Arábia Saudita aponta a mira ao Irão e Trump diz-se “pronto a disparar”

Riad diz que os drones usados no ataque contra os seus campos de petróleo são iranianos, e afirma que não foram lançados a partir do Iémen. EUA aguardam confirmação para responderem.

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Imagem do ataque com drones no campo de Abqaiq Reuters/Planet Labs Inc

Durante anos, a imagem do campo petrolífero de Abqaiq, na Arábia Saudita, com a sua aura de fortaleza imune a ataques de grande dimensão, ajudou a acalmar os receios de uma grave crise no fornecimento de petróleo em todo o mundo. Mas o que aconteceu na madrugada de sábado, quando dez drones furaram as defesas antiaéreas sauditas e destruíram uma parte importante de Abqaiq e de outro campo petrolífero, foi um pesadelo tornado realidade para os responsáveis de segurança.

Ainda é cedo para se perceber quando é que os campos de Abqaiq e Khurais vão voltar a funcionar em pleno, como antes do ataque de sábado, que os EUA e a Arábia Saudita dizem ser da responsabilidade do Irão. Mas a dimensão do rombo foi conhecida em pouco tempo: 5,7 milhões de barris de petróleo a menos por dia, o equivalente a seis por cento da produção mundial.

Para se ter uma ideia da dimensão da quebra, a Revolução Islâmica de 1979 no Irão provocou um rombo de 5,6 milhões de barris por dia, e a invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, chegou aos 4,3 milhões.

Ainda não se sabe quantos desses quase seis milhões de barris vão ficar fora do mercado por pouco tempo, por razões de segurança, e quantos só vão ser repostos no mercado quando a Arábia Saudita retomar a sua capacidade de produção máxima. Esta segunda-feira, o jornal Financial Times dizia que isso só deverá acontecer dentro de meses, “o que pode frustrar os esforços para acalmar o mercado”.

Acima de tudo, é o fim da imagem de invencibilidade dos grandes campos sauditas que pode causar mais problemas ao mercado de petróleo a médio e a longo prazo.

“Se os mercados voltarem a preocupar-se com os riscos geopolíticos, como aconteceu em anos passados – e há muito com que nos preocuparmos, das ameaças do Irão no Estreito de Ormuz, à guerra na Líbia, passando pelos recentes ataques com drones –, o preço do petróleo pode aumentar durante meses. E isso pode travar ainda mais o crescimento económico, numa fase de crescente preocupação com as tensões comerciais e de um abrandamento generalizado da produção”, alerta Keith Johnson, especialista em geoeconomia, no site da revista Foreign Policy.

Esta segunda-feira, o preço do barril de Brent chegou a subir 19% para quase 72 dólares – a maior subida dos últimos 28 anos, desde os dias que antecederam o início da Guerra no Golfo.

“É muito difícil exagerar a seriedade dos ataques, especialmente em Abqaiq. É o sistema nervoso central da infra-estrutura energética do país”, disse Helima Croft, da empresa RBC Capital Markets, ao canal CNBC. “Mesmo que as exportações sejam repostas nas próximas 24 ou 48 horas, a imagem de invulnerabilidade foi apagada”, disse Croft.

Resposta saudita

O ataque foi reivindicado pelo movimento Houthi, do Iémen, que combate numa sangrenta guerra civil, desde 2015, contra as forças do Presidente Abdrabbuh Mansur Hadi, deposto em 2014.

A guerra já matou quase 100 mil pessoas, num conflito que é visto também como o palco sangrento onde a Arábia Saudita e o Irão se enfrentam de forma indirecta – Riad ao lado do Presidente Hadi, um sunita; e o Irão ao lado do movimento Houthi, xiita.

Mas o Presidente dos EUA, Donald Trump, foi rápido a apontar o dedo a outros responsáveis pelo ataque contra os campos petrolíferos sauditas.

Em vez dos houthis, apoiados pelo Irão mas sem acesso a tecnologia e armamento sofisticados, teriam sido os próprios iranianos a lançarem os drones contra os campos de Abqaiq e Khurais, na sua luta pelo poder regional com a Arábia Saudita e numa estratégia para desestabilizar o fornecimento de petróleo a nível mundial – agora que as suas próprias vendas caíram para quase zero por causa das sanções impostas pelos EUA no último ano.

“Lembram-se de que os iranianos abateram um drone [norte-americano] e disseram que tinha sido no seu espaço aéreo, quando na verdade nem sequer foi perto? Eles mantiveram essa versão sabendo que era uma grande mentira, e agora dizem que não têm nada que ver com o ataque na Arábia Saudita. Vamos ver”, disse Trump esta segunda-feira, no Twitter, referindo-se ao abate de um drone norte-americano pelo Irão, em Junho. Nessa altura, o Presidente dos EUA disse que travou um ataque militar contra o Irão a poucos minutos da hora marcada.

Na tarde desta segunda-feira, um porta-voz do Exército saudita afirmou, em conferência de imprensa, que os drones usados no ataque de sábado são de fabrico iraniano. O coronel Turki al-Malki, da coligação liderada pela Arábia Saudita que combate no Iémen, disse ainda que os ataques não foram lançados a partir do Iémen, segundo as investigações preliminares.

O Governo iraniano desmente a acusação de Washington e de Riad, e diz que ela só se explica porque a estratégia norte-americana de máxima pressão sobre o Irão “falhou” – uma referência à saída dos EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em Maio de 2018, e à reposição e endurecimento das sanções económicas.

As investigações estão a decorrer, mas os EUA parecem ter afastado a hipótese de os drones terem sido lançados a partir do sul do Iraque, de uma zona controlada por um grupo xiita apoiado pelo Irão. Segundo um comunicado do Governo iraquiano, foi isso que o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse ao primeiro-ministro do Iraque numa conversa telefónica.

Seja qual for a origem, é provável que o ataque de sábado enterre de vez a proposta francesa para uma reaproximação entre os EUA e o Irão, que tinha como objectivo salvar o acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Ainda que Washington se mantenha cauteloso quanto a uma intervenção militar no Irão, é possível que a Arábia Saudita queira responder com ataques em território iraniano.

E a hipótese de haver um erro de julgamento numa situação cada vez mais complicada deixa alguns especialistas apreensivos: “Estamos a falar de um novo nível de confronto”, disse à Foreign Policy Farea al-Muslimi, do Centro de Estudos Estratégicos de Sana, no Iémen.

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