Angola reconhece que deve mais dinheiro às empresas portuguesas

Marcelo Rebelo de Sousa chega a Angola com boas notícias para empresas portuguesas. Visita inclui província com potencial agrícola “notável” e um passeio no mítico caminho-de-ferro de Benguela.

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Manuel Roberto

Nos últimos quatro meses, Angola reconheceu que deve mais dinheiro às empresas portuguesas do que os 270 milhões anunciados em Novembro, quando o Presidente angolano fez a primeira visita de Estado a Portugal.

Agora que é a vez de Marcelo Rebelo de Sousa visitar Angola, o avanço recente feito neste dossier está a facilitar a consolidação das relações bilaterais, disseram ao PÚBLICO fontes diplomáticas e do Governo.

O Presidente português chega esta terça-feira a Luanda com um programa acertado entre os palácios de Belém e da Cidade Alta no actual contexto de “normalização” das relações bilaterais e a pensar nos pedidos que o Presidente angolano, João Lourenço, faz ao Governo português desde o Verão.

A estrutura da visita é, no entanto, quase igual à que foi feita em 2010 para o então Presidente Cavaco Silva, que visitou Angola no fim do seu primeiro mandato.

Além da capital, Rebelo de Sousa vai passar dois dias nas províncias da Huíla e de Benguela, as mesmas que Cavaco Silva visitou. Dos 100 mil portugueses inscritos nos consulados em Angola, 90% está em Luanda, seguido de Benguela e Huíla. Em 2010, como agora, as duas províncias são vistas como exemplo do potencial de crescimento do país. Lugares onde pode nascer a “nova Angola” que João Lourenço quer construir.

Desde que tomou posse, Lourenço definiu a “diversificação da economia” como prioridade. No ano passado, mal chegou a Lisboa, disse que “gostaria de esquecer que o petróleo existe” e insistiu em ir ao Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, em Oeiras. Foi aí que pediu a ajuda de Portugal para conseguir a auto-suficiência alimentar. Há um ano que o novo Presidente angolano repete três coisas: quer deixar de importar comida, precisa que os angolanos regressem ao campo e precisa de mais investimento internacional na agricultura. Dos 35 milhões de hectares de terras angolanas aráveis, só cinco milhões estão cultivados.

A preocupação de Lourenço é um espelho dos números oficiais: entre 2002 e 2016, o PIB calculado sem as receitas do petróleo desceu de 12,8% para 4,8%. Segundo um especialista ouvido pelo PÚBLICO, durante os dez anos a seguir à guerra civil, Angola terá tido uma receita bruta de 100 milhões de dólares por dia apenas da receita de impostos. Com a crise 2008, o preço do barril de petróleo caiu abruptamente: dos 100 dólares/barril para metade.

Uma das vontades de Portugal é, justamente, “fazer evoluir o relacionamento com Angola do puro comércio para o investimento e a criação de emprego”, disse ao PÚBLICO o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que esteve em Luanda há duas semanas a preparar a visita.

Huíla tem agricultores e água

A província da Huíla, no Sudoeste angolano, faz parte dos planos de desenvolvimento angolanos. No Relatório Económico de Angola de 2017 (feito pela Universidade Católica de Angola e coordenado pelo economista Manuel Alves da Rocha), a Huíla é descrita como uma região com “uma aptidão agrícola notável”. A monografia económica dá duas razões: há agricultores e há água. Quase 70% da população vive na área rural e há “perímetros hídricos com enorme potencial produtivo”.

O relatório destaca as zonas irrigadas da Waba, Gangelas, Cuvango e Matala, que têm centenas de milhares de hectares disponíveis para o cultivo mas que estão subaproveitadas. Além disso, a região de Quilengues “é ideal para o estabelecimento de empresas na área da pecuária devido aos vastos campos de pastagens e abundância” de água. Há rios, barragens e albufeiras, em parte resultado do investimento público feito durante o último Plano Nacional de Desenvolvimento do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos.

Na Huíla, Rebelo de Sousa tem uma reunião com o governador, Luís da Fonseca Nunes, dá uma palestra na Universidade Mandume Ya Ndemufayo, nome de um rei Kwanhama, reino que se estendia até à Namíbia, e cuja fotografia foi discutida durante anos por historiadores, e visita a escola portuguesa de Lubango, onde estudam 500 crianças. Criada em 1998 pela comunidade portuguesa sem apoio do Estado português, a escola é hoje reconhecida pelo Ministério da Educação e segue os horários de Portugal. Ao fim do dia, o Presidente segue para Benguela, onde fecha um fórum económico e, no dia seguinte, visita o porto do Lobito, percorre dez quilómetros no mítico caminho-de-ferro de Benguela — fará o troço inaugural, de 1904, entre Lobito e Catumbela — e almoça no Palácio da Praia Morena a convite do governador, Rui Falcão Pinto de Andrade.

Maior perímetro, mais dívida

Em seis meses, esta é a terceira vez que há encontros ao mais alto nível entre os dois Estados. O primeiro-ministro português, António Costa, visitou Angola em Setembro e Lourenço visitou Portugal em Novembro. Este vaivém é um contraste cristalino com o semicongelamento que dominou as relações bilaterais entre 2016 e 2018 por causa da acusação de corrupção feita pelo Ministério Público português contra o antigo vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.

Mal o processo judicial foi transferido para Angola, um dos primeiros sinais do desanuviamento diplomático foi a rapidez com que Luanda iniciou o processo de pagamento das dívidas às empresas portuguesas. A dívida do Estado angolano às empresas portuguesas está calculada, pelas autoridades portuguesas, entre os 400 e os 500 milhões de euros, disse ao PÚBLICO uma fonte que conhece o dossier. Mas em Novembro, Luanda só identificara e reconhecera menos de metade.

Ao longo dos últimos quatro meses, o perímetro de identificação das dívidas foi alargado, sabe o PÚBLICO. Se no início do processo havia instruções para identificar dívida ao nível do governo central, entretanto o universo institucional foi alargado e passou a envolver também o governo provincial. O mesmo aconteceu com as empresas abrangidas: primeiro eram só as empresas de construção e agora há também outro tipo de empresas. Com o universo alargado, a quantidade de dívida identificada aumentou, mas como o kwanza se desvalorizou, os empresários não vão necessariamente receber mais dinheiro, alerta a fonte. Além disso, desde a visita de Lourenço a Portugal, também aumentou a quantidade de dívida que foi certificada pelas autoridades angolanas. “Uma parte muito substancial da dívida identificada já foi certificada”, disse a mesma fonte.

Diplomatas e membros do Governo português têm insistido que este “é um processo lento e complexo”, que envolve muitas entidades do lado angolano e muitas empresas do lado português, e que não é “um bolo” ou um “pacote único”. O Governo português é intermediário, mas não negociador. No fim, os acordos são fechados entre o Estado angolano e a empresa portuguesa a quem era devido pagamento. Diferentes fontes confirmam que o processo das dívidas está a “avançar bem” e a “bom ritmo”.

No Governo de Lisboa é notado o “esforço genuíno” das autoridades de Luanda. O anúncio feito em Novembro “não foi coisa para nos calar”, nota um diplomata, e criar um bom ambiente para a visita de João Lourenço. A motivação de Luanda parece no entanto clara: além de querer manter boas relações com Portugal, Angola precisa de credibilidade no meio empresarial e não quer ter “dívida escondida” agora que o FMI “entrou” no país com dinheiro e exigências de transparência. Os novos valores de dívida às empresas portugueses deverão ser anunciados durante esta semana.

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