João Lourenço: “Temos nervos de aço, sejam quais forem as ameaças”

João Lourenço, Presidente de Angola, disse que se atingiram níveis de corrupção “insustentáveis” no país e afirma que hoje já “não há intocáveis”. A Portugal, prometeu pagar toda a dívida “que for reconhecida” e fazer uma “boa surpresa” daqui a três anos.

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Rui Gaudêncio (arquivo)

O Presidente de Angola, João Lourenço, recusa estar a fazer uma perseguição à família do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, mas reafirma que o combate à corrupção é a prioridade do país porque os “níveis insustentáveis” a que tinha chegado estavam a ameaçar a economia nacional. Numa entrevista à RTP na véspera da chegada a Luanda de Marcelo Rebelo de Sousa, João Lourenço considerou que as relações com o Portugal estão “no pico da montanha” mas ainda podem subir mais.

“Angola atingiu níveis de corrupção insustentáveis que estavam a afastar os investidores externos”, disse João Lourenço, para justificar porque é que o MPLA elegeu essa prioridade para o seu mandato, e que hoje, afirma, é um desígnio, não só do Governo, como da justiça e da sociedade civil. 

“Eu tive a oportunidade de ver a dimensão real da corrupção em Angola”, declarou Lourenço, quando questionado sobre se tinha ficado surpreendido com o grau do fenómeno quando chegou ao cargo. “Eu não vim de um país estrangeiro, eu sou parte do sistema, cresci dentro do MPLA, acompanhei tudo o que foi sendo feito, de bom e de mau”, respondeu.

Mesmo já tendo classificado o sistema anterior de “vespeiro”, João Lourenço afirmou-se pronto para liderar esse combate. “Carece de muita coragem, de muitas noites sem dormir, mas pensamos ter nervos de aço suficientemente fortes para enfrentar sejam quais forem as ameaças e obstáculos que surgirem pelo caminho”.

O Presidente angolano recusou depois que estivesse a ser feita qualquer perseguição aos filhos de José Eduardo dos Santos, pelo facto de Isabel dos Santos e dois irmãos estarem a ser objecto de investigações criminais. “Essas pessoas têm outros irmãos, não são só três, e os outros não estão a ser investigados”, alegou. Mais: “Há outras individualidades, há ministros e generais que estão a ser investigados, ora se se tocam em ministros e generais não se tocam em pessoas da sociedade civil?”

Questionado sobre se o próprio José Eduardo dos Santos, ainda pode vir a ser julgado por corrupção, Lourenço preferiu remeter essa questão para o Ministério Público do seu país.

“Farei uma boa surpresa a Portugal”

Nesta entrevista, o Presidente de Angola quis também deixar claro que as relações com Portugal estão agora normalizadas, depois do “irritante” diplomático em que se transformou a investigação feita em Portugal ao antigo número dois de Santos, Manuel Vicente, mas não desvalorizou o assunto. E explicou porque é que o processo Fizz teve impacto “relevante” nas relações entre os dois países: “Porque um Estado teve de chamar a atenção a outro Estado pelo incumprimento de um acordo entre os dois”. “Felizmente imperou o bom senso”, disse, dando o assunto por encerrado.

João Lourenço aproveitou, aliás, para garantir que a omissão sobre Portugal que fez na sua tomada de posse “não foi intencional”, até porque houve outros países presentes que não foram referidos no seu discurso, e prometeu que “numa ocasião futura, quando houver novas eleições, farei uma boa surpresa a Portugal”. Mas isso é daqui a três anos, e embora parecesse uma declaração de recandidatura, não quis ser peremptório sobre isso, porque “é prematuro”.

O que quis deixar claro é que as relações hoje com Portugal são excelentes: “Neste momento estão no pico da montanha, podem manter este nível ou subir ainda mais”. Isso pode depender de alguns dossiers que ambos os países têm vindo a trabalhar desde a ida a Luanda de António Costa, em Setembro passado, como os pagamentos das dívidas às empresas portuguesas ou o repatriamento de capitais angolanos.

Sobre as dívidas às empresas, o Presidente angolano disse que ainda está em curso o processo de reconhecimento das dívidas, garantindo que todas as que forem reconhecidas serão pagas, ainda que não de uma só vez. Já quanto ao repatriamento de capitais para Angola, limitou-se a dizer que isso está a ser tratado com o primeiro-ministro desde a sua visita a Lisboa e prometeu que a seu tempo serão divulgados os montantes em causa. Em contraponto, garantiu que a Sonangol se vai manter tanto na Galp como no BCP, como disse no final da visita em Novembro.

João Lourenço insistiu no convite às empresas portuguesas para investirem no seu país, sobretudo nas áreas da agricultura, indústria e turismo, sectores que “produzem riqueza, dão emprego e aumentam a capacidade de captar divisas”. Esse é o seu objectivo estratégico para Angola: diversificar uma economia dependente em “mais de 90%” do petróleo, captando mais investimento estrangeiro para desenvolver um país onde, reconheceu, existe muita pobreza e necessidade de acesso a bens essenciais, como água potável ou energia.

A crise financeira que o país atravessa, garante o Presidente angolano, não se vai traduzir em mais medidas de austeridade impostas pelo FMI, que tem um programa de apoio à economia angolana. Nem vai impedir, afirmou ainda, de investir na melhoria das condições de vida, apesar da situação que se recusou classificar como bancarrota. “Isto não é um trabalho acabado, mas em menos de um ano conseguimos criar um ambiente propício ao investimento e já estamos a fomentar a competitividade entre as empresas para diversificar a economia”, afirmou.

Ao exímio jogador de xadrez, o jornalista Vítor Gonçalves perguntou se da prática deste desporto tirava alguma lição política e a resposta foi clara: “A capacidade de prever as jogadas do adversário. Quanto mais jogadas antecipadas se previrem, melhor defesa se pode preparar para combater o adversário”.​

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