade da pessoa. Tem de haver a adequação dos meios aos fins em vista. Se é um cidadão que, simplesmente, se está a deslocar na rua, é um atentado a um direito fundamental. Podem existir medidas tão eficazes quanto essa [do ponto de vista fiscal] e menos restritivas: ir ter com a pessoa onde ela trabalha, ou em casa, é algo preferível. É uma violação do princípio da proporcionalidade, é disso que se trata”, afirma.

Pacheco Amorim não coloca em causa a legalidade da execução da dívida, mas deixa um alerta: “Não está em causa a legitimidade da execução, atenção. A pessoa deixou, de alguma maneira, ir [a dívida] até ao último ponto. Mas, de facto, é de um extremo comodismo. As operações Stop não servem para isso. Começamos a entrar num estado policial, é um princípio de um estado totalitário.”

Mas o que é que um cidadão pode fazer se se encontrar nesta situação? “Eu aconselhava imediatamente a colocação uma providência cautelar nos Tribunais Tributários pedindo, talvez, uma intimação para direitos, liberdades e garantias. Pediria a devolução imediata do automóvel, ou seja, em 48 horas. É uma medida que está prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)”, afirma Pacheco Amorim. 

“Alguém quer agradar ao chefe, parece-me”

Esta operação gerou uma onda de críticas e chegou mesmo a ser interrompida ao início da tarde desta terça-feira pelo secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. O Ministério das Finanças acrescentou ainda que a acção de fiscalização não tinha sido definida centralmente pela AT. Em resposta às perguntas do PÚBLICO, fonte do Ministério da Administração Interna remeteu para as respostas do ministro na Assembleia da República. Eduardo Cabrita garantiu que esta operação também não recebeu qualquer autorização deste ministério. 

Em declarações ao PÚBLICO, Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), criticou fortemente a realização da operação, afirmando que o reduzido alcance da mesma não justifica a utilização de tantos recursos humanos. “[A operação] é legal, mas é ridícula porque os objectivos de arrecadação de receitas são muitos reduzidos. Os recursos humanos podem fazer este trabalho, de forma muito mais recatada, no serviço de Finanças. É um desperdício. Em termos pedagógicos, também não traz nada de novo. Apenas coloca os contribuintes e portugueses contra a AT e não os incita a pagar, pelo contrário”, sublinha.

“Alguém quer agradar ao chefe, parece-me, e inventou uma operação circense que no final não resulta em nada. É uma operação de Fisco, faz rir, é imaginativa. Foi usado excesso de zelo na operação e quem deu autorização para que ela desenrolasse já chegou à conclusão que agiu mal, presumo”, referiu Paulo Ralha que preferiu não identificar de quem partiu a ideia para esta operação.

Por escrito, fonte da GNR disse ao PÚBLICO que a participação da força policial foi solicitada pela Direcção de Finanças do Porto, garantindo que foi “alheia à forma de actuação da AT e aos procedimentos observados”. O PÚBLICO não conseguiu obter qualquer esclarecimento do Ministério das Finanças em tempo útil.

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