“A partir de agora, o PSD tem de intensificar a oposição”

Manuel Castro Almeida diz que o diálogo com o Governo “foi sério, leal, construtivo, patriótico”. As portas continuam abertas para questões “estruturais”, mas agora chegou o tempo das propostas, para “diferenciar”, acrescenta o vice-presidente do PSD.

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Rui Gaudêncio
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“Há sensibilidades diferentes dentro do PS sobre a oportunidade destes entendimentos com o PSD”, atira Castro Almeida, que não vê perigo de crise política.

Como foi negociar com Pedro Marques? Este ministro tem acusado muitas vezes o último Governo do PSD de ter negociado mal e aplicado mal os fundos. E o dr. Castro Almeida estava nesse Governo - e precisamente com a pasta dos fundos.
Acho que encarámos bem a missão que tínhamos pela frente, que era procurar chegar a um acordo que fosse útil para o país, útil para Portugal, sobre o Portugal 2030 [o próximo quadro comunitário de apoio]. E ambos compreendemos que tínhamos que nos despir das funções que eu tinha tido no Governo anterior. Nós pusemos de lado falar sobre a reprogramação do Portugal 2020 [o quadro de fundos europeus actual], porque nos quisemos centrar no Portugal 2030. E esse processo correu bem. Foi um diálogo frutuoso, que eu diria que foi sério, leal, construtivo, patriótico. Estivemos ambos com a vontade de chegar a um acordo que fosse útil para o país. Foi uma boa experiência.

Disse que foi uma negociação leal. Porque é que não houve assinatura pública dos acordos?
Houve uma assinatura dos negociadores, no final da reunião em que concluímos os acordos. E depois seguiu-se a apresentação final dos acordos, pelo primeiro-ministro e pelo líder do PSD, aos jornalistas.

Uma das críticas internas a estes acordos é que o PSD pode ser agora visto como uma muleta do PS. Foi Luís Montenegro quem o disse. Como é que responde a esta crítica?
Antes pelo contrário. Eu tenho para mim que estes acordos são um sinal muito poderoso de maturidade democrática, são um sinal de normalidade política em Portugal. Todos nos lembramos que nos últimos anos não foi possível haver entendimentos entre Governo e PSD - estando o PSD no Governo ou na oposição, com o PS no Governo ou na oposição.

Porque é que isso aconteceu?
Não me interessa agora falar disso. Sei que se criou esta cultura, esta rivalidade levada ao extremo, que fez crer que os partidos têm sempre que estar em desacordo. E o que nós achamos é que a democracia tem um tempo para dividir e tem momentos para unir e concertar posições. O PSD deu um sinal fortíssimo para normalizar a vida democrática. Daqui a uns anos, em Portugal, vamos achar estranhíssimo a estranheza que causou haver um acordo entre Governo e o maior partido da oposição. Isto deve ser uma normalidade. A partir de agora, devo dizer, o PSD ganha maior autoridade para criticar quando tiver que criticar. Mas há um ponto que é preciso notar também: terminado este período dos acordos, acho que o PSD tem de intensificar a oposição e mostrar as suas alternativas. Sob pena de, se não o fizéssemos, o país achar que ser do PS ou do PSD era a mesma coisa. E é bom marcar as diferenças.

E esse período dos acordos acabou?
Houve agora um período em que estivemos centrados a concluir estes acordos. Vamos continuar conversas e a preparar propostas sobre outras áreas...

Tais como?
Aquilo que o dr. Rui Rio tem vindo a dizer. Ele tem vontade de estabelecer entendimentos alargados com outras forças políticas em todas as áreas em que o PSD não pode resolver as coisas sozinho. O caso da Justiça é um caso paradigmático.... e talvez o mais importante de todos aqueles que o dr. Rui Rio tem no seu pensamento.

E na Saúde?
Há muitas coisas que é preciso resolver na Saúde que o Governo pode resolver, se gerir bem. São assuntos de gestão corrente.

Mas há uma discussão mais de fundo, que é a Lei de Bases da Saúde, que o Governo também já lançou...
Se for necessário fazer reformas estruturais que vão para lá de uma legislatura, que vão para além da gestão corrente, o PSD está - com a liderança de Rui Rio - sempre disponível para todas as reformas estruturais que sejam necessárias. A regra é esta: quando o Governo não puder fazer sozinho um propósito que seja bom para o país, o PSD quer ajudar a encontrar boas soluções. Os partidos não existem para outra coisa.

Quando Luís Montenegro fala de "muleta", é disto que fala: assim António Costa pode escolher sempre com dialogar, porque tem sempre um caminho.
Não. Há dois planos. O que faz a diferença é que o BE e PCP garantem a governação corrente, do dia-a-dia deste Governo. Este Governo só existe porque o BE e PCP lhes garantem a sobrevivência - não é o PSD que garante a sobrevivência deste Governo. Nunca tomámos esse compromisso, nem tomaríamos. O que o PSD garante é que, quando houver necessidade de encontrar reformas que um partido ou o Governo não possa fazer, estamos disponíveis para dar o braço a quem for necessário. Os partidos só existem para resolver problemas do país.

Em relação a estes dois consensos, o PCP já veio criticar de forma veemente a forma como foram valorizados [pelo Governo e PSD]. Acha que o PSD está a desestabilizar a "geringonça"?
Não o fazemos com esse propósito. Mas não podemos deixar de ver aquilo que está à vista de todos.

E o que é que está à vista de todos?
Que há posições claramente diferentes dentro da "geringonça" e há sensibilidades diferentes dentro do PS sobre a oportunidade destes entendimentos com o PSD. Mas, enfim, não tem que haver unanimidade. Nós estamos a cumprir com o que achamos que é nosso dever.

E acha que há riscos de esta maioria cair antes desta legislatura?
N
ão me parece, não me parece.

Era um cenário que lhe agradaria?
Eu sou pela estabilidade, pela clareza. E este Governo, esta maioria, responsabilizaram-se perante o país, em condições anormais. Garantiram estabilidade. A palavra dos políticos tem que ser honrada.

Catarina Martins avisou António Costa, no último debate quinzenal e a propósito do Programa de Estabilidade (PE), que vai ser mais difícil negociar o próximo Orçamento do Estado (OE) com o BE. O PSD propôs um projecto de resolução sobre o PE, em que, ao contrário do CDS, não propõe a rejeição do documento. Quer isto dizer que, se for necessário e para não haver crise política, o PSD pode viabilizar o próximo OE?
Eu acho isso altamente improvável. Mas é preciso conhecer o Orçamento, evidentemente. Se o Governo apresentar um OE que o PSD faria, bom, nós votaríamos a favor, mas acho isso totalmente improvável. Sobre o PE, eu acompanho a tendência do Governo de reduzir o défice, apenas acho que reduz pouco - tudo indica que vão reduzir apenas duas décimas, que é quase nada. Mas, enfim, é melhor reduzir do que aumentar. Depois acompanho a proposta do Governo de reduzir a dívida: Portugal tem forçosamente de reduzir a dívida. Mas não acompanho nada a posição do Governo que não se aplica numa tarefa essencial de reduzir despesa improdutivas, desperdícios. Agora criou-se um bocadinho a ideia, à custa do Hospital de São João e de outros exemplos assim (em que o Estado não investe o que devia), de que toda a despesa do Estado é boa. Ora, há muita despesa improdutiva e a obrigação do Estado é cortar essa despesa para que, justamente, não falte dinheiro no Hospital de São João.

Mário Centeno e o ministro da Saúde criaram uma equipa para avaliar as contas dos hospitais e desperdícios. Não vê aí preocupação com a gestão?
Mas não há tradução financeira no PE de poupanças na despesa pública inútil. Não se vê empenho público nisso. E, sabe, aí faço justiça: quero acreditar que não é tanto o dr. Centeno, quero acreditar que é esta lógica do BE e PCP, que vêem o mundo, de facto, de uma forma totalmente diferente daquela que vejo. Eles acham que uma dotação orçamental contém em si uma obrigação de gastar. E eu sempre olhei para a dotação orçamental como autorização para gastar. Não é um limite mínimo de despesa, é um limite máximo. E parece que hoje está criada a ideia de que um ministro é tanto mais competente quanto mais dinheiro gasta. Isto é um erro: eu quero um ministro que cumpra objectivos, que atinja resultados com a menor despesa possível.

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