Afirmar a autonomia do Governo
A simultaniedade dos dois processos negociais será uma tentação para Costa aumentar as moedas de troca que tem para negociar com o BE, o PCP e o PEV
António Costa avisou na abertura do Congresso do PS em 25 de Maio que ia afirmar a autonomia do partido e do Governo. Manifestação dessa autonomia é a decisão de levar à votação na generalidade pelo Parlamento, no dia 18 de Julho, do acordo assinado com a Comissão Permanente de Concertação Social sobre alterações à legislação laboral, separando-o do debate e votação dos projectos de lei sobre o mesmo assunto apresentados pelo BE e pelo PCP que sexta-feira foram votados também na generalidade.
Uma autonomia que é afirmada mesmo contra a vontade de parte dos deputados socialistas que estava apostado em que o acordo assinado pelo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, com os parceiros sociais (à excepção da CGTP), baixasse à comissão sem votação, em conjunto com as propostas dos outros partidos da aliança parlamentar.Com esta atitude, Costa não só afirma a autonomia formal do Governo perante o BE e o PCP, mas também dignifica o papel da Comissão Permanente de Concertação Social.
É certo que quer o acordo com os parceiros sociais, quer os projectos ontem aprovados pelos parceiros de aliança parlamentar terão de ser trabalhados e negociados depois do Verão e em simultâneo com a fase final da elaboração do Orçamento do Estado para 2019. É verdade que as alterações à lei laboral contidas no acordo poderão sofrer alterações em comissão. Comunistas e bloquistas já anunciaram que estão em desacordo com algumas medidas.
Resta esperar pelo Outono para ver até onde Costa levará a sua promessa de autonomia. É sabido que o primeiro-ministro é um hábil negociador político, mas até onde irá levar a sua vontade de respeitar o acordo com a Comissão Permanente de Concertação Social e dignificar o estatuto desta entidade na democracia portuguesa?
Como resistirá o primeiro-ministro a deixar adulterar o espírito do acordo laboral com os parceiros sociais? E não cederá a alterações impostas pelo BE e pelo PCP, quando estiverem em plena fase final as negociações do último Orçamento do Estado da legislatura, numa circunstância orçamental do país em que as verbas financeiras do Estado disponíveis são escassas, as reivindicações laborais e sindicais saem à rua? Defesa de causas que terão eco nas propostas e exigências orçamentais que o BE, o PCP e o PEV apresentarão ao Governo.
No fundo, a simultaniedade dos dois processos negociais será uma tentação para Costa aumentar as moedas de troca com o BE, o PCP e o PEV. O primeiro-ministro poderá sempre deixar cair uma ou outra alteração à legislação laboral em troca de reivindicações orçamentais do BE e do PCP que não tem condições de satisfazer. Até porque ceder à esquerda nas alterações à lei laboral não tem o peso e o custo sobre as contas públicas dos aumentos salariais na função pública.