À fome ou à bomba, cem mil pessoas já morreram na guerra do Iémen

Os combates deixaram o país nas mãos das potências regionais. Sem grandes progressos no terreno, trava-se um conflito de desgaste em que o acesso aos alimentos é uma arma.

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Carregamento de ajuda alimentar bloqueado pelos rebeldes houthis YAHYA ARHAB / EPA

Sem um fim óbvio à vista, o custo humano da guerra civil no Iémen não pára de se agravar. Um relatório recente diz que, em quatro anos, o conflito causou quase cem mil mortos, a que se juntam três milhões de desalojados e ainda a maior epidemia de cólera no planeta.

O capítulo trágico mais recente aconteceu esta semana, quando os rebeldes houthis bloquearam a entrega de ajuda humanitária destinada a alimentar cem mil famílias. A denúncia foi feita por um responsável do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas que explicou, sob anonimato, que os rebeldes impediram a entrada de oito mil toneladas de farinha no território que controlam, dizendo estar contaminada com insectos mortos.

O bloqueio imposto pelo grupo que desde 2015 combate as forças governamentais foi uma resposta à suspensão, na semana passada, de entrega de alimentos pelo PAM, que exigia controlar a distribuição de ajuda para assegurar que esta não era desviada. Os houthis recusaram a monitorização, lançaram uma campanha mediática contra a agência da ONU e bloquearam novas entregas.

Na semana passada, o director do PAM, David Beasley, disse que calculava que aproximadamente 10% do total mensal de 175 mil dólares (153 mil euros) de ajuda humanitária enviada para as regiões controladas pelos houthis estava a ser desviada para financiar o conflito.

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estima que mais de 15 milhões de pessoas, equivalente a mais de metade da população total do Iémen, estejam a sofrer fortes carências alimentares – 400 mil crianças sofrem de deficiências nutricionais. A destruição de infra-estruturas básicas, como hospitais, clínicas e estradas, também tornou o Iémen num campo fértil para epidemias como a cólera, que atinge mais de um milhão de pessoas. Sempre que abordam a guerra no Iémen, as Nações Unidas lembram que se trata da “pior crise humanitária” no planeta.

Quase cem mil mortos

A guerra que opõe os houthis ao Exército que quer repor o Governo do Presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi transformou-se desde 2015 num conflito por procuração entre a Arábia Saudita e os seus aliados regionais, e o Irão, no quadro de uma luta pelo controlo geopolítico do Médio Oriente. Com poucos progressos palpáveis no terreno, o conflito tornou-se numa guerra de atrito, em que os dois lados tentam desgastar-se o mais possível, e o acesso aos alimentos e bens de primeira necessidade tornou-se num dos principais instrumentos.

O conflito deixou um país que era já dos mais pobres na região praticamente destruído. Um relatório do projecto Informação sobre Localização e Acontecimentos em Conflitos Armados (Acled), publicado na semana passada, veio permitir quantificar mais pormenorizadamente o custo humano da guerra no Iémen. Segundo o estudo, desde 2015 morreram 91.600 pessoas, das quais mais de 11 mil eram civis.

Ambos os lados negam ter visado intencionalmente a população civil em ataques, o que configura crimes contra a humanidade. De acordo com o Acled, os principais responsáveis pelos ataques que resultaram na morte de civis foram os bombardeamentos da coligação internacional liderada pela Arábia Saudita.

O papel dos sauditas no conflito tem sido objecto de um escrutínio cada vez maior, até da parte dos seus aliados, como o Reino Unido ou os Estados Unidos. Esta semana, uma comissão do Senado, onde os republicanos detêm a maioria, aprovou legislação para dificultar a venda de armamento norte-americano à Arábia Saudita, mostrando uma clara oposição aos desejos do Presidente Donald Trump que insiste no apoio ao principal aliado no Médio Oriente para conter o Irão.

As tentativas de mediação da ONU para que seja alcançado um cessar-fogo têm falhado, com nenhuma das partes a querer ceder um milímetro de território, ao mesmo tempo que também não demonstram capacidade para obter uma vantagem decisiva. “Esta guerra não só é brutal, mas também é impossível de vencer”, concluiu o sub-secretário-geral da ONU para questões humanitárias, Mark Lowcock.   

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